Desde 2006 que Joel Cleto assegura semanalmente programas dedicados à História e ao Património no Porto Canal. Licenciado em História e mestre em Arqueologia, tem-se preocupado com a divulgação destes temas junto do grande público através de programas de televisão, conferências, livros e artigos na imprensa. Já dirigiu museus, escavações arqueológicas e criou arquivos históricos. O apresentador de um dos programas com maior longevidade na televisão portuguesa revela quem foi a mulher que influenciou o seu percurso profissional.
“Pedem-me para evocar mulheres da minha vida, para lá das incontornáveis – aquelas a quem me ligam os afetivos laços familiares. E ocorre-me de imediato a Dona Cármen. A minha professora do ensino primário. Paciente, competente. Doce, quase sempre. Assertiva, quando assim tinha que ser. O que eu aprendi com aquela mulher! E não era nada fácil a sua missão. Naqueles anos da primeira metade da década de ’70, antes da Revolução dos Cravos que abriu tantas liberdades, também religiosas, a minha família pertencia a uma confissão minoritária. E, apesar do ensino público ser oficialmente transversal, a verdade é que as escolas estavam de um modo tradicional marcadas pela presença de crucifixos nas paredes, rezas católicas antes das aulas, incentivo e apoio à realização da comunhão por parte dos alunos. Mesmo nas grandes cidades. Mesmo na escola junto à minha casa, em pleno Porto. E por isso os meus pais me matricularam numa escola particular que, apesar de pertencer a uma instituição religiosa, não impunha qualquer orientação: a Escola Primária da Igreja Metodista do Monte Pedral. E foi assim que conheci a Dona Cármen. Com ela aprendi a ler, a escrever, a fazer contas, a gostar das ciências e, até, a fazer crochet (embora já me tenha esquecido). Devia ter sido uma mulher muito bonita. Cara redonda, loira, olhos claros. Quando foi minha professora já podia estar reformada mas, para minha sorte, a sua paixão pelo ensino e pelas crianças fizeram-na prolongar mais alguns anos a sua atividade. E não era fácil, com efeito, a sua missão. Aquela era uma escola muito especial. Na mesma sala misturavam-se inusitadamente rapazes e raparigas (até ao “25 de Abril” o ensino público não era misto) e os alunos da 1ª, 2ª 3ª e 4ª classe. Mas, pacientemente, Cármen tinha tempo e sabedoria para todos.
Vi-a, por uma última vez, muito velhinha, à janela de sua casa. Eu era ainda um adolescente e ela estava convencida que, seguindo o exemplo do meu pai, o meu destino seriam os números e a matemática. Por uma vez enganou-se. Mas a culpa fora dela: aquela mulher marcara-me a vida, também na sua/minha paixão pela História.