Francisca Ramalhosa: “Estou neste cargo para fazer a diferença”

Francisca Ramalhosa é diretora municipal de mobilidade da Câmara Municipal de Lisboa e, por inerência, administradora executiva da EMEL e administradora não executiva da Carris. Sob a sua responsabilidade está a gestão da mobilidade de uma cidade que vê a sua população duplicar da noite para o dia.

Francisca Ramalhosa é diretora municipal de mobilidade da Câmara Municipal de Lisboa.

A população de Lisboa duplica todos os dias. Para além dos seus habitantes, a cidade recebe centenas de milhar de pessoas dos concelhos limítrofes, que, fora do tempo de crise, como o que nos encontramos, se deslocam para trabalhar e passam uma boa parte do seu dia na capital. Por isso, quem trabalha na área da mobilidade da sua câmara municipal procura responder sobretudo à população que circula e se move em Lisboa e não apenas aos seus cidadãos.

Francisca Ramalhosa, diretora municipal de mobilidade da Câmara Municipal de Lisboa é, por inerência, administradora executiva da EMEL e administradora não executiva da Carris. Licenciada em Economia pelo ISCTE, tem um mestrado em Planeamento Urbano pela Universidade do Tenessi, Estados Unidos, uma pós-graduação em Direito pela Universidade de Coimbra e um MBA em Finanças pela Universidade Católica. Adianta que, em Lisboa, está a ser feita muita coisa e muito mais se verá daqui a dois anos.

Não me foram buscar pela minha experiência na área da mobilidade, pois não a tinha. Foi pela que possuo na administração pública e na gestão de equipas e processos.

A sua formação tem-na ajudado a construir um percurso na área da gestão da mobilidade?

A minha formação foi muito diversificada. Economia já é, por si só, um curso muito abrangente. Depois foram dois anos de formação intensa em Planeamento Urbano nos Estados Unidos, o que ainda me abriu mais o leque de conhecimento. E ainda fiz Direito e Finanças. É esta abrangência de matérias que me deu preparação para a gestão. O aprofundar do conhecimento sobre a mobilidade vai sendo feito no dia a dia, com quem sabe mais em Portugal e com exemplos que nos chegam do exterior.

Não me foram buscar pela minha experiência na área da mobilidade, pois não a tinha. Foi pela que possuo na administração pública e na gestão de equipas e processos.

Trabalhei muitos anos na Sociedade de Reabilitação Urbana do Porto e a mobilidade estava ligada a isso. Mas quando cá cheguei, há cerca de dois anos, sabia muito pouco sobre o tema. Tem sido uma aprendizagem intensa no curto prazo.

O que é que faz a Direção Municipal da Mobilidade?

A Direção Municipal da Mobilidade tem cerca de 130 pessoas e faz o planeamento da mobilidade em Lisboa, em conjunto com outras entidades e agentes públicos e privados.

Também faz a gestão diária da mobilidade, a nossa tarefa mais dura. Inclui passadeiras, semáforos, condicionamentos de trânsito, cortes, lugares de estacionamento e a sua reserva. Como se sabe, a população urbana tem aumentado, tal como acontece com o número de carros. E nós temos de gerir quem entra e quando, em que termos e para quê.

Os grandes temas que tratamos com os agentes económicos são as cargas e descargas e suas condicionantes, horários e em que condições. Ou seja, quem entra e não entra e as dimensões dos que podem e não podem entrar.

Têm intervenção nos transportes ferroviários?

O comboio e o metropolitano não são de responsabilidade municipal. Os únicos contactos que temos com o Metropolitano de Lisboa são na área do planeamento, ao nível da integração de redes, interfaces, etc. Apenas intervimos nos condicionamentos à superfície de obras como as da estação de Arroios, que estão num impasse. São da nossa responsabilidade, porque temos de zelar pela circulação pedonal e de veículos. O resto não.

O principal desafio da minha função é a gestão das pessoas. Cada uma tem a sua maneira de ser, e é necessário pô-las a remar para o mesmo lado.

E em relação aos buracos nas ruas da cidade?

Não somos nós que os reparamos. Mas podemos alertar os serviços competentes, comunicando-lhes que determinada rua não está em grandes condições e precisa de trabalhos.

Quais são os principais desafios das suas funções?

O principal desafio é a gestão das pessoas. Cada uma tem a sua maneira de ser, e é necessário pô-las a remar para o mesmo lado.  Não é fácil, mas é um desafio apaixonante.

Como líder, quem trabalha comigo diz que eu sou tipo mãe. Não no sentido de maternalista, mas porque gosto de conhecer as pessoas e trato cada uma de forma diferente. Mais as que estão mais próximas, como é evidente. Acredito que isso tem influência no seu dia a dia e torna tudo mais fácil.

Mas é difícil criar empatia com 130 pessoas, até porque existem aqueles a quem nós não conseguimos chegar diretamente. Por isso, procuro fazê-lo com as suas chefias.

Qual a parte mais aliciante do seu trabalho?

A parte mais aliciante inclui todas as novidades na área da mobilidade, que me atraem profundamente. Todas as decisões que tomamos aqui têm um impacto muito forte na vida de todos, incluindo a minha. Senti isso quando houve uma mudança de sentidos nas ruas do meu bairro.

Há hoje uma mudança a decorrer no paradigma da mobilidade. No próximo padrão de transporte a opção pelo meio de transporte passará a depender das informações que nos vão chegando ao telemóvel. É muito aliciante fazer parte deste processo na cidade de Lisboa.

Não estou aqui por questões financeiras, mas pela causa pública e por gostar de fazer a diferença, história.

O que é que seria ideal para existir uma Lisboa sustentável em termos de mobilidade?

Numa cidade realmente sustentável, os que trabalham em Lisboa deviam viver nela. Mas não é isso que acontece. No cenário atual, e para os que estão nesta área e trabalham nela todos os dias, o sonho é que cada pessoa, onde quer que viva, tenha a possibilidade de se deslocar em transportes partilhados, coletivos, públicos, e que essa experiência seja agradável e eficiente, melhor do que a da deslocação em veículo individual.

Tem de se saber o percurso e o tempo que se vai demorar a fazê-lo. E este deve ser confortável, saber bem e permitir chegar ao destino sem grandes confusões e muita troca de transportes. Só desta forma é que as pessoas, quer utilizem bilhete, passe semanal ou mensal, conseguem deslocar-se de forma fiável, rápida e agradável até ao destino, ou o mais perto possível dele.

Francisca Ramalhosa tem uma direção exclusivamente feminina.

Mas isso também implica que, a cada momento, as pessoas tenham possibilidade de optar?

A mobilidade tem de ser flexível o suficiente para ir dando resposta, ao longo do dia, aos seus diferentes clientes. Posso ter um percurso de manhã e à tarde outro.

E Lisboa não é, hoje, apenas uma cidade e sim uma grande metrópole com vários concelhos.

Exatamente. E estamos muito atrasados, pois estivemos muitos anos sem investimento na mobilidade. Isso vê-se nas coisas mais simples.

A Direção Municipal de Mobilidade cresceu muito nestes últimos dois anos em termos de pessoas e orçamento, tal como a Carris e a EMEL. É muito bom que isso aconteça, mas também significa que estivemos muito tempo parados. Ainda temos um longo caminho a percorrer.

Quais as competências mais importantes para exercer o seu cargo?

Resiliência, mas muita vontade de fazer e aquele gosto de fazer cidade. Não estou aqui por questões financeiras, mas pela causa pública e por gostar de fazer a diferença, história.

Todas as chefias intermédias da Direção Municipal da Mobilidade são mulheres. Isso também pode acontecer por ser uma área nova, não tão tradicional para os homens.

Há ainda poucas mulheres na área da mobilidade?

Por acaso todas as chefias intermédias da Direção Municipal da Mobilidade são mulheres. Não as escolhi por isso, mas apenas calhou assim. Nas reuniões da Câmara até nos referenciam como “as senhoras da mobilidade”. Isso também pode acontecer por ser uma área nova, não tão tradicional para os homens.

Quando passamos para o mundo empresarial já não se passa a mesma coisa. Noutro dia, quando tivemos uma sessão pública dedicada ao Pacto Empresarial para a Mobilidade, que foi assinado por um conjunto de empresas com a Câmara Municipal de Lisboa, foi com tristeza que vi que, no meio de mais de trinta empresas, só duas é que tinham senhoras a assinar o pacto.

E o que é preciso fazer mais para acontecer o equilíbrio?

O mesmo que nas outras áreas.  É preciso tratar as mulheres como se trata os homens e dar-lhes as mesmas hipóteses e as mesmas condições. A mudança de pensamento e de paradigma não pode ser só nas empresas, mas também da sociedade, dado que a mulher não precisa de assumir sozinha o acompanhamento de uma criança recém-nascida. Pode e deve dividi-lo com o parceiro. Eu tenho três filhas. Passado um ano de estar cá, engravidei e estive três meses fora. Como o trabalho de casa pode ser partilhado com o homem, foi o que fiz. Por isso é que não estive tanto tempo fora.

E também é necessário, nas empresas e nas entidades, o pensamento de que o mundo não acaba em quatro meses e há sempre alguém para substituir a pessoa em falta. Foi o que aconteceu comigo, e tudo correu com naturalidade.

Como temos muitas mulheres a trabalhar na Direção, apoio-as e incentivo muito o trabalho a partir de casa, porque sou apologista que as pessoas o façam quando o podem. E é muito comum as mães trazerem as crianças, por exemplo em dias de greve. Não têm de pedir autorização. Trazem, e pronto.

Que conselho daria a uma jovem que quer fazer carreira nesta área?

Viajar muito. Conhecer o mundo lá fora. Mas não porque é no estrangeiro que sabem fazer as coisas, porque o saber técnico em Portugal é muito evoluído, mas sim para alargarem as suas perspetivas, dado que é muito fácil, agora, fazer estágios fora do país. Também aconselharia a fazerem primeiro um curso mais generalista e depois uma formação mais específica nas áreas técnicas, ao longo da carreira de trabalho.

 

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