Girl Move: jovens líderes estão a mudar Moçambique

Em Moçambique há um projeto que forma jovens mulheres para a liderança, enquanto aposta na prevenção do abandono escolar e da maternidade infantil. Chama-se Girl Move e foi fundado pela gestora portuguesa Alexandra Machado.

Alexandra Machado, fundadora da Girl Move, com algumas das jovens do projeto Mwarusi.

O que faz uma executiva com um invejável currículo de 27 anos, feito em algumas das maiores empresas do país, abandonar o mundo empresarial para se dedicar à gigantesca missão de mudar as condições de vida de milhares de raparigas em Moçambique?

Formada em Gestão pela Universidade Católica, Alexandra Machado foi gestora de produto no setor automóvel (grupo Entreposto), diretora de marketing e comercial do Feira Nova e mais tarde do Pingo Doce; passou pelo setor das telecomunicações, na Oniway, e esteve à frente da Nike em Portugal, durante 9 anos, como diretora geral. Há alguns anos, o apelo do empreendedorismo social e a necessidade de mudar de rumo começaram a falar mais forte. “Já há algum tempo que tinha o sonho de colocar as competências de liderança, gestão, definição de estratégias e execução de projetos que fui adquirindo ao longo dos anos ao serviço de algo que causasse o máximo de impacto social possível e que me fizesse crescer.”

Uma inquietude que ganhou dimensão ao longo dos anos, alimentada pelo seu envolvimento em projetos de âmbito social como a Girl Effect, fundação da Nike na área de advocacy que chama a atenção para a importância da educação das raparigas em todo o mundo. “Há metodologias de intervenção muito inovadoras nesta área, mas não estavam a ser implementados na maioria dos países lusófonos.”

Pôr fim ao ciclo de pobreza feminina

A Fundação Girl Move foi criada em julho de 2012, juntamente com o empresário Luís Amaral, com o objetivo de satisfazer a inquietude de Alexandra Machado. “A nossa ideia inicial foi a criação de um projeto na área da liderança feminina e da educação, de forma a combater a pobreza e incidindo nos países lusófonos. Moçambique é um dos países com maiores taxas de maternidade infantil e de abandono escolar em raparigas. Aos 40 anos, a probabilidade de uma mulher ser mãe solteira é de cerca de 60%. Isto é o que consideramos ser o ciclo da pobreza planeada, no qual há uma estrutura familiar com uma mãe e avó responsáveis por 6 ou 7 crianças, mas que abandonaram os estudos e o trabalho formal. Vão desenvolvendo agricultura de subsistência na sua machamba, mas com muito poucas condições de vida. Têm que fazer escolhas e acabam por perpetuar nos filhos a escolha que um dia a sua mãe também fez: o rapaz vai à escola e a rapariga casa, porque é menos uma boca para alimentar.”

“Se queremos acelerar as respostas para estes problemas, temos que chegar às lideranças, e sentimos que elas são tipicamente indiferentes e impotentes em relação à forma de resolver estas situações”, diz Alexandra Machado, diretora executiva da Girl Move Foundation.

A fundação começou por investigar as melhores metodologias a implementar no terreno, até chegar à solução integrada com que hoje trabalha. Num primeiro nível de ação, foi criado o projeto Mwarusi (“adolescente” na língua macua), destinado a raparigas entre os 12 e os 15 anos, que vivem em situações de elevada vulnerabilidade, com a prevenção da maternidade infanto-juvenil e do abandono escolar como grandes metas.

As raparigas reúnem-se 2 ou 3 vezes por semana, após a escola, para debaterem e saberem mais sobre estes temas, ao mesmo tempo que são acompanhadas por mentoras, jovens mais velhas que ultrapassaram as mesmas barreiras, mas que já completaram a sua formação universitária. “Esta relação de mentoria é importantíssima. Todos os anos trabalhamos com mais de 1300 jovens em Nampula e na província da Beira, mas o problema atinge milhões de raparigas em Moçambique. Por isso criámos o Movimento M e partilhamos estas metodologias com outras organizações para que elas se espalhem na sociedade moçambicana. Se queremos acelerar as respostas para estes problemas, temos que chegar às lideranças, e sentimos que elas são tipicamente indiferentes e impotentes em relação à resolução destas situações.”

Formar a nova geração de líderes

Desta necessidade de formar novos líderes capazes de transformar Moçambique nasceu a Academia de Liderança e Empreendedorismo Social. “Começámos a trabalhar com raparigas recém-licenciadas – todos os anos são cerca de 6 mil, um número ainda muito baixo e desproporcional em relação aos rapazes. Todos os anos selecionamos 30 jovens que demonstram maior potencial de liderança e vontade de serem agentes de transformação na sociedade e trabalhamos com elas durante um ano na Academia de Liderança, em Nampula.”

“As girl movers são raparigas com um pensamento crítico da sociedade, que defendem causas. Sentimos nelas uma diferença entre o antes e o depois da formação na academia: antes têm muito o perfil de uma ativista, ainda de forma desordenada; no pós-academia já estão muito mais focadas em encontrar soluções.”

Estas jovens dão também grandes exemplos de vida, pelas enormes dificuldades sociais e financeiras que tiveram que ultrapassar para se formarem. “Muitas trabalharam e estudaram ao mesmo tempo, e só conseguiram formar-se à custa da sua capacidade de luta. E nós aprendemos tanto com elas!… São muito inspiradoras.” Em comum, todas têm uma grande vontade de mudar o cenário no seu país. “As girl movers são raparigas com um pensamento crítico da sociedade, que defendem causas. Sentimos nelas uma diferença entre o antes e o depois da formação na academia: antes têm muito o perfil de uma ativista, mas ainda de forma desordenada; no pós-academia já estão muito mais focadas em encontrar soluções. ”

As jovens girl movers têm uma formação de um ano na Academia de Liderança e Empreendedorismo Social.

Na Academia de Liderança encontram uma componente académica forte, assente em protocolos com universidades portuguesas (Universidade Católica e Universidade Nova) e moçambicanas, e um foco na liderança pelo serviço e empreendedorismo social. Cada uma dessas jovens fica também encarregue de ser mentora de 30 raparigas do projeto Mwarusi, que acompanham no decurso desse ano de formação. “Sentimos que a Academia devia dar uma componente de reforço de instrumentos na parte cognitiva, mas acima de tudo, era preciso ligá-las à comunidade. Se achamos que as lideranças são indiferentes e impotentes face a uma realidade que não conhecem, a única forma de as tornar mais empáticas é fazê-las sentir a realidade.”

Em 2017, a fundação recebeu 700 candidaturas de jovens licenciadas e todos os anos o número tem aumentado. “A Girl Move já é muito reconhecida no mercado universitário como um instrumento que pode mudar a vida.”

Na formação, as mentoras são encorajadas a adotar uma postura mais empática com as adolescentes que acompanham. “Dizemos-lhes: ‘imagina que ela és tu há 10 anos. O que lhe dirias? Ela tem de fazer o seu caminho, mas tenta demonstrar-lhe que há outras soluções, ouve-a e dá-lhe força. Ela não vai deixar de ser vulnerável, mas se souber como reagir e tiver força, a probabilidade de sucesso é muito maior’.”

Das 1300 raparigas do projeto Mwarusi mais de 70% transitam para o ensino secundário – a taxa do país é de 10% – e a taxa de maternidade infantil situa-se entre os zero e os 2% – a taxa nacional é de 38%. “São indicadores fortíssimos de sucesso”, diz Alexandra Machado.

Apesar de só funcionar há 4 anos, a Girl Move já conta com alguns indicadores de sucesso, como a elevada taxa de empregabilidade das jovens que passam pela Academia de Liderança. “Além disso, das 1300 raparigas do projeto Mwarusi mais de 70% transitam para o ensino secundário – a taxa do país é de 10% – e a taxa de maternidade infantil situa-se entre os zero e os 2% – a taxa nacional é de 38%. São indicadores fortíssimos, que mostram que é importante que uma rapariga tenha, nesta idade vulnerável, alguém que lhe indique o caminho.”

Estágios de vida

Na última fase de formação na Academia as girl movers vêm a Portugal durante dois meses para estagiarem em empresas da sua área de formação, onde também elas têm mentoras. “Têm hipótese de se inserirem em organizações de grande dimensão e profissionalismo, mas também lhes damos a conhecer aquilo que de melhor se faz em Portugal na área da inovação social, para as inspirar. Além disso, frequentam formação executiva na Universidade Católica e têm ainda uma componente social e cultural. São dois meses riquíssimos para elas.”

O número de empresas portuguesas que participam no programa “Estágios de Vida” tem vindo a crescer: em 2016 eram 13; no ano seguinte 21 e em 2018 serão 33. Cada empresa financia as despesas com o programa de estágio da jovem que recebe.

Entre os parceiros empresariais do projeto contam-se empresas como a PWC, Millennium BCP, Grupo Mello, Jerónimo Martins, McKinsey, L’Oréal, Santander Totta, Cuatrecasas. O número de organizações que se associam ao projeto tem crescido: em 2016 eram 13; no ano seguinte 21, e em 2018 serão 33. Cada empresa financia todo o programa de estágio – estadia, alimentação, viagens, etc… – destas raparigas. “Se no primeiro ano este programa era visto como apoio a um projeto inovador na área da responsabilidade social, em 2017 já sentimos que estas jovens também trazem um grande impacto para as empresas. Elas são mulheres com causas e espalham-nas, quando chegam. Mostram uma realidade social muito diferente, exemplos de luta e resiliência.”

As jovens que participaram na 2ª edição dos Estágios de Vida, com algumas das mentoras que as acompanharam em empresas portuguesas.

A Jerónimo Martins, que recebeu duas girl movers em 2016 e 2017, é um dos exemplos em que os estágios já funcionam em ambos os sentidos. Criaram um programa de um mês em Moçambique, destinado aos seus quadros, que ali trabalham em projetos sociais onde podem desenvolver mais competências de liderança.

Para 2018 preparam-se novos desafios que ajudarão a aumentar a dimensão deste projeto e a consolidá-lo ainda mais. A nova turma de girl movers vai agora integrar 33 raparigas. Em Moçambique, a fundação prepara a ampliação de infraestruturas com a construção de um eco campus dentro de uma universidade. O projeto Mwarusi também se irá alargar-se. “Sinto algum espanto ao pensar no que já conquistámos em tão pouco tempo, mas não se consegue viver só nesta lógica, sem pensarmos no muito que ainda falta fazer”, observa Alexandra Machado. “Criar a mudança estrutural necessária é um processo difícil e a longo prazo.”

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