Ema Paulino: “Nunca me senti penalizada por ser jovem e mulher”

Primeira mulher, em 101 anos, a integrar o comité executivo da Federação Internacional Farmacêutica, Ema Paulino considera que há cada vez menos entraves à equidade de género nesta classe profissional, mas crê que se pode ir mais longe no apoio à conciliação da carreira com a maternidade.

Ema Paulino defende que as mulheres têm características essenciais para o bom funcionamento das organizações

Quando, em 2014, recebeu o Prémio Almofariz de Figura do Ano, um dos mais prestigiados no setor farmacêutico, não foi por acaso que Ema Paulino foi apresentada pelo então bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Maurício Barbosa, como “a farmacêutica portuguesa que chegou mais alto a nível internacional”. Em 2013, Ema Paulino tornou-se a primeira mulher a entrar na cúpula dirigente da Federação Internacional Farmacêutica (FIP), em 101 anos de história desta instituição, na qualidade de secretária profissional, lugar que ainda hoje ocupa.

Uma ascensão que diz ter sido “inspirada no trabalho que um conjunto de farmacêuticos portugueses tem desenvolvido a nível internacional”, mas que é também o corolário de um percurso marcado pelo assumir de cargos de elevada responsabilidade institucional desde muito cedo. Tendo abraçado a primeira experiência associativa ainda durante o ensino secundário, Ema Paulino foi depois presidente da Associação Portuguesa de Estudantes de Farmácia e coordenadora do Gabinete de Informação, Promoção e Educação para a Saúde da Faculdade de Farmácia de Lisboa. Hoje, a par com o desafio da FIP, é também presidente da Secção Regional do Sul e Regiões Autónomas da Ordem dos Farmacêuticos e responsável pelo desenvolvimento e implementação de serviços nas Farmácias Holon, além de manter a sua própria farmácia. Ainda assim, garante que a necessidade de se revezar entre os diversos papéis não a assusta. “Sinto que já não sei viver de outra forma.”

Foi uma grande honra poder dar mais visibilidade ao contributo que as farmacêuticas mulheres dão à organização.

O que representa para si ter-se tornado a primeira mulher, em 101 anos de história da FIP, a pertencer ao seu comité executivo?
Na realidade, foi para mim uma surpresa quando soube que era a primeira mulher a integrar o comité executivo da FIP, tendo em conta que estamos a falar de uma profissão maioritariamente feminina. Mas foi uma grande honra poder dar mais visibilidade ao contributo que as muitas farmacêuticas mulheres, que fazem parte das estruturas da FIP, dão à organização. Por outro lado, penso que é também representativo de um maior envolvimento das mulheres nas organizações e no contexto associativo. Um ano após a minha eleição na FIP, tomou posse a primeira mulher presidente, Carmen Peña, e em países que nunca tinham tido mulheres à frente das respetivas ordens profissionais, como Portugal, Espanha, França e Itália, vimos mulheres a ocupar estes cargos, na última década.

Quais os passos determinantes para alcançar esta meta?
O meu envolvimento na FIP começou quando ainda era estudante e passou pela estrutura dos Jovens Farmacêuticos, depois pela Secção de Farmácia Comunitária, o Comité de Programação dos congressos, e finalmente o board de Farmácia Prática. O meu contributo nestas estruturas foi sempre coerente e marcado pela procura de consensos, pelo que contruí uma imagem de rigor e partilha, que penso ter sido determinante para os convites que me foram sendo feitos.

Uma pessoa que se prepara tem claramente vantagens em ser reconhecida como parte da solução para os desafios.

Teve de enfrentar obstáculos no seu percurso pelo facto de ser mulher e jovem?
O facto de ser jovem e mulher tanto me trouxe obstáculos e dificuldades, como, em certos momentos, acabou por ser uma vantagem. Nunca me senti penalizada por esse facto. Inicialmente, penso que era precisamente por ser jovem e mulher que acabava por ter mais visibilidade nas organizações pelas quais fui passando. Claro que depois há que aproveitar essa visibilidade para contribuir de uma forma positiva e construtiva.

E os obstáculos, como é que os foi ultrapassando?
Tendo consciência que, em determinados fóruns ou eventos, ser jovem e mulher poderia ser interpretado como tendo uma menor preparação ou experiência para contribuir de forma significativa para as questões em discussão, o que sempre fiz foi preparar-me muito bem antecipadamente. Saber colocar uma questão pertinente ou fazer uma sugestão na altura certa podem determinar a forma como somos encarados. E nada disto se faz sem muito estudo prévio e reflexão. É assim que encaro a minha participação nestas organizações. E numa época em que as pessoas estão tão assoberbadas com informação e tarefas, uma pessoa que se prepara tem claramente vantagens no que toca à sua capacidade de ser reconhecida como parte da solução para os desafios.

As mulheres têm características que são essenciais para o bom funcionamento das organizações.

Independentemente da sua experiência pessoal, considera que o género ainda pode ser um entrave às farmacêuticas, no que toca à sua ascensão profissional?
Sinto que as dificuldades se têm reduzido significativamente. Para além dos exemplos que apresentei no que toca a estruturas associativas, cada vez se veem mais mulheres a ocupar cargos de gestão em empresas farmacêuticas. Penso que as maiores dificuldades se prendem com a questão da maternidade, que inevitavelmente exige tempo fora das empresas. Anteriormente observavam-se também algumas diferenças no que toca à educação e formação das mulheres e dos homens, algo que, hoje em dia, já não se verifica.

Apesar desses avanços, que mecanismos deveriam ser criados para promover a equidade de género neste grupo profissional?
A possibilidade de haver licenças parentais partilhadas parece-me, desde logo, uma iniciativa interessante e pertinente. Além disso, numa empresa ou organização, o que interessa verdadeiramente é o valor acrescentado que cada uma das pessoas confere à mesma. Assim, se as mulheres forem indispensáveis do ponto de vista da organização, terá de se exigir forçosamente equidade no tratamento. No meu entender, as mulheres têm características que são essenciais para o bom funcionamento das organizações. Não quero generalizar, porque todos somos diferentes, independentemente do género, mas também não há que negar que as mulheres reúnem, frequentemente, um conjunto de atributos que são diferentes da generalidade dos homens, mas que são complementares e, em alguns casos, mais adequados para os fins que se pretendem atingir.

Lidero na FIP um grupo de trabalho que visa promover a capacitação da mulher como elemento central nos cuidados de saúde do agregado familiar.

A promoção da equidade de género entre os profissionais do setor é, ou deveria ser, uma preocupação de instituições nacionais e internacionais como a Ordem dos Farmacêuticos ou a FIP?
Deverá ser sempre uma preocupação, mas, no meu entender, na sua justa medida. Nunca fui, por exemplo, defensora da imposição de quotas, uma vez que sempre considerei que um cargo assumido por essa via não tem a mesma credibilidade que um cargo assumido em eleições livres. Contudo, sabemos que, em muitos países, a equidade de género não é uma realidade. Neste momento, lidero na FIP um grupo de trabalho que visa promover a capacitação da mulher como elemento central nos cuidados de saúde do seu agregado familiar. Dotar as mulheres de competências para que tomem decisões em saúde mais informadas, para elas e para os seus familiares. É um projeto ao qual a presidente da FIP atribui muitíssima importância.

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