Francesca Sangalli considera-se afortunada por trabalhar com cores e materiais que são uma das primeiras áreas que conectam o consumidor à marca. “É como que a pele do carro”, exemplifica. Formada em Arquitetura e em Design de Produto trabalhou quase 17 anos na Mercedes, em Milão, antes de se mudar para a SEAT/CUPRA, em Barcelona, como diretora de cores e materiais.
Chegar à construtora espanhola, em 2018, quando a CUPRA estava a nascer permitiu-lhe usar o seu talento para criar uma identidade forte para a nova marca. Em vez de seguir a paleta de cores característicos nos carros desportivos, que inclui o amarelo e o vermelho, optou por cores mais sofisticadas, neutras, usando o mate, mas com reflexos. Mas a introdução de apontamentos em cobre é talvez um dos seus elementos mais distintivos. “Quando vês passar um CUPRA sabes imediatamente que é um CUPRA por causa daquela cor, que é inconfundível”, diz com orgulho a designer italiana.
Em matéria de tendências garante que não gosta de seguir o que os outros fazem, até porque “da primeira ideia até ver o carro na rua passam, pelo menos, quatro anos e meio”. Francesca Sangalli prefere inovar e para isso inspira-se observando o comportamento das novas gerações. Foi assim que a CUPRA ignorou os materiais nobres como a madeira e o metal no interior dos seus modelos e foi buscar tecnologia que está a ser usada na moda, nas solas dos ténis, por exemplo, para dentro do carro, tornando-o um produto muito diferente dos outros, exclusivo. Mas há mais, a marca espanhola usa um novo material que resulta da reciclagem de plástico recolhido nos oceanos e está a conseguir reduzir o desperdício de matérias-primas com novas técnicas de produção de revestimentos. Inovação e sustentabilidade são duas preocupações constantes da equipa de cores e materiais, maioritariamente composta por mulheres. “As mulheres são muito proativas e a proatividade é essencial para provocar a mudança. As mulheres são muito boas na mudança”, garantiu Francesca Sangalli na CUPRA Design Talk, que decorreu no CUPRA City Garage.
Como se tornou especialista em cores e materiais para a indústria automóvel?
Estudei Arquitetura, mas sempre gostei da forma como as pessoas se interessavam pelos produtos e então fiz um curso de design de produto em Inglaterra e quando regressei a Itália o meu primeiro emprego num estúdio que trabalhava para a Ferrari o Museu Ferrari e foi assim que entrei no setor automóvel. Depois seguiu-se a Mercedes Benz, onde fiquei 16 anos, e onde descobri que a minha paixão e talento era o design concetual, mas muito ligado aos materiais.
Sempre acreditei que os materiais são o futuro, são mais importantes do que a forma. As formas podem ser envolventes, mas são os materiais que fazem a diferença, porque são eles criam a ligação com a marca, porque são o que vemos, o que tocamos e por isso criam um grande impacto em nós. Especializei-me nisso, até que há quatro anos mudei para a SEAT/CUPRA, onde sou responsável por todas as cores e materiais da marca.
Toda a minha vida trabalhei na construção de visão, estratégia e motivação, e a minha preocupação e a da minha equipa é introduzir inovações que surpreendam. Tenho uma equipa de 10 pessoas, que apesar de pequena é muito ágil e que considero uma dream team. É constituída, sobretudo, por mulheres num mundo muito masculino, como é o automóvel. O talento não tem género, mas há uma atitude e uma forma de trabalhar mais característica das mulheres: são menos individualistas, mais proativas e trabalham por objetivos, mas sempre como grupo. Cada um de nós tem um talento diferente, mas juntos eles desabrocham e desenvolvem-se. Quando num grupo aceitas o talento de cada um, consegues usar o melhor de cada pessoa. É assim que mesmo uma equipa pequena consegue ser muito eficiente e proativa. Criámos uma identidade forte para a marca, algumas estratégias específicas e isto é possível porque cada um de nós contribui com o seu talento para o todo.
Há cada vez mais inovação nos materiais e, em simultâneo, há que ter em conta a sustentabilidade. É um grande desafio?
É um enorme desafio. Hoje só se fala em sustentabilidade e tornou-se uma necessidade, já não é mais uma opção. Para mim o que faz a diferença é a abordagem à sustentabilidade. No setor automóvel há imensas restrições no que respeita aos materiais. Antes de chegarem aos carros os materiais passam por uma miríade de testes, isto complica todo o processo de desenvolvimento. Não só temos de pensar em novos materiais, como também que eles têm de ser sustentáveis.
Prefiro trabalhar com uma perspetiva do processo completo ou de como reduzir o seu impacto. Para mim a pegada ecológica é uma delas. Por isso introduzimos o seaqual, um material reciclado que se obtém a partir de garrafas recuperadas dos oceanos. Esta é uma iniciativa de uma empresa que está localizada muito próximo de Barcelona, com quem iniciámos uma parceria e é muito bom saber que estamos a contribuir para limpar o mar que temos mesmo à nossa frente e conseguimos transformar esse lixo dos oceanos num novo material.
A reciclagem é algo com que temos mesmo de nos preocupar. É a chave para reduzir a imensidão de plástico que temos à nossa volta, dando-lhe uma nova vida. Temos de evitar a conversa de que o plástico é mau, porque ele é muito útil. É um material que podemos moldar, é muito resistente, permite-nos fazer muitas coisas boas, mas temos de fazê-lo de forma mais sustentável.
Outra abordagem à sustentabilidade que também fazemos na CUPRA é a de deixar de cobrir o plástico que usamos nos carros. Isso sempre se fez porque as partes em plástico não são, geralmente, bonitas e por isso são cobertas. Mas hoje usamos a tecnologia para o dignificar, torná-lo bonito e não termos de o esconder, e isto é uma abordagem mais sustentável.
Isso exige um diálogo constante entre o design e a engenharia de materiais.
É um diálogo que não é fácil. Este é um processo que não depende apenas da minha equipa, mas que envolve outras áreas da companhia porque exige uma estratégia comum de atuação. Não nos preocupamos apenas com cores e em usar materiais que já existem, mas também influenciamos a construção, o desenvolvimento. E aqui podemos ser muito sustentáveis porque entramos no processo desde o início. A questão da sustentabilidade não se coloca apenas nos materiais que usamos, mas também na pegada ecológica que deixamos e por isso temos de estar atentos a todo o processo.
A mudança para a Cupra implicou duas mudanças, a de empresa e também país, Qual foi mais desafiante?
Fui muito bem acolhida na CUPRA. Temos uma relação em que há muita confiança e isto é muito importante. Nunca nos sentimos sós, mas sim a trabalhar com uma equipa com a qual estou muito alinhada. Os objetivos que temos são claros e isto faz muita diferença.
Quanto às diferenças entre as duas marcas são muitas. A Mercedes é uma marca premium, já estabelecida e o meu trabalho era mais de estratégia e filosofia de design. Permitia-me explorar mais materiais nobres porque é uma marca de luxo, o que não acontece numa marca como a SEAT ou a CUPRA. Mas ter a oportunidade de participar no nascimento de uma marca como a CUPRA é uma experiência incrível para um designer. Participar no processo desde o momento zero implica que não tens toda uma bagagem nas tuas costas, pelo contrário, é a oportunidade de pensares em algo novo, de fazeres a diferença. Posso explorar mais, posso desafiar-me.
Em termos pessoais, tive a possibilidade de me mudar com a minha família para um novo país. Barcelona é uma cidade muito bonita, com uma luz incrível e é o oposto de Milão, a minha cidade, em termos de estilo de vida, pois vive-se muito mais ao ar livre!
Leia mais entrevistas