Há quase 17 anos, lançou a Redaymaid, porque precisava de mais flexibilidade de horários e percebeu a importância do apoio das empregadas domésticas na sua vida pessoal e profissional. Sempre sonhou ser empresária e o seu espírito empreendedor e faro para os negócios foi novamente desafiado quando sempre que viajava para grandes cidades, procurava por artigos em segunda mão e descobriu que havia lojas seletivas de roupa e acessórios. Há 13 anos, numa viagem a Amesterdão, Laura Vieira comprou uma carteira em segunda mão, que viria a inspirar a abertura da loja Refuse, que nasce com uma preocupação ambiental. “A Refuse não aceita o fast fashion“, explica. “Queremos promover uma economia circular: vendo um vestido que usei, gostei e ficou visto, mas que ainda pode ter uma segunda ou uma terceira vida, por outro lado, compro alguma coisa que já foi vivida por outra pessoa em vez de estar a comprar uma coisa nova, por isso é que se chama Refuse – Refuse Single Use.”
Qual foi o seu percurso académico e profissional até chegar à Refuse?
Licenciei-me em Direito, fiz o estágio de advocacia, mais tarde tirei duas especializações, primeiro em Fiscalidade e depois em Direito do Trabalho. Assim que me licenciei, comecei logo a trabalhar na advocacia. Paralelamente, com 27 anos abri uma empresa com uma amiga, que acabei por vender dois anos depois para concorrer ao departamento jurídico de uma empresa maior. Na altura, optei por ficar no departamento jurídico da SonaeCom onde estive durante nove anos, até 2006, embora tivesse tido uma proposta bastante melhor para o departamento jurídico da ASF (antes ISP).
O que a fez ficar na Sonae?
Achei que trabalhar na parte jurídica da SonaeCom me iria abrir novos horizontes por ter de tratar com as chamadas novas tecnologias, contratos técnicos com operadoras, e-commerce, áreas do direito que ainda eram uma novidade para todos, muitas vezes se regulava apenas por legislação europeia, ainda com pouca jurisprudência… Veio a ser um desafio muito interessante.
E era a idade certa para estar a aprender ao máximo e não para me instalar (aliás nunca nos devemos instalar). A Sonae foi uma grande escola, ali aprendi imenso, sobretudo a ter de encontrar solução para tudo.
O que se seguiu?
Trabalhei depois como avençada de uma empresa que se ia implantar em Portugal, num trabalho muito polivalente que incluía não só o apoio jurídico, como também negociação de espaços para arrendamento e, sobretudo, recursos humanos para formar uma equipa. É nessa altura que fico inibida de trabalhar com uma gravidez de altíssimo risco. De um dia para o outro sou internada, impossibilitada de trabalhar por oito meses, mãe de prematuros, vivia entre consultas e apoio aos bebés, e assim que estes tiveram alta de um controlo mais intenso, decidi criar a minha própria empresa.
Nunca se deve ser empresário sem antes se ter trabalhado noutras empresas, preferencialmente grandes empresas. Estas são a grande escola de um empresário, são o seu tubo de ensaio para aprender tudo das diferentes perspetivas, até para perceber o que nunca quer repetir.
Que formação e competências considera fundamentais para se ser empresário? E quais os traços de personalidade necessários?
Saiu recentemente uma estatística que indica que em Portugal os empresários têm muito pouca formação académica face aos empresários dos restantes países da Europa, o que não é nada bom indicador, porque a formação académica é importantíssima, quer para a tomada de decisões, para ter maior abertura a encontrar as melhores soluções, para lidar com os recursos humanos da empresa, para que se possa ter um alcance mais aprofundado das questões que vão surgindo. Até pelo exemplo que o empresário deve ser para as suas equipas, isto quer para um empresário que começa de novo como eu, quer para um empresário que vai integrar ou herdar uma empresa familiar. E esta formação a que me refiro deve ser sempre contínua, visto que as coisas estão sempre a sofrer atualizações e inovações. Mal do empresário que não acompanha as tendências, não muda a rota, não inova ou não reflete naquilo que são as tendências e por consequência as necessidades das novas gerações. É preciso estar sempre a par.
Também me parece que nunca se deve ser empresário sem antes se ter trabalhado noutras empresas, preferencialmente grandes empresas, estas são a grande escola de um empresário, são o seu tubo de ensaio para aprender tudo das diferentes perspetivas, até para perceber o que nunca quer repetir.
Por outro lado, para ser empresário é preciso ter alguma capacidade de liderança sem autoritarismos, saber ter a necessária cumplicidade com as equipas, saber ouvir, elogiar e implementar as sugestões mais válidas sem complexos, zelar por um bom ambiente de trabalho, premiar o bom desempenho é muito motivante.
Alguma vez imaginou que seria empresária?
Sempre sonhei ser empresária, sim. Sempre tive um espirito empreendedor, acho que nessa parte sou parecida com o meu pai, sou elétrica, sempre a pensar no próximo passo, na solução melhor para cada problema. A princípio achava que ia ser na vertente da advocacia, com um escritório de advogados, dando seguimento ao meu pai, que foi um reputado advogado. Contudo, na época começaram a desenvolver-se as grandes sociedades de advogados, aglutinando passo a passo os escritórios de advocacia. São poucos os meus colegas que conseguiram sobreviver sem se envolverem nestas grandes sociedades de advocacia.
Como surgiu a ideia?
A ideia da primeira empresa que criei, há quase 17 anos, a Redaymaid, surgiu na fase de recobro do nascimento dos meus gémeos, em junho de 2007 (os meus segundo e terceiro filhos), porque precisava de mais flexibilidade de horários e, sobretudo, percebi a importância do apoio das empregadas domésticas na minha vida familiar, pessoal e profissional. Sempre adorei trabalhar, tenho demasiada energia, e sem uma empregada não conseguiria realizar os meus sonhos e os meus projetos.
As empregadas domésticas foram e são imensamente importantes na minha vida, pelo apoio à casa, aos miúdos, a mim, pelos laços de afeto que se criam com a família. Tenho por elas uma enorme estima e gratidão. Aliás, antes desta atividade, eu já arranjava empregadas para toda a gente.
Mais recentemente nasceu a Refuse.
Sim, a Refuse nasceu há um ano, sendo um “filho” há muito desejado. Esta ideia nasceu há uns 13 anos numa viagem a Amsterdão, onde comecei a comprar carteiras em segunda mão. Sempre que viajava para grandes cidades (Paris, Londres, NY) procurava ver o que havia em segunda mão, comecei pelas carteiras, até que fui descobrindo em certas lojas mais seletivas roupas e acessórios giríssimos, peças únicas e de imensa qualidade. Assim, esta ideia nasce realmente da combinação de querer ter um espaço especial que proporcionasse uma experiência, numa localização cosmopolita, que fosse um ponto de encontro, quer de portugueses, quer de estrangeiros de todo o mundo (daí a escolha do Chiado), com uma forte preocupação ambiental que tenho há anos.
O luxo e as marcas de muita qualidade (“The new luxury”) vêm sendo reinventadas para acompanhar as necessidades e interesses das novas gerações que se preocupam com a sustentabilidade, execução das peças num bom ambiente no trabalho, menos ostentação, muita originalidade, peças únicas, etc… estas marcas nem podem correr o risco de estar associadas a um desastre ecológico, ou ao trabalho infantil… as redes sociais depressa determinariam o seu fim.
Trata-se de um conceito novo de luxo, luxo em segunda mão, não é verdade?
Com a euforia do excesso de consumo, compramos desvairadamente sem reciclar, já não mandamos arranjar os vestidos ou os sapatos, ou a televisão que avariou: deitamos fora ou inutilizamos e compramos outra e outra coisa nova. O planeta não tem capacidade para absorver todas estas toneladas de lixo. A indústria têxtil é uma das principais poluentes a nível mundial, o fast fashion descarrega uma loucura de toneladas de excedentes, deixando uma pegada irreversível.
Há que fazer as nossas escolhas apenas em marcas que olham verdadeiramente para a sustentabilidade, marcas que prezem pela qualidade, logo mais resistentes, criativas e intemporais! Já para não falar nos países escolhidos como principais fabricantes do fast fashion, onde não se cumprem as regras há muito definidas e salvaguardadas pela OMT (Organização Mundial do Trabalho), onde ainda se permite o trabalho infantil, não se cumprem o máximo das 40 horas semanais ou tantos outros direitos fundamentais dos trabalhadores, permitindo ainda sem reservas a utilização de químicos muito nocivos despejados nos seus rios, lagos e mares…Tudo isto para que se possa chegar a preços extraordinariamente competitivos!
O luxo e as marcas de muita qualidade (“The new luxury”) vêm sendo reinventadas para acompanhar as necessidades e interesses das novas gerações que se preocupam com a sustentabilidade, execução das peças num bom ambiente no trabalho, menos ostentação, muita originalidade, peças únicas, etc. Estas marcas nem podem correr o risco de estar associadas a um desastre ecológico, ou ao trabalho infantil, pois as redes sociais depressa determinariam o seu fim.
É por este motivo que a Refuse não aceita o fast fashion. Queremos promover uma economia circular: vendo um vestido que usei, gostei e ficou visto mas que ainda pode ter uma segunda ou uma terceira vida, por outro lado, compro alguma coisa que já foi vivida por outra pessoa em vez de estar a comprar uma coisa nova, por isso é que se chama Refuse – Refuse Single Use.
Tento ser coerente sem fundamentalismos (não gosto de fundamentalismos em nada, nem na alimentação, hábitos, religião ou política). O meu carro é 100% elétrico, evito ao máximo o plástico, poliéster, uso sempre garrafas recicláveis, caixas de vidro, compro muitas roupas em segunda mão, ponho à venda o que já não uso, ponho a família às escuras, evito a carne vermelha, ponho os miúdos fora da banheira… Mas não deixo de andar de avião e adoro viajar.
Como montou o negócio?
Qualquer dos meus negócios começou em tempo record. A Readymaid começou, tinham os meus filhos mais novos 6 meses, portanto estava sem trabalhar há 8 meses, numa viagem ao Brasil para descansar de muitas noites sem dormir. Tive tempo de parar para pensar e perceber que estava na hora certa de retomar a minha vida profissional, que sempre acreditei ser conciliável com a maternidade, pois realizo-me imenso também pelo trabalho que sempre vejo como um ato criativo. Num banho de sol matinal em dezembro de 2007 crio a empresa ao mais pequeno pormenor e em janeiro de 2008 já tenho os primeiros clientes. Foi-se formando, passo a passo, uma equipa cada vez maior.
Com a Refuse foi quase igual, a meio de maio cheguei ao escritório da Readymaid, na rua da Junqueira, a dizer que estava na altura de abrirmos uma outra empresa (no momento ninguém da equipa levou muito a sério). Dia 1 de julho estávamos abertos ao público, com a primeira loja no Chiado, loja decorada e mobilada. Começámos nesse dia com 20 consignantes (agora temos mais de uma centena). A união e empenho da equipa foram extraordinários! Nessa altura aumentámos a equipa e, desta vez, o meu marido também está envolvido no projeto, sobretudo na parte financeira.
Como conquistou os primeiros clientes?
Os primeiros consignantes e primeiros clientes (um negócio de segunda mão depende destas duas vertentes) vieram da Readymaid que acumula uma carteira de mais de 5000 clientes de um nível alto. Só foi possível realmente avançar tão depressa com a Refuse com a alavanca dos clientes da Readymaid que depositavam uma confiança muito grande.
Qual a parte mais desafiante da sua função?
A parte mais desafiante e ao mesmo tempo mais gratificante é, sem dúvida, manter um bom equilíbrio nos recursos humanos. É muito penoso quando se perde um recurso humano dos nossos, duríssimo.
O que mais gosta no seu trabalho?
O que mais gosto é da criatividade permanente a que obriga a vida de uma empresária nestas duas áreas, a adrenalina de ter de encontrar solução para as questões mais difíceis de resolver, a sensação de fazer a diferença.
O que é as pessoas não imaginam e é menos sexy?
O que é menos sexy é toda a parte burocrática, contabilidade, o abuso fiscal que tenta todos os meses afogar as PME, não valorizando a importância que têm para um país como o nosso. É um exercício de permanente resiliência. O Estado como o maior inimigo que se possa ter, lá vem com mais uma taxa, uma multa, uma proibição, um imposto. Não nos dão tréguas!
Como reuniu o investimento?
Tinha reservas que foram investidas e com muito trabalho a Refuse começa em outubro a dar lucro, não parando de aumentar desde então, superando completamente as nossas expectativas.
Que aprendizagens fez enquanto empresária e que erros não voltaria a cometer?
Muito tenho aprendido como empresária, uma grande aprendizagem lidar estes anos com pessoas, quer da equipa, quer com os clientes. Mas a maior aprendizagem de todas é ser resiliente, positiva, acreditar que para tudo há solução e não perder tempo com stresses e desesperos.
Quais os sonhos para o futuro?
Os sonhos, que até já são mais planos que sonhos, é de abrir a Refuse noutras localizações. A Readymaid abriu também no Porto no início do ano.
Qual o conselho que deixaria a alguém que ambiciona trabalhar nesta área?
O maior segredo de qualquer negócio: escolher pessoas da máxima confiança, depois fazer sempre um bom estudo de mercado antes de avançar e especializar-se num nicho que ainda não esteja explorado, alguma novidade é decisiva para o sucesso. E ter muita resiliência, um empresário passa por muitos e difíceis desafios, nunca perder a esperança e… trabalhar muito mesmo. O empresário de uma PME não é aquele que vai fechar a caixa ao fim do dia, tem de estar muito presente.
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