Maria João Mata: “A década dos 30 é muito exigente para as mulheres”

"É a década em que nos temos de afirmar profissionalmente e é a década da maternidade", afirma a gestora. Porque a empresa familiar estava em boas mãos, decidiu abrandar o ritmo para se dedicar aos filhos e se licenciar em Psicologia. Queria mudar de vida, mas o destino trocou-lhe as voltas.

Maria João Mata lidera uma corretora de seguros com prémios de 30 milhões de euros.

Como muitos herdeiros, começou jovem na empresa familiar, por baixo: fazendo tarefas administrativas. Ao longo de vários anos, Maria João Mata foi conhecendo as pessoas, os diferentes departamentos e as diversas tarefas, até que interrompeu a sua progressão no grupo segurador fundado em 1972 pelo seu avô para se dedicar aos filhos, e se licenciar em Psicologia. Seguiu-se a prática clínica, percurso que seria também interrompido pelo apelo do tio doente e pelo sentido de responsabilidade em relação ao destino da empresa e das pessoas que nela trabalhavam. Regressou como proprietária e diretora geral em 2004. Trabalhar nos seguros nunca foi o seu sonho profissional, reconhece, mas este sector acabou por a conquistar.

Hoje a João Mata, Lda. Corretores de Seguros tem prémios de seguros de cerca de 30 milhões de euros e uma faturação em torno dos 3 milhões de euros, realizada por uma equipa de 40 pessoas em Lisboa, no Porto e em Viseu. A empresa tem presença no mercado moçambicano, com um pequeno escritório e uma equipa de cinco pessoas. A operação em Angola foi vendida em Dezembro 2015, depois de dois anos em que, acompanhando as construtoras portuguesas que operavam nessa geografia, atingiu o segundo lugar no ranking e empregava 20 pessoas.

Hoje, quando acorda às 7h00, cheia de energia para uma caminhada junto ao rio, antes de regressar a casa, a dois passos do escritório, poderá fazer planos para o futuro com que sonha: deixar a empresa em boas mãos e viajar para o hemisfério sul, fugindo ao Inverno. Um idílio que só fica completo com o mar por perto.

 

Em criança, o que queria ser quando fosse grande?
Não entrei para os seguros por opção. Acho que ninguém aos 18 anos se sente atraído pelo mercado segurador. Sempre me vi na área das ciências: na Biologia ou na Medicina. Mas a minha média não foi suficiente para entrar em Medicina. Como estava indecisa em relação ao que iria fazer, nesse Verão recebi uma proposta da família: “enquanto pensas, era bom começares a trabalhar e veres se achas que o teu futuro pode estar nas empresas da família e nos seguros.”

Entrei em Setembro de 1983, com 18 anos, pensando que ia ser uma experiência temporária. Ao contrário das minhas expectativas, comecei a achar alguma graça. Nessa altura, no pós-25 de Abril, as empresas estrangeiras tinham de fazer joint-ventures com empresas portuguesas. Portanto, eu lidava com americanos [os brokers norte americanos Alexander & Alexander e Frank B. Hall] e com uma filosofia dentro de um mercado segurador já muito avançada. Tive uma experiência diferente, porque tinha trabalho e informação que no mercado segurador português não havia.

Em 1987 estava a desempenhar funções de gestão de clientes e fez uma extensa formação em seguros.
Fiz o Curso Geral de Seguros, o curso “Perda de Lucros” e o Curso Complementar de Seguros, todos da Associação Portuguesa de Seguros e do Cefos – Centro de Formação de Seguros. Gostei imenso da análise de risco. Íamos às unidades industriais descobrir os riscos, que coberturas é devíamos transferir, fazer estudos. Eu adorei! Penso que fui a primeira ou a segunda mulher a fazer esse curso em Portugal. Éramos cerca de 20 alunos e eu era mimadíssima pelos professores e pelos colegas.

Em 1997, era coordenadora geral, quando a encontramos a fazer uma licenciatura em Psicologia.
Entretanto, o meu avô faleceu, o meu pai faleceu dois anos depois, e isto tremeu um bocadinho. Estava cá o meu tio. Eu casei, tive o meu primeiro filho, e depois engravidei de gémeos. Houve uma interrupção, por diversas razões familiares, e eu decidi que não era tarde nem era cedo: “Vou fazer Psicologia”. Quando estava na rampa de lançamento, abrandei, embora não deixasse completamente a empresa. Fiz o primeiro ano à noite. A partir do segundo ano ia às aulas e depois vinha para a empresa. Mas já não tinha o meu leque de clientes do passado, era uma atividade muito mais soft.

Para as mulheres a década dos trinta é violenta: é a década em que nos temos de afirmar profissionalmente e é a década da maternidade. É uma “lufa lufa”. E para complicar mais a coisa, eu meti-me a estudar. Depois decidi fazer o mestrado. Gostei imenso e lancei-me nessa área: com uma amiga, abri uma clínica.

O objetivo era mudar de atividade?
Queria mesmo mudar. Por um lado, a Psicologia interessou-me imenso e, por outro, o outro ramo da família estava a tomar conta da empresa, pelo que era seguro seguir outra linha.

Como é que correu?
Estive apenas um ano nesse projeto. Abrimos a clínica e logo a seguir veio a crise. Os pacientes começaram a explicar que tinham de deixar as consultas porque tinham de ir ao dentista. Depois, o meu tio adoeceu e pediu-me que comprasse a sua quota de 50% e que regressasse à empresa. Fiquei baralhadíssima, porque estava toda lançada para aquele lado.  Falei com pessoas que tinham trabalhado cá comigo, fizemos uma equipa e voltámos em 2004.

Senti que não seria muito leal para com a minha família se não aceitasse o desafio.

O que é que foi decisivo para a fazer regressar ao sector segurador e à empresa da família?
Em primeiro lugar, o apelo do meu tio. Senti que não seria muito leal para com a minha família se não aceitasse o desafio, numa altura em que o meu tio estava doente. E perceber o que seria o futuro da empresa, se eu não voltasse. Eu poderia ter decidido colocar aqui uma equipa de gestão e continuar a fazer o que me estava a entusiasmar, mas achei que é desejável haver uma transição. Conhecia a empresa e as pessoas que cá trabalhavam e senti que as abandonaria numa altura difícil. Assim, em maio de 2004 regressei como diretora geral.

O que é que trouxe da atividade de psicóloga clínica para o sector segurador?
Apesar de a Psicologia Clínica nada ter a ver com seguros, aprendemos muito, essencialmente a lidar e a conhecer as pessoas. Voltei com uma perspetiva diferente. Na família eu era conhecida como “a radical” porque achava que o que era para mudar tinha de ser já. Mudou, principalmente, a minha maneira de exteriorizar, apesar de ainda não estar perfeita. Eu digo que aos 52 anos é difícil mudar, mas tento todos os dias. Sou uma pessoa assertiva de mais, para não dizer agressiva – que até admito que sou. Nós não estamos muito habituadas a isso, comparando com os espanhóis ou mesmo as pessoas do Porto. No Norte é “sim ou não”; em Lisboa é “talvez, vamos ver, depois digo-lhe qualquer coisa”. Eu não sou nada assim, acho que é perder tempo! Mas as pessoas não estão habituadas a ouvir “não” e levam em termos pessoais. “Ela é muito agressiva, não é politicamente correta.”

A mesma frase dita por um homem ou dita por uma mulher é recebida de forma completamente diferente.

Eu nunca senti qualquer dificuldade por ser mulher num meio empresarial, nem a lidar com homens. Pelo contrário: penso que somos até mimadas. Sinto é que a mesma frase um bocadinho agressiva dita por um homem ou dita por uma mulher é recebida de forma completamente diferente. Toda a gente a recebe do homem como sendo natural e da mulher não. Portanto, o que eu faço agora, mais velha e com um curso de Psicologia, é tentar chegar às pessoas de uma maneira mais soft. Mas não é fácil, é uma aprendizagem todos os dias. O meu tom de voz é naturalmente alto e forte e quando a mensagem também não é simpática, as pessoas podem ficar assustadas e a minha intenção não é nada essa.

Quais é que considera serem os prós e os contras de trabalhar numa empresa familiar?
Depende de empresa para empresa. Eu comecei novíssima, a entregar envelopes aos mediadores, e passei pelas etapas todas. Conheci os sistemas de trabalho de diversos departamentos. Uma grande vantagem das empresas familiares é que, quando metem membros da família, acham que ele tem de começar por baixo, deve conhecer bem todas as pessoas e todas as tarefas, para nunca falar de coisas que não sabe ou que não viu. Outra vantagem é que os assuntos urgentes e importantes não têm de esperar pela reunião das quintas-feiras, resolvemos na hora. Isto distingue-nos de concorrentes maiores, que têm tantas hierarquias que a decisão demora muito tempo.

É importante o refrescamento com pessoas vindas de outras empresas e até de outros sectores.

A desvantagem poderá ser as pessoas pensarem: “era óbvio que vinha para cá, porque é da família.” Pode haver, também, alguma falta de acesso a formação especializada. As pessoas estão na empresa há muitos anos, têm resultados, a empresa corre bem, portanto não se muda. É um bocado como aquela ideia do futebol: em equipa que joga bem não se mexe. Mas eu acho que isso pode ser um erro. Creio que é importante haver formação e atualização contínua. Isso acabou por acontecer por força das circunstâncias, porque o meu regresso coincidiu com a introdução de novas tecnologias. Em 2004, fizemos uma mudança radical: mudámos os sistemas informáticos e entraram pessoas que já tinham trabalhado em grandes empresas e, portanto, tinham outra visão. É importante o refrescamento com pessoas vindas de outras empresas e até de outros sectores. Quando estamos sempre na nossa linha, e se tudo está a correr bem, temos pouca tendência de olhar para fora.

E o mundo lá fora pode estar a mudar.
E nós temos de nos ajustar. Isso foi sentido aqui. Somos especialistas em nichos do mercado como a engenharia (obras e infraestruturas) que, por circunstâncias políticas e económicas se alteraram, e as equipas ficaram sem saber para onde se virar. É um bocadinho difícil para pessoas que aqui trabalham há 30 e muitos anos fazer as coisas de forma diferente.

Quando se tornou diretora geral, como foi recebida?
Não é fácil passar de colega para a liderança, mas correu bem. Há muita gente que me conhece desde miúda. Mas o afastamento devido à maternidade e ao curso, quando trabalhava em part time, ajudou um pouco.

Gosto muito de ouvir pessoas de cabelos brancos porque têm história de vida.

A primeira coisa que fiz foi uma entrevista individual com todos os colaboradores, dos serviços gerais até aos diretores de topo. Quis saber tudo acerca deles. Como a minha vida mudara, provavelmente a deles também tinha mudado. Nessa altura, tinha uma equipa muito sénior, muito conhecida no mercado e eu gosto muito de ouvir pessoas de cabelos brancos. Gosto imenso dos mais novos, pela energia e pelo desafio que provocam, mas valorizo muito os mais velhos porque têm história de vida. E eles diziam-me: “Maria João, tu não podes ser tão simpática, tão amiga…”. Avisavam-me que eu tinha de ter algum distanciamento. Ao fim de uns anos percebi e aprendi a lição. Hoje temos uma equipa muito boa. A empresa é 100% portuguesa, 100% da família, que é algo que eu defendo com toda a garra.

Como está a correr o negócio?
Estivemos sempre bem até 2013. De 2013 a 2016 passámos uns momentos difíceis. Estamos no ano da inversão. Os seguros andam sempre uns anos atrás da realidade económica dos outros setores.

De que forma deram a volta à situação?
Conseguimos a inversão de duas maneiras. Dispensando pessoas, porque o negócio caiu e havia pessoas a mais. Foi tudo feito discretamente, chegando a acordo com todas as pessoas, não houve nada que tivesse corrido mal. Por outro lado, fui buscar à banca um diretor comercial, que neste momento é meu assessor, que vende e sabe vender. Nós nunca tínhamos tido equipas de vendedores. Os clientes entravam pela porta, chegavam porque a empresa lhes tinha sido recomendada por outros clientes. Os clientes chegavam e os gestores só tinham de fazer a gestão do cliente. De repente, para tudo, param as obras. “E agora o que é que vamos fazer?” Estes quatro anos foram muito esforçados e muito apontados para a equipa comercial.

Tivemos de uniformizar os processos. Hoje o papel que temos é apenas o obrigatório. É tudo digitalizado e isso permite uma resposta ao cliente é sempre a mais correta, porque a fonte é sempre a mesma.

Quando escolho a seguradora não é porque ela pertence a um grupo que está ligado ao meu dono.

Conseguirá uma boutique de seguros manter-se como alternativa aos grandes hipermercados financeiros?
Estamos a voltar ao fillet mignon, à mercearia gourmet, ao restaurante gourmet, a tudo o que é muito especial e muito dirigido ao cliente. Acho que pode ser a solução e, por isso, é que nunca fui tentada a vender nem a fundir. Empresas com cultura e ADN próprios dificilmente casam bem com outras. Não é impossível, mas é difícil. Temos uma área de energias, uma área de construção, montagens e projetos e uma área de contratação pública muito reconhecidas no mercado. E temos os nossos clientes tradicionais que gostam de ter um serviço que garanta um atendimento rápido e de confiança. Eles sabem que quando escolho a seguradora não é porque ela pertence a um grupo que está ligado ao meu dono. Eu compro o seguro que sei que é o melhor para o cliente.

A empresa atua só no mercado B2B ou tem clientes particulares?
Acabámos por ter, porque os administradores das empresas queriam o seguro de viagem ou do carro. Temos 8 mil clientes particulares e estamos a começar a implementar um sistema dirigido a esta clientela, que não era o nosso core business.

Quando recruta pessoas, o que é que mais valoriza?
Provavelmente por defeito do curso que tirei, olho muito para o lado emocional. Até pode aparecer uma pessoa supercompetente, com experiência, mas tenho de sentir que encaixa na empresa que vai integrar. É uma coisa muito intuitiva.

Obviamente que, se eu adorar a pessoa, mas os skills não têm nada a ver com o perfil pretendido, posso ficar amiga dela, mas não vou contratá-la! O mesmo se passa se for uma pessoa com uma experiência fantástica, com resultados ótimos, mas que eu tenha ali qualquer coisa… Acho que vou entrevistar mais dois ou três até tomar uma decisão. Este meu lado intuitivo não me tem deixado mal. Se vejo um miúdo que não tem experiência, mas tem vontade, quer e precisa, penso que ele tem de ter uma hipótese.

Qual é que considera que é o seu ponto forte e o seu ponto fraco?
Por um lado, é a agressividade e a maneira de falar. Mas sabe qual é que eu acho que é mesmo o meu ponto fraco? A ingenuidade, ao fim destes anos todos. O meu ponto forte: sei exatamente o que quero e para onde quero ir.

A minha grande inspiração é o meu pai.

Há alguma pessoa que seja a sua grande inspiração no trabalho?
A minha grande inspiração é o meu pai. O meu avô fundou a empresa, mas era uma pessoa muito british e muito estudiosa. O meu pai era uma pessoa muito mais pragmática. Aprendi com ele a ser comercial. O meu pai sempre foi muito à frente como pai e como profissional e isso, para mim, deu-me imensa segurança.

Houve algum conselho profissional que lhe tenha transmitido e que, ainda hoje, a marque?
“Acredita que nunca conheces bem uma pessoa”, disse-me quando tivemos uma crise grave com um diretor, que estava cá há imensos anos e era como se fosse um familiar. Eu caio nesse erro ainda hoje. A minha luta é sempre essa.

Alguma vez cometeu algum erro e o que é que aprendeu com ele?
Já cometi vários erros. Por causa da minha ingenuidade, já contratei pessoas que se revelaram um erro. Aprendi a tentar não ser ingénua e a não confiar tanto no instinto: entrevistar mais dois ou três, ou passar por mais uma fase, para ter a certeza.

Eu sei que é difícil ter paciência aos 20 anos, eu também não tinha, mas é preciso.

Que conselhos é que daria a uma jovem no início de carreira?
Que nunca desistam, se têm a certeza absoluta que é isso que querem fazer. Mas que tenham paciência. Eu sei que é difícil ter paciência aos 20 anos, eu também não tinha, mas é preciso. Nós não conseguimos mudar o mundo nem a nossa empresa só porque  somos muito apressados. Eu também adorava que fosse assim, mas não é. Há um tempo para tudo.

O que é que gosta de fazer nos tempos livres, para além de caminhar?
Os meus filhos já são todos adultos. É a reconquista da liberdade! Agora tenho tempo para ler que é uma coisa de que gosto imenso. Quero velejar. Gosto imenso do mar. Gosto de surf: não o faço bem, mas estou horas dentro de água. Gosto de água fria. E gosto imenso de viajar. Viajar e mar é o que me tranquiliza e me revigora.

Daqui a dez anos onde é que se imagina?
Ainda não sei bem quando será, mas, se tudo correr bem, o meu projeto de vida é passar os invernos, que odeio, de outubro a março no hemisfério sul. Um ano em cada sítio diferente: o primeiro ano pode ser na Austrália, o segundo ano na Argentina, o terceiro no Chile… Nada de muito fancy, basta um aparthotel junto à praia, uns livros, uma bicicleta. Quero conhecer culturas, músicas, cheiros, comidas diferentes.

Eu viajo, mas o mundo é gigante e vejo-me entre a Av. Sidónio Pais e a Av. Camilo Castelo Branco durante dez meses por ano. Já tenho 52 anos. Tenho de preparar isto: ter uma equipa impecável aqui, para eu me libertar e regressar em maio, para uma Assembleia Geral, quem sabe. É o meu sonho.

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