De Lisboa à Vidigueira, passando por São Paulo

Com uma experiência profissional de dez anos nos setores farmacêutico e de new media entertainment, Ana Rocha regressou do Brasil para liderar o negócio vinícola da família, a Morais Rocha Wines, no Alentejo.

Ana Rocha e o pai José Morais Rocha, fundador da Morais Rocha Wines.

Licenciada em Administração e Gestão de Empresas pela Universidade Católica Portuguesa, Ana Rocha iniciou o seu percurso profissional em 2004 como assistente de Marketing na Angelini Farmacêutica. Um ano depois, desempenhou o mesmo cargo, mas desta vez na Wyeth Consumer Healthcare. Seguiu-se um ano na General Motors, como assistente de marketing na Opel Portugal. Em 2007 passa a channel manager, na área de new media entertainment, ao serviço da TIM w.e. em 2008, regressou à Angelini Farmacêutica como gestora de produto. E dai regressou à TIM w.e. em 2012, mudando-se para o Brasil, ao memso temoo que fez um MBA em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo. Com uma década de carreira, em 2014 regressou a Portugal para liderar a Morais Rocha Wines, um projeto vinícola criado pelo seu pai na Vidigueira, no Alentejo.

Porque decidiu ir para o Brasil ?

A minha ida para São Paulo dá-se em 2012, sete anos após ter concluído a minha licenciatura em Administração e Gestão de Empresas, na Universidade Católica Portuguesa, e depois de ter a oportunidade de adquirir a experiência que achei relevante e necessária na área que desde sempre tive a certeza que seria a minha, o marketing. A decisão de ir surgiu naturalmente ao longo do curso, não me lembro do dia em que tive essa ideia, mas sei que sempre tive essa vontade. Como eu sou, era óbvio que teria de ir. Porquê o Brasil? Sempre considerei um país bastante forte a nível de publicidade, de comunicação e, por sua vez, também de marketing.

Uma carreira internacional estava nos seus planos e este era o primeiro passo?

Nunca pensei muito onde iria fazer carreira. Uma coisa era ir tirar uma especialização na área que eu tinha definido ser a minha, num país que considero forte nessa área, outra seria fazer carreira, o que por mim era tanto viável em Portugal como noutro país, desde que me sentisse desafiada. Aliás, depois de terminar a licenciatura ainda fiz questão de adquirir experiência na área em Portugal, onde as oportunidades foram surgindo e onde tive o privilégio de conhecer três áreas de negócio bastante distintas – farmacêutica, automóvel e new media entertainment.

Quais os principais desafios que enfrentou no Brasil e como lidou com eles?

Os principais desafios foram, sem dúvida, ir para um país do outro lado do oceano, sem conhecer ninguém, nem a própria cidade (no dia em que aterrei pela primeira vez em São Paulo foi para ficar), e a mentalidade e forma de estar das pessoas. Se antes achava que por ser um país com uma história tão ligada a Portugal, onde a língua é a mesma, tudo seria muito similar, a realidade foi completamente diferente. Temos de ajustar a maneira de falar, pois erradamente achamos que eles nos entendem da mesma forma que nós os entendemos — não nos podemos esquecer que desde crianças que vemos novelas brasileiras, e ouvimos português do Brasil a vida toda, mas que do outro lado o mesmo não acontece. Já para não referir que nós falamos muito rápido e “para dentro”!

Que mais-valias lhe trouxe o MBA que fez na Fundação Getúlio Vargas?

Como tudo na vida, as coisas vão sofrendo alterações e evoluem de forma natural… como é o caso no marketing. A ideia passava por consolidar toda a experiência que fui adquirindo ao logo dos anos, bem como conhecer novas realidades e perspetivas diferentes de ver a mesma coisa. No final, acho que me permitiu uma maior abertura de mente e flexibilidade para desempenhar o meu papel de uma forma mais assertiva.

Foi durante os dois anos que estive fora que comecei a olhar para a empresa, criada pelo meu pai, de forma diferente. Acho que foi a distância e o não poder estar presente a qualquer altura que me fez olhar para a família de uma forma diferente e dar mais valor ao que se tem, nomeadamente a esta empresa que refletia desde início a ligação às raízes … à família!

Em que condições decidiu ingressar na empresa da família? 

O regresso iria sempre acontecer, independentemente de ingressar na empresa, e após a conclusão da especialização. Dificilmente ficaria a viver em São Paulo, não por não ter gostado, pois adorei a experiência que superou de longe todas as expectativas que tinha, quer a nível académico, profissional e pessoal, mas porque sabia que a minha vida seria em Portugal. E foi durante os dois anos que estive fora que comecei a olhar para a empresa, criada pelo meu pai, de forma diferente. Acho que foi a distância e o não poder estar presente a qualquer altura que me fez olhar para a família de uma forma diferente e dar mais valor ao que se tem, nomeadamente a esta empresa que refletia desde início a ligação às raízes … à família!

Sentiu alguma dificuldade quando regressou?

Dificuldades zero! Foi o voltar para casa e quando estamos em casa está tudo bem!

Tem experiência no setor farmacêutico e de media, e foi trabalhar com vinhos. Como decorreu essa adaptação? 

Sim, sem dúvida que tenho uma excelente experiência em dois sectores bastante distintos. Enquanto o primeiro é bastante regulamentado e exige de nós bastante criatividade sempre com “balizas” muito rígidas, o negócio de new media (e falando na altura em que trabalhei) era muito recente na altura e com pouca regulamentação, o que permitira muita margem de manobra, mas também uma capacidade de adaptação muito rápida com o evoluir no negócio e o aparecimento da regulamentação. Resumindo, posso dizer que estive em dois extremos e que ambos foram desafiantes e gratificantes a nível de evolução.

Quanto aos vinhos, na altura em que ingressei na empresa confesso que achei que seria mais simples do que se veio a revelar, mas acho que isso se devia muito ao facto de ser um mercado não só bastante “fechado”, como também muito tradicional e masculino. Se repararmos, só agora nos últimos anos é que começamos a ver mais mulheres a liderar as empresas de família e a arriscarem numa estratégia de marcas diferente. Para mim é óptimo saber que o mercado está a reinventar-se e que começa a haver mais margem para novas ideias, e que o consumidor também começa a ficar mais receptivo ao diferente.

 

Ana Rocha e o pai, José Morais Rocha, que fundou o negócio familiar em 2004.

O que é a Morais Rocha Wines?

A Morais Rocha Wines nasceu em 2004 fruto da vontade, de longa data, de José Morais Rocha produzir vinhos de excelência que traduzissem todo o carácter singular da sua terra natal, a Vidigueira. A primeira vindima aconteceu em 2006, com a produção de 15 mil garrafas, com destino à venda e oferta no círculo de amizade e contactos profissionais do meu pai. Os anos passaram, a propriedade foi crescendo, as plantações também e, claro, isso refletiu-se na produção, que ganha agora proporções mais sérias. Atualmente a empresa tem 62 hectares de olival (parte vendida a granel e parte comercializada sob a marca Herdade dos Veros) e 19 hectares de vinha, com novos 20 hectares desta a caminho, a plantar em breve, aumentando a produção de 200 para 300 mil garrafas anuais nos próximos anos. As castas tintas plantadas pela Morais Rocha são Aragonez, Trincadeira, Syrah, Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon e Touriga Nacional, e as brancas Antão Vaz, Arinto e Verdelho.

Com uma pequena equipa de sete pessoas, e a consultoria do enólogo Luís Leão – que sucedeu a Diogo Lopes que acompanhou o projeto durante vários anos – a Morais Rocha Wines é sinónimo de paixão pelo Alentejo, pelas origens da família e produtos que a terra dá, e que com muito trabalho e dedicação resultam em vinhos e azeites de excelência, que em muito honram as gentes da terra. E do Alentejo para o mundo, a Morais Rocha Wines tem já presença em vários países, da Ásia (China) à América do Norte (Canadá), passando pela América do Sul (Brasil) e por terras de África (Angola e São Tomé e Príncipe), as exportações representam cerca de 60% da produção. A Morais Rocha Wines, mais que uma empresa produtora de vinhos, é uma família com tradição, presente e futuro!

Que mudanças principais introduziu na empresa?

A minha entrada teve não só o objetivo de dar continuidade à empresa criada pelo meu pai, como também trazer à Morais Rocha Wines um pouco de modernidade, frescura, juventude e.…alguma irreverência. Um dos desafios logo de início era criar uma marca diferente e irreverente, o que aconteceu com o lançamento em 2016 da marca Sei lá! – um vinho que se identifica com a experiência sensorial única de cada um, e que se descreve como “Nunca vai saber…se não provar!”. Este lançamento marcou, sem dúvida, um novo recomeço para a empresa e posso afirmar que é uma marca que tem conquistado os consumidores e aberto porta às pessoas que querem conhecerem melhor a nossa família.

Para além de novas marcas e referências de vinhos e azeites, com a aposta no restyling das mesmas e o foco na comunicação, acredito que o nosso caminho será próspero e sólido, e que apesar de ainda termos um caminho longo para percorrer, isso não é uma barreira, mas sim uma oportunidade para ir ajustando e melhorando a nossa estratégia face ao mercado. Aliás, para tudo é necessário tempo … até mesmo para trazer o que de melhor nos dá o vinho.

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