José António de Sousa é gestor aposentado depois de quatro décadas na liderança de multinacionais.
Foi um convite que me deixou muito orgulhoso, aquele que a Isabel Canha e a Maria Serina me endereçaram. Começar a escrever com regularidade nas “páginas” da Executiva, desde que obviamente o tema pudesse ter um mínimo de interesse para as leais leitoras deste meio de comunicação social, que tem uma target audience exigente, e com preparação intelectual acima da média.
Aceitei honrado, com uma única condição, a de não haver uma regularidade pre-definida para entrega dos meus artigos de opinião. Por uma única razão. Não gosto de falhar quando assumo um desafio, e a minha vida pessoal levaria certamente a que não pudesse honrar esse compromisso com regularidade. Para mim a “reforma” representou passar a ter uma agenda bem mais complexa, em termos de solicitações variadas (de outro tipo, é certo), do que a vida que tinha durante a minha carreira de executivo de topo no mundo corporativo.
Este é o segundo texto que submeto à apreciação da exigente redação da Executiva. O primeiro passou, e foi o gatilho que levou a que o convite me fosse feito. Por isso peço desculpa se uso este segundo artigo para me apresentar às leitoras (e aos leitores) da Executiva.
São 65 anos em poucas linhas, prometo. Creio que é importante fazê-lo, porque irão certamente estranhar de vez em quando ler coisas que não são habituais no mainstream daquilo que é produzido de forma geral na imprensa portuguesa.
As razões principais prendem-se com o meu percurso pré-laboral, fortemente marcado pela passagem no Colégio Alemão do Porto (desde o Kinder até ao final do secundário, ou seja anos suficientes para que aspetos relevantes da educação germânica ficassem gravados perenemente), com as minhas modestas origens sociais, filho do meio de um casal pequeno-burguês do Porto, em que ambos trabalhavam, e o meu percurso laboral, fortemente influenciado pelo conhecimento perfeito de idiomas (inglês, francês, alemão, espanhol), que me abriram as portas das três multinacionais (alemã, suíça, americana) nas quais trabalhei 40 anos, 25 no estrangeiro, e os últimos 15 em Portugal.
Chegado a um dos meus primeiros postos de trabalho no estrangeiro, em Espanha, depois no México (e posteriormente ainda no Brasil e na Venezuela), vi o exemplo da minha mãe reproduzido à quinta potência.
Como homem, o meu pai (falecido) marcou-me muito ao longo de toda a minha vida, mas a figura que em termos de carga genética mais me influenciou, no carácter, nos valores, na personalidade forte e indomável, na teimosia, na ética do trabalho árduo, na importância de viver o presente com intensidade, foi a minha mãe que, se Deus assim o permitir, e o Covid-19 também, está a 3 meses de fazer 97 anos. Uma heroína. Todas as manhãs levar os três “marmanjos” aos respetivos liceus (o pai fazia o principal trabalho, intelectual, até altas horas da madrugada — à mesa da sala de jantar, atenção — pelo que de manhã se levantava mais tarde), correr para o escritório, vir a casa almoçar algo rápido, que o dinheiro não chegava para refeições fora, e voltar à noite para fazer o jantar (quente) de família para quatro homens, dos quais três (os filhos) só muito mais tarde começaram a ajudar nas lides caseiras. Repito, uma heroína.
Chegado a um dos meus primeiros postos de trabalho no estrangeiro, em Espanha, depois no México (e posteriormente ainda no Brasil e na Venezuela), vi o exemplo da minha mãe reproduzido à quinta potência. Sistemas matriarcais puros e duros, sobretudo na América Latina, em que a responsabilidade agregadora, equilibradora, e até provedora de recursos das famílias, está claramente concentrada na mater família, tanto mais quanto mais baixo é o estrato social da família. No México, no Brasil e na Venezuela, os maridos das nossas empregadas domésticas estavam basicamente bêbados em permanência, depois de retirar à pancada o dinheiro que a mulher tinha levado para casa, ou então encafuados na prisão. Ou desapareciam depois de deixar um rancho de filharada em casa para a mãe criar.
Custou muito erradicar velhos vícios da organização que os meus acionistas adquiriram em Portugal, e que sob uma gestão tradicional criava as distorções que vemos acontecer uma e outra vez nas empresas portuguesas (e mesmo nalgumas multinacionais de prestígio que conheço), onde as posições de maior responsabilidade (e as mais interessantes em termos de desafio, e financeiramente também) são atribuídas por critérios turvos, em que predominam old boy networks
O processo formativo no percurso escolar, solidamente cimentado por uma carreira profissional em três grandes multinacionais, empresas nas quais os sistemas de gestão de talento não se compadecem com compadrios, favorecimentos e quejandos, mas em que as oportunidades de carreira são dadas a quem as merece, independentemente de sexo, cor, raça, religião ou qualquer fator descriminador que não seja o mérito, as competências puras e duras, e a adequação do perfil do candidato ao lugar em disputa, levaram a que no regresso a Portugal em 2003, a empresa que vim dirigir rapidamente se destacasse no mercado português das grandes empresas por duas grandes características. Em poucos anos a empresa alcandorou-se (e lá ficou por anos consecutivos) ao lugar de melhor empresa para trabalhar em Portugal (categoria setorial e geral !), mas também por ser a empresa com maior número de mulheres no Board executivo, que me reportava a mim, como Presidente & CEO.
Custou muito erradicar velhos vícios da organização que os meus acionistas adquiriram em Portugal, e que sob uma gestão tradicional criava as distorções que vemos acontecer uma e outra vez nas empresas portuguesas (e mesmo nalgumas multinacionais de prestígio que conheço), onde as posições de maior responsabilidade (e as mais interessantes em termos de desafio, e financeiramente também) são atribuídas por critérios turvos, em que predominam old boy networks e outros networks ainda mais escabrosos e turvos, onde as mulheres não entram, pelo que não beneficiam dessas teias de relacionamento para favorecer as suas carreiras.
As mulheres são perfeitamente capazes de ser competitivas e agressivas no mundo do trabalho, mas há muitas que se focam nas outras mulheres, pois acham que são as pares as que lhes podem tirar as oportunidades de carreira. Foco errado. No mundo corporativo as mulheres têm que assumir claramente que são os homens, muitas vezes pior preparados e menos capazes de liderar, que estão a ocupar os postos de gestão e liderança aos que deveriam ambicionar.
Nesta minha incursão pelas “páginas” da Executiva gostaria de contribuir para a mudança de hábitos e vícios ancestrais. Até 2003, quando regressei a Portugal com 48 anos, nunca tinha trabalhado no nosso país. Aquilo que 15 anos de Portugal me mostraram é que as mulheres hoje estão muito mais capacitadas para assumir cargos de gestão e liderança, do que muitos incumbentes masculinos que lá estão a ocupar esses lugares (pelas razão que vimos antes).
As mulheres são perfeitamente capazes de ser competitivas e agressivas no mundo do trabalho, mas há muitas que se focam nas outras mulheres, pois acham que são as pares as que lhes podem tirar as oportunidades de carreira. Foco errado. No mundo corporativo as mulheres têm que assumir claramente que são os homens, muitas vezes pior preparados e menos capazes de liderar, que estão a ocupar os postos de gestão e liderança aos que deveriam ambicionar. E lutar abertamente por eles. Nestes 15 anos em Portugal vi muitos avanços neste árduo e penoso caminho, mas acredito que o passo se pode acelerar, porque o conceito de competências e mérito se está a instalar nas empresas a uma velocidade maior.
Divulgo aqui o meu e-mail ([email protected]), porque gostava que me desafiassem, contradissessem (incentivassem ?). E se houver algum tema em que surjam perguntas, tenham dúvidas, ou gostassem de ouvir uma opinião de um sparring partner que já passou pelo mundo corporativo, e não tem já ambições pessoais nesse mundo, contem comigo e escrevam-me. Com a minha idade tudo aquilo que faço é pro-bono, por satisfação pessoal, e porque a forma como hoje encontro felicidade e equilíbrio pessoal é a ajudar outros seres humanos. Shoot!
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