Mariana Dolores é cofundadora da ONG Mundo A Sorrir e sua presidente desde 2018. A organização, criada no Porto, em 2005, com a missão de promover a saúde e a saúde oral como um direito universal junto das populações em situação de vulnerabilidade socioeconómica, já beneficiou mais de 863 mil pessoas, em Portugal, Cabo-Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, através de projetos que potenciam a inclusão social e a cooperação para o desenvolvimento.
Licenciada em Medicina Dentária na Universidade Fernando Pessoa, Mariana Dolores fez uma pós-graduação em Odontopediatria na CESPU – Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário, e um mestrado em Organizações Não Governamentais, pelo Regents College em Londres, e integra diversas sociedades científicas, nomeadamente o International College of Dentists.
Começou por exercer a atividade profissional como médica dentista no Reino Unido, tendo mais tarde regressado a Portugal, onde exerce até ao momento prática exclusiva de odontopediatria. Desde a criação da Mundo A Sorrir Mariana Dolores ocupou vários cargos nos seus órgãos sociais e desempenhou, enquanto membro executivo da organização, as mais variadas funções desde gestão de projetos a direção executiva. Mariana Dolores é apaixonada por África e valoriza cada viagem que faz enquanto voluntária, mantendo bem acesa a vontade de continuar a dura luta pela universalização do direito à saúde e saúde oral. É casada e mãe de 3 filhos, adora, em família, fazer caminhadas e trilhos na natureza.
O que levou a participar na criação da Mundo A Sorrir?
A Mundo A Sorrir surge após uma experiência de voluntariado que tive com um grande amigo e também colega da faculdade. Sempre me senti ligada à área social e as desigualdades sempre me inquietaram, mas a experiência que vivemos na Ilha do Fogo, em Cabo Verde, foi o despertar de uma nova Mariana.
Fundamos a Mundo A Sorrir com o propósito de colmatar uma falha do sistema que não permitia que uma percentagem bastante significativa da população tivesse acesso a cuidados de saúde oral, nomeadamente nos países africanos onde atuamos e onde o rácio de médicos dentistas é incrivelmente baixo. Começou por ser um “pequeno sonho” de um grupo de amigos, mas, com resiliência e dedicação, conseguimos transformar a organização e fazê-la crescer enquanto exemplo de boas práticas em saúde em vários países. Atualmente, os projetos são muitos, mas a missão continua a mesma: promover a saúde e a saúde oral como um direito universal.
Que objetivos tinha na altura e quais conseguiu concretizar?
Em 2005 quando fundámos a Mundo A Sorrir tínhamos muitos sonhos, mas poucos objetivos concretos para além do facto de que queríamos que a saúde oral fosse um direito universal, e essa acabou por ser a nossa missão até hoje. Os objetivos foram-se tornando mais claros e específicos ao longo do tempo, à medida que íamos crescendo enquanto organização e enquanto empreendedores sociais e à medida que avaliávamos as necessidades reais que existiam em cada um dos países onde fomos atuando.
Com este crescimento vieram muitos projetos específicos com objetivos muito particulares e claros e temos conseguido cumprir não só esses objetivos, mas mais do que tudo apostar fortemente no impacto social que temos na vida dos nossos beneficiários e que se comprova no dia a dia da nossa atuação.
“O voluntariado não mudou nada na minha vida, mas na realidade mudou tudo”
Que mudanças este projeto provocou na sua vida pessoal e profissional?
Diria que a minha forma de ver a vida e de ter a certeza que cada um tem um papel fundamental nas mudanças que quer ver implementadas no mundo mudou na primeira experiência de voluntariado que tive no Alentejo, em 2002. A ida para Cabo Verde veio aumentar a vontade de “mudar o mundo” e até podia dizer que o voluntariado não mudou nada na minha vida, mas na realidade mudou tudo e sou muito feliz assim.
À medida que a Mundo A Sorrir foi crescendo, tive que apostar em mais formação na área da gestão de organizações sociais, delineamento de projetos, avaliação de impacto etc. e o tempo dedicado a esta área passou a ser cada vez maior, ficando o espaço para a prática clínica cada vez menor. Se, quando acabei o curso me dissessem que isto iria acontecer e que eu ia ser uma empreendedora social, claramente não iria acreditar.
Claro que tudo isto e o tempo que dedico à Mundo A Sorrir impacta a minha vida pessoal e familiar a todos os níveis. Diria que o meu marido é um dos grandes voluntários da Mundo A Sorrir e o meu maior apoio nesta decisão que tomei. Seria impossível esta dedicação que tenho à Mundo A Sorrir se ele não tivesse apoiado desde o início esta opção de vida e não acreditasse na missão da organização e no impacto que cria de forma direta na vida de tantas pessoas.
Quais os principais desafios que enfrenta na liderança de uma organização como esta?
Tudo na Mundo A Sorrir é um desafio! Estamos a falar de uma IPSS que atua maioritariamente numa área médica que é negligenciada em todos os países onde desenvolve atividades; que tem a sua sede no Porto (deslocada do centro de tantas decisões que, infelizmente, ainda só são tomadas em Lisboa) e que não tem acordo direto com a Segurança Social. Dito isto, posso destacar a sustentabilidade financeira como uma preocupação sempre presente. Trabalhamos numa procura constante de financiamentos para que possamos continuar a desenvolver os projetos já existentes e iniciar outros.
“Ao fim de 15 anos de trabalho conseguimos abrir a clínica social Mundo A Sorrir na Guiné-Bissau”
Qual a situação/projeto de que mais se orgulha na Mundo A Sorrir?
Aquilo de que mais me orgulho na Mundo A Sorrir é das pessoas. O conseguirmos juntar tantos colaboradores e voluntários que, de forma desinteressada, vestem a camisola da organização e diariamente trabalham de forma dedicada e muito profissional para ajudar os nossos beneficiários. São mais de 1700 os corações solidários que por aqui passaram e deixaram a sua marca!
Em termos de projeto, apesar de todos me encherem de orgulho, vou destacar a abertura da clínica social da Mundo A Sorrir na Guiné-Bissau, por todos os desafios que implicou e pelo impacto que tem. Sem termos recebido fundos da cooperação portuguesa, a abertura desta clínica foi fruto de muitos anos de trabalho, do envolvimento e dedicação de vários voluntários da organização e do apoio incondicional de um empresário do Norte de Portugal. Ao fim de 15 anos de trabalho na Guiné conseguimos abrir uma clínica que apoia com qualidade a população e que é uma referência na área da saúde oral, permitindo que também os mais fragilizados a nível financeiro possam ter acesso a cuidados médicos. Confesso que, no dia da abertura da clínica e de coração cheio, tive a certeza que todo o trabalho e todas as noites mal dormidas valem a pena e que a Mundo A Sorrir tem, sem dúvida, um papel fundamental na promoção da saúde.
Agora que a Mundo A Sorrir celebra 17 anos, quais os projetos para o futuro próximo?
A pandemia veio enfatizar a necessidade de apoio à população mais carenciada na área da saúde oral. Os sistemas público e privado não apresentam hoje soluções para a universalização do direito à saúde oral e não acredito, infelizmente, que isso vá acontecer num futuro próximo.
A nível nacional, a Mundo A Sorrir vai continuar a inovar para criar o máximo de impacto na vida dos beneficiários e a idealizar novos projetos inclusivos e de cariz pioneiro que colmatem as necessidades existentes. Esta será sempre uma prioridade! A nível internacional o nosso foco está no crescimento das atividades em cada um dos países onde atuamos, potenciando sempre e de uma forma estruturada e continuada a atuação da organização em parceria com os interlocutores locais.
A comunicação é uma área que pretendemos continuar a trabalhar de forma assertiva nos tempos mais próximos utilizando a nossa missão como “mote” para tentar influenciar políticas publicas de saúde oral e o impacto que as mesmas podem ter. Por fim, a sustentabilidade ambiental, apesar de ter deixado para último ponto, é uma das nossas grandes prioridades para os próximos tempos. Que a Mundo A Sorrir seja uma organização com uma pegada ecológica exemplar!
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