Desde que escrevo sobre liderança que, entre outras coisas, sempre me preocupei, lutando o possível, em tentar desconstruir alguns mitos e dogmas que existem no seio das organizações. Talvez seja precisamente por eles existirem, e de forma tão vincada e consolidada, que as lideranças estão na mesma. São sobretudo e principalmente três, e é acerca deles que falarei neste texto, e são os três que urge desconstruir.
Em quaisquer conversas de café, jantar de amigos, reunião de família, o tema é inevitavelmente falado e frequentemente a conclusão é esta: má liderança. Pessoas descontentes, desmotivadas, sem projeto de carreira (não que não o tenham, só não vislumbram é condições para o concretizar), com problemas do foro da saúde mental — que se vão agravando, sem controlo, e tantas vezes acabam por derivar também para problemas de índole física. Meros robots. Executantes de ordens. Sem apego ou ligação ao objetivo final, apenas com a missão de o cumprir, as soon as possible. Muitas vezes não por escolha própria, mas porque “empurrados” para isso. Com enquadramentos destes, duvido que estratégias de longo prazo tenham algum sucesso — é como a história do chicote, esse “utensílio de estimação” de tantos e tantos líderes por aí, a que tantas vezes recorro: no curto prazo até pode resultar, mas a longo trecho não tem qualquer sustentabilidade. Assim se vai vivendo para o imediato, para a ilusão da pequena conquista, do sucesso fictício… e assim vamos vivendo felizes para sempre, sendo este sempre algo muito finito, limitado e circunscrito. Pequeno, de curta duração e de impacto residual.
Emoções
“Os sentimentos não devem ser lógicos. Perigoso é o homem que racionaliza suas emoções”, David Borenstein
Comecemos por esclarecer e desmistificar o próprio termo em si, neste âmbito — desconstruir começa exatamente por esclarecer.
Emoções, ao contrário da conotação que tão comummente lhe é automaticamente atribuída, não tem nada a ver com sermos todos fofinhos, andarmos todos aos beijos e abraços ou termos de ser todos amigos uns dos outros. Também não é nada disso que se quer, ou não é essa a pedra de toque aqui — embora, em minha opinião, entre dois cenários extremos, diametralmente opostos, eu claramente prefira um ambiente de trabalho onde há “emoções” a mais do que um onde elas simplesmente não existam.
Emoções é o básico — até me custa dizê-lo assim, mas não há outra forma, é mesmo o básico. Respeito. Comunicação. Cuidado com o seu semelhante — inclusão e integração. Oportunidades. Valorização. Gratidão. Quando defendo — e faço-o veementemente — as emoções e as lideranças emocionais (Cisnes Negros da Liderança) é exatamente disto que estou a falar.
Sentimentos e emoções existem, a toda a hora, por toda e qualquer razão. É um erro não os considerar e não os deixar entrar nesta esfera organizacional. Não conseguimos ser uma equipa sem nos conhecermos, e não nos conseguimos conhecer sem emoções (as nossas e as dos outros). Conhecer verdadeiramente (mas até mesmo só o tal básico) exige um grau de conexão que só com emoções se consolida. Alguém conhece boas equipas sem esta conexão — equipas a sério? Eu sinceramente não. Elas podem ou devem existir? Poder podem, e até existem, mas garantidamente não são a mesma coisa.
Diferença (ser e fazer diferente)
“O segredo para a mudança é concentrar as energias não na luta contra o que é velho, mas sim na construção daquilo que é novo”, Sócrates
Existe ainda um enorme estigma com a diferença, com o ser-se diferente (extensível, aliás, a muitas outras áreas da sociedade, onde ser-se diferente é malvisto e maldito) ou com o fazer-se diferente. Tudo o que é diferente tende a incomodar e intimidar o que é igual.
Mas se nos queixamos do que temos, que é sempre e tudo mais do mesmo, o que é que pode haver de mais desejável do que mudança? Mudança é precisamente ser e fazer diferente — só se podem ambicionar resultados diferentes fazendo diferente. E grandes mudanças não são expectáveis com pequenas diferenças. Num mundo onde todos fossemos iguais a monotonia seria tanta que o tédio e angústia reinariam. Cada um de nós tem características próprias, únicas, que nos diferenciam e distinguem de todos os restantes seres humanos. Por que não potenciar e apostar nisso? Não ser a cópia ou a imitação de ninguém, mas antes ser diferente e destoar da carneirada. A diferença pode muito bem, e em muitas situações, passar apenas e só por isto — sermos nós próprios, sem medos, sem vergonha, porque não existe mais ninguém assim e como tal não existe mais ninguém cujos outputs sejam os nossos…
Infelizmente, não é isso que vemos acontecer. O que se passa nas organizações é que vemos os outros a fazer mal e, seja por resignação, seja por desistência (por vermos que é isso que é fomentado e valorizado), seja por falta de condições, a verdade é que o efeito carneirada acaba por vencer, prevalecer e imperar. É pena…
Aceitar o mau é desincentivar o bom! Tolerar a mediania é desistir da excelência! Premiar a incompetência é fomentar a mediocridade! Precisamos do contrário!
Erro
“Quem arrisca pode errar, mas quem nem sequer o tenta, já errou!”
Até o ditado diz que errar é humano, logo, sendo nós humanos, qual é então a verdadeira razão para tanta celeuma em relação ao erro? Tendencialmente associamos erro a incompetência, a desenquadramento, a inaptidão ou a desconhecimento. Este é um estigma que incute nas pessoas um enorme medo de errar. Com medo de errar a atitude única é seguir as regras, o establishment, e isso, como já foi dito, vai desaguar no mesmo mar — aquele mar frio e parado onde ninguém gosta de se banhar. Entendam-se como erros, neste contexto, tudo o que são tentativas, experiências, assumpção de riscos, más tomadas de decisão ou, por vezes, simplesmente enganos. A penicilina nasceu de um descuido, um esquecimento. A Torre de Pisa… A porta aberta em Constantinopla… tantos e tantos (distintos e diversificados) exemplos…
Estes “erros” vão seguramente gerar muitos falhanços, mas não é menos verdade que grandes conquistas e sucessos também é deles que advirão. Manter o status quo, como se tem visto, é que não leva a nenhum lado diferente – mantem-nos neste, que a todos desgosta. Sem erros não há as tais mudanças que, vimos no ponto anterior, são urgentes. Parece uma heresia, mas é mesmo assim, sem erro não há mudanças, sem mudanças não há crescimento nem evolução.
Devíamos então associar erro a disrupção, a inovação, a capacidade para arriscar e a evolução — só os erros os vão possibilitar.
Outra questão é que o erro tem sempre escrutínio enquanto que as práticas comuns quase nunca — mas é com elas que podemos estar a incorrer, aí sim, num “erro” ainda maior e mais grave. Há que saber errar…
Como sempre tenho escrito, o erro leva-nos à antifragilidade, condição cada vez mais indispensável na era moderna, tanto pessoal como profissionalmente — e ambos nos conduzem ao sucesso. Portanto, líderes emocionais ainda são vistos como fracos, moles e desautorizáveis. Líderes diferentes, ou que almejem fazer diferente, são vistos como alternativos, lunáticos e perigosos. Líderes que erram, que não se importam de errar para crescer, em busca de evoluir, são vistos como incapazes, desenquadrados e pouco confiáveis. Líderes que sejam tudo isto, ou seja, emocionais, diferentes e sem medo de errar, esses são tidos como uma verdadeira bomba relógio. Mas esta é uma visão completamente errada pois, repito, líderes que reúnem estes, mas não só, três requisitos, são, ou estão muito mais perto de ser, verdadeiros Cisnes Negros da Liderança. São a excepção que contraria a regra. São a diferenciação dos demais. São empatia e compaixão. São comunicação. São carácter e personalidade. São inspiração. São cuidado e preocupação com o próximo. São liberdade criativa, ainda que naturalmente supervisionada. São desafio. São escudo face ao medo, trampolim para o sucesso e base de segurança para o crescimento. São emoções! Enfim, são humanos!
Já não rimos em conjunto, fazem-nos chorar sozinhos. Exige-se o máximo, sem se retribuir com o mínimo. O elogio é uma utopia, uma raridade, enquanto que a crítica é fácil e gratuita. Até o agradecimento caiu em desuso, já nem sequer se diz obrigado…
Desconstruamos rapidamente estes mitos e lideremos a mudança!
Ricardo Caldeira define-se como “leadermotionalist” e é autor do livro Cisnes Negros da Liderança.