Está na PwC desde 1997, onde entrou depois de se formar em Direito e em Gestão e de uma breve passagem pela banca de investimento. É partner do departamento fiscal, especializada na área de fusões e aquisições (M&A) e responsável pelo departamento fiscal do escritório do Porto. É também Human Capital Leader e membro da Comissão Executiva. Embora o facto de ser mulher não tenha abrandado a velocidade da sua carreira – “Fui promovida duas vezes em licença de parto”, diz -, Maria Antónia Torres assumiu há quatro anos a diversidade de género como uma das suas causas, dentro e fora da PwC. Tem procurado alertar as mulheres para os constrangimentos que limitam as suas carreiras e também ajudar a remover alguns obstáculos que dificultam a sua progressão profissional.
As suas semanas dividem-se entre o Porto, onde vive e dirige o departamento fiscal, e Lisboa onde passa dois a três dias por semana. Na sua agenda ainda há espaço para os programas de mentoria da Professional Women Network (PWN) e do Connect To Success, e as participações como oradora em iniciativas de promoção da diversidade de género.
Quando me lançaram o desafio de promover a diversidade de género na PwC pensei ‘É mesmo preciso?’.
Quando é que a diversidade de género ganhou protagonismo na sua vida?
Numa fase tardia, pois ao longo da minha vida não tive grande contacto com o tema. Nunca me foi dito “não consegues porque és menina” ou “não podes comportar-te assim porque és menina”. Isso foi, seguramente, uma grande mais-valia, sobretudo ao nível profissional.
A primeira vez que tive contacto com o tema foi ainda de forma inconsciente numa fase em que ia ser promovida a sócia e me colocaram uma questão que na altura achei muito caricata: “Maria, achas que consegues com as tuas duas filhas?”. Não percebi de onde vinha aquela pergunta. Já tinha tido as minhas filhas, as licenças de parto… mas não pensei muito no caso.
Há quatro anos pediram-me para liderar a PwC Woman, uma área interna da PwC que tem como objectivo a promoção de uma maior diversidade de género dentro da organização. Quando me lançaram o desafio confesso que não disse logo que sim. Pensei: “É mesmo preciso?”. Mas lembrei-me daquele comentário e li muitos estudos e documentação sobre o tema no sentido de formar a minha convicção. E concluí que era realmente preciso.
Como responsável por essa área que mudanças introduziu na PwC?
Comecei por tentar perceber porque é que recrutamos cerca de 50% de mulheres, mas muitas delas acabam por sair. Nas faculdades de Gestão, Economia e Direito há muitas mulheres e quando as entrevistamos destacam-se muito pela maturidade, pelo foco, por saberem o que querem. Há alguns anos em que até recrutamos mais mulheres do que homens. E as mulheres têm performances muito boas. Quando chegam a manager (ou precisamente no momento anterior) – altura em que o conjunto de funções é mais alargado e a exigência, nomeadamente de tempo e de disponibilidade, aumenta -, começam a sair.
Coincide com a fase do casamento?
Geralmente acontece a partir do sexto ano de carreira. Percebemos que não é tanto na fase do casamento, mas sobretudo na altura da maternidade. Com os filhos há muitas mulheres que sentem que não conseguem conjugar a vida profissional com a vida pessoal e saem. Em algumas áreas saem massivamente.
Vejo mulheres que fizeram carreiras ótimas até uma determinada altura e que, de repente, acham que não são capazes.
Já começou a trabalhar para evitar que isso aconteça?
Com o nosso trabalho chegámos a duas conclusões: uma é que há um conjunto de ações em termos de politicas internas que se podem implementar e outra é que também temos de trabalhar com as mulheres. Por exemplo, faz todo o sentido o ajustamento dos objectivos anuais durante a licença de parentalidade e garantir que durante essa licença não sentem que perdem completamente o contacto com a empresa e com o que se vai passando. É importante que lhes sejam dadas condições para estar em casa com o bebé sem acharem que ficou tudo para trás e que no regresso não vão conseguir recuperar.
Ao mesmo tempo é necessário trabalhar temas das próprias mulheres, o que eu pessoalmente considero ter maior impacto do que as próprias políticas. Muitas vezes as mulheres não se apercebem dos constrangimentos que as limitam. Há ainda um grande estigma familiar e social, que leva a que as mulheres ouçam com frequência: “Não tens tempo para apoiar os teus filhos”, “Vais viajar outra vez?!”. Mas também há uma questão de atitude. Vejo mulheres que fizeram carreiras ótimas até uma determinada altura e que de repente acham que não são capazes. Portanto, entendo que, sobretudo, é preciso mudar este mindset das mulheres. É preciso dar formação (gestão de tempo, por exemplo) mas acima de tudo criar momentos de networking entre as mulheres e trazer “role models”, outras mulheres para explicarem como é que conseguiram fazer prosseguir as suas carreiras.
Obviamente que também é fundamental passar a mensagem à organização. Os meus sócios, que são maioritariamente homens, hoje estão muito mais sensibilizados para este tema. Mas novamente, para mim acima de tudo é importante ajudar as mulheres a estarem preparadas para o desafio.
Planear a carreira
A consultoria é uma atividade especialmente difícil para as mulheres?
A verdade é que nem toda a gente consegue trabalhar em consultoria, mas isso acontece com homens e mulheres. A consultoria tem um determinado número de exigências? Tem. E por isso não é conciliável com tudo o resto? Eu entendo que é, mas depende da maneira como vemos a vida. Digo muitas vezes às colaboradoras mais jovens que as mulheres ainda têm de pensar antecipadamente a sua carreira, de a planear. Os homens não precisam de o fazer porque, realmente, podem chegar a casa e dizer que vão fazer um projeto durante dois meses para Moçambique ou que foram promovidos e terão de trabalhar no Porto a semana toda. Alguém vai resolver em casa a logística. Uma mulher em regra não o poderia ou quereria fazer e eu também não o fiz. Mas planeei a minha carreira desde muito cedo.
É preciso saber escolher com quem se casa. Se o objectivo é fazer uma carreira a determinado nível é preciso escolher mesmo bem.
Fui promovida duas vezes em licença de parto. Quando nasceu a minha filha mais velha, fui promovida a manager, e disse ao meu marido que iríamos precisar de uma empregada a tempo inteiro porque havia uma série de coisas que eu queria fazer e que iriam implicar eu estar menos presente. Na altura não foi uma decisão fácil financeiramente, foi uma aposta. Para mim, esta empregada, que mantemos até hoje, juntamente com o apoio da família, é condição sine qua non para conseguir conciliar. Eu sei que esta é uma condicionante para muitas mulheres, mas eu tomei esta decisão muito cedo. Nenhum homem precisa de se preocupar com isto, de facto.
E há um outro aspeto fundamental: é preciso saber escolher com quem se casa. Já choquei muita gente com este comentário, mas por aquilo que vou avaliando, julgo que é verdadeiro. Se o objectivo é fazer uma carreira a determinado nível é preciso escolher mesmo bem. O meu marido é uma pedra basilar, tal como os meus pais. A minha mãe sempre me disse “minha filha, os teus filhos crescem. Obviamente, pensa neles, mas pensa também naquilo que queres fazer”. E o meu marido descomplicou sempre tudo, mesmo quando as minhas filhas estavam doentes e eu tinha de sair. Ele dizia “Mas qual é o problema? Estou cá eu, a tua mãe, a minha mãe e a empregada.” É preciso ter ao nosso lado alguém que seja racional neste tipo de decisões e que nos motive naquelas alturas em que achamos que devemos ficar, mas de facto de nada adiantaria. Nunca ouvi alguma coisa que me fizesse sentir culpada.
E também é verdade que durante algum tempo ele cedeu um pouco na carreira dele face à minha e agora estamos a tentar reequilibrar isso. Foi uma decisão a dois sobre o que fazia mais sentido para a família.
Qual é a percentagem de mulheres na PwC em cargos de liderança?
No total temos mais que 50% de mulheres, mas se falarmos ao nível da Comissão Executiva temos uma mulher e quatro homens. Entre os sócios temos 5 mulheres em 27. Mas felizmente há já muitas mulheres a caminho.
Sempre fui muito “masculina” a reagir, ou melhor, guardei sempre as minhas dúvidas para mim. Face à oportunidade avanço.
Portugal está em linha com a PwC a nível mundial?
Estamos bem alinhados. Tivemos recentemente uma mudança de chairman a nível mundial [no final de julho de 2016 Dennis Nally passou o testemunho a Robert Moritz] mas a diversidade já era o tema de eleição do Dennis Nally, que trabalhou dentro e fora da organização com o HeForShe – ele é uma das pessoas que está ligada desde o início a esse movimento das Nações Unidas.
Ao longo da carreira alguma vez sentiu que as oportunidades lhe escapavam pelo facto de ser mulher?
Eu nunca senti, nem pensei, que alguma vez a minha progressão pudesse ser limitada pela questão do género. Talvez isso tenha a ver com a minha educação. Sei que há pessoas que sentem um pouco essa pressão, mas pode ser um misto de duas coisas: por um lado, trabalhar com alguém que faz, de facto, distinção de género, e por outro, tem a ver com a atitude. Desde jovem que sempre me têm dado muitas oportunidades.
É normal chegar à Comissão Executiva de uma empresa como esta ao fim de 19 anos?
Nesta altura sou uma das duas pessoas mais novas que integrou a Comissão Executiva, mas a nível mundial a tendência é para as comissões executivas e os chairman da empresa serem mais novos.
Sempre lidou bem com as promoções?
Ao longo da minha carreira sempre que surgiram as oportunidades, agarrei-as. Sempre fui muito “masculina” a reagir, ou melhor, guardei sempre as minhas dúvidas para mim. Face à oportunidade avanço.
Porém, quando fui convidada para a Comissão Executiva tive uma reação de que não estava à espera. Aceitei sem hesitação mas como foi um convite inesperado fiquei surpreendida e pensei “Isto é um passo muito grande… será que vou ser capaz?”. Senti isso pela primeira vez e foi importante para eu perceber do que me falavam outras pessoas.
Nunca teve receios nem hesitações?
Lido muito bem com as saídas da área de conforto. Habituei-me a fazer isso, faço-o com muita facilidade e gosto. Isto fez muita diferença ao longo da minha carreira. Não gosto da monotonia. Gosto muito de desafios e, às vezes, até gostava de lidar melhor com a rotina porque também é importante. Portanto, sempre aproveitei as oportunidades de fazer alguma coisa diferente. Mas vejo que muitas mulheres retraem-se e não é por falta de competência. E quando aceitam é com muitas dúvidas – é uma decisão muito ponderada, que depois é levada de forma muito séria. Daí a qualidade das nossas gestoras e muitas performances excecionais.
As mulheres ainda têm de ser muito melhores do que os homens para conseguirem as mesmas oportunidades.
As mulheres precisam de mais confiança e depois trabalham mais para estar a altura das expectativas.
Ainda é assim. Apesar de pessoalmente nunca ter sentido essa limitação, continuo a achar que as mulheres ainda têm de ser muito melhores do que os homens para conseguirem as mesmas oportunidades. Há homens que são nomeados para algumas posições que se fossem mulheres nunca o seriam.
O PROJETO ADIADO
A carreira internacional foi algo que sempre desejou mas que foi ficando pelo caminho, até ver. Quando entrou na consultoria queria mundo, e ainda sonhou com a Austrália e com a Inglaterra. Mas se nos primeiros seis anos se empenhou em provar do que era capaz, quando passou a manager e teve oportunidade de criar uma área de raiz, de gerir a sua equipa e uma carteira de clientes, não arriscou deixar o processo a meio. Hoje reconhece que esse facto e o não querer “tirar as filhas ao convívio dos avós” acabaram por a fazer adiar o sonho da carreira internacional. “Tomei decisões difíceis mas não me arrependo de nada que fiz, talvez me arrependa dessa que não fiz”, admite, “mas não me arrependo de não ter tirado as minhas filhas aos avós”, realça.
Querer sempre fazer melhor
Quais considera serem as qualidades e as competências essenciais para construir uma carreira sólida como a sua?
É preciso paixão por aquilo que se faz porque a partir de uma determinada altura é difícil acomodar a exigência, o stress, e tudo aquilo que é preciso para colocarmos em equilíbrio todas as áreas da nossa vida. Há que ter um alinhamento grande entre o estilo de vida de que gostamos e o estilo de vida que a profissão nos permite. E não estou a falar de férias, mas de podermos trabalhar de acordo com a nossa personalidade. Uma pessoa tímida e introvertida provavelmente terá dificuldade em trabalhar em equipa constantemente ou numa função comercial. Noto que há pessoas inteligentes que não conseguem progredir porque a taxa de esforço, por exemplo, ao nível do relacionamento interpessoal é brutal.
E tem que se saber a que é que se ambiciona. Acho que uma das coisas que me permitiu progredir com relativa rapidez foi saber desde cedo qual era a minha ambição em termos de vida, o que me faz levantar de manhã e mexer.
O que me faz levantar de manhã é querer que as coisas fiquem sempre melhores do que estão.
E o que é que a faz levantar de manhã?
Descobri o que era depois de fazer uma formação da PwC que se chama My Way. Foi o melhor “retiro” que fiz na vida. Para mim foi um tesouro!
O que me faz levantar de manhã tem a ver com um conceito que absorvi provavelmente pela educação católica que tive, que é o de querer que as coisas fiquem sempre melhores do que estão (isto por comparação com o conceito de ascese). Costumo dizer que é o conceito Kaisen, a melhoria contínua. É isso que me faz mexer em qualquer situação da vida.
Quando cheguei a essa conclusão comecei a ver algumas situações da minha vida de uma forma mais clara. Sou muito assertiva e às vezes tinha determinadas reações, que até me foram criando alguns obstáculos, e não percebia porquê. Perguntava-me por que é que às vezes não me conseguia controlar e tinha uma reação muito forte? Percebi que isso acontece quando sinto que as coisas deviam estar a evoluir e não estão – porque alguém ou algum contexto impediam que assim fosse. Esta é uma das coisas que mais me perturba.
A verdade é que conhecendo esta minha caraterística comecei a gerir essas situações de forma diferente. Acho que sobretudo para quem tem funções de liderança perceber o que o faz atuar de determinada forma é fundamental.
Trabalhar a um ritmo intenso
Formou-se em Direito e começou logo na consultoria?
Formei-me em Direito, fiz Gestão logo a seguir e comecei a trabalhar num banco de investimentos. A consultoria veio de seguida.
A PwC sempre me permitiu ser como sou, nunca me senti a ser formatada, a ter de ser diferente para conseguir ser bem-sucedida.
Não gostou de Direito?
Sempre estive em dúvida entre a Gestão e o Direito. Decidi-me por Direito e gostei muito do curso, apesar de achar que tem menos a ver comigo do que a Gestão. Na altura intuí que a advocacia ou a magistratura não era o meu caminho. A paixão não ia estar lá e por isso a taxa de esforço iria ser exponencial.
Descobriu a paixão na consultoria?
Entrei na Coopers & Lybrand [que mais tarde se fundiu com a Price Waterhouse dando origem à PwC] para a área da Fiscalidade, mas não foi a parte técnica que na altura me atraiu. A grande aliciante foi o ambiente internacional e o ritmo intenso da consultoria. Os primeiros anos de trabalho moldam-nos muito enquanto profissionais e eu sabia que na consultoria iam exigir muito de mim e que eu teria de dar o meu melhor. Nessa altura com a intenção de, no curto prazo, ir fazer outra coisa.
Mas acabou por não procurar outra coisa…
Não, porque esta organização conquistou-me. A PwC sempre me permitiu ser como sou, nunca me senti a ser formatada, a ter de ser diferente para conseguir ser bem-sucedida. Ensinou-me muito, levou-me sempre a dar o meu máximo, a evoluir constantemente, sem que eu tivesse que mudar a minha natureza. Isso para mim foi, e é, muito valioso, não sendo eu uma pessoa com o estilo tradicional dos consultores das Big Four. Não esquecer que já comecei quase há 20 anos!
É uma mais-valia para a empresa não ter todas as pessoas formatadas.
Claro que sim. É provavelmente verdade que as culturas das organizações tendencialmente são mais fortes se tiverem um grande grau de formatação. É muito mais difícil gerir uma cultura com diversidade. Mas aqui existe isso e é valioso.
Nunca parar de aprender
Quais foram os momentos mais marcantes na sua carreira?
O primeiro momento marcante da minha carreira foi quando passei a manager, e pude gerir uma equipa e uma carteira de clientes. Pela primeira vez, senti-me totalmente realizada e em pleno em termos de energia. Sobretudo, porque nesta fase também tive a oportunidade de criar a minha área de negócio de raiz, a de fusões e aquisições. Tinha 30 anos e a minha filha mais velha tinha acabado de nascer. Foi o grande momento, aquele em que eu disse “Adoro isto!”.
A passagem a sócia também foi muito importante. Festeja-se muito no início, mas nem imaginamos como é que nos vamos sentir nos meses a seguir. É algo que tem um certo peso.
A nomeação para a Comissão Executiva foi inesperada. Como sempre fui um pouco l’enfant terrible, achava que não ia acontecer.
O que é que implica?
O interessante é que não implica nada de objetivamente diferente. Sentimos os outros a olhar para nós de forma diferente e temos o receio de não estar a cumprir. Há um período de adaptação em que a sensação não é propriamente muito boa. E isto acontece independentemente do género.
Finalmente, esta nomeação para a Comissão Executiva, que aconteceu em julho de 2015, também foi um marco. Foi inesperada. Como sempre fui um pouco l’enfant terrible, achava que isso não ia acontecer. Mas foi importante porque aconteceu num momento em que eu precisava de algo novo, de continuar a aprender. Esta função veio tirar-me novamente da minha área de conforto. Passei a ter, por exemplo, sob a minha responsabilidade a área de Human Capital, que é muito exigente e que me obriga constantemente a ouvir, a estudar, a refletir, a encontrar soluções, alternativas.
Mas isso é sair da zona de conforto que é algo de que gosta e de que precisa…
Sem dúvida. Está a ser muito interessante porque não tenho o conhecimento total, tenho que aprender, tenho que pensar, tenho que fazer. E dá-me outra adrenalina.