Quem nunca se sentiu pouco confortável antes de uma reunião começar, atire a primeira pedra. O local é desconhecido; o conhecimento que temos de quem nos irá receber é parco; um sentimento de desconforto envolve o corpo por não sabermos o que esperar, nem como quebrar o gelo inicial.
Este tema pode revelar-se mais sensível se estiverem presentes interlocutores com contextos culturais diversos, uma vez que a perceção da importância da “conversa de circunstância” não é transversal a todas as culturas, inclusivamente no contexto europeu.
Se, para nós, latinos, a conversa de circunstância é um passo natural para quebrar o gelo, noutras culturas (v.g.nórdicas) resume-se a dois segundos de conversa partindo, de imediato, para o tema profissional subjacente ao encontro profissional.
Urge, assim, dominar a arte de quebrar o gelo, em particular, ter a capacidade de estar atento às especificidades de outras culturas para que não nos sintamos ofendidos — nem sejamos mal interpretados — quando, insistentemente, tentamos “fazer conversa” com quem nada profere além de monossílabos.
Falar em quebrar o gelo é, tão só, saber “na ponta de língua” a lição das executivas de excelência: ser (religiosamente) pontual — caso contrário, a (primeira) impressão que causará estará longe da excelência; apresentar-se com um sorriso genuíno — já diziam os nossos avós, que um sorriso genuíno é o nosso melhor cartão de visita e tem a magia de quebrar barreiras; saber cumprimentar — utilizando a forma de cumprimento adequada, não só verbal, mas também física. Neste tema, não descure as regras de protocolo pois poderá, sem imaginar, criar um verdadeiro incidente se não for reconhecida precedência a quem de direito.
Dados estes passos corretamente, seguramente já começámos a criar empatia com o outro. É, assim, tempo de “fazer sala”.
Aproveitando esta ocasião para responder às inúmeras questões que me colocam — maioritariamente salientando o desagrado por ter de “fazer sala” com um cliente — reforço, que “fazer sala” é obrigatório. Mas não se leia a expressão “fazer sala” como sinónimo da conversa com um amigo com quem tomamos o café. “Fazer sala” é colocar o outro à vontade e, não permitindo que se ouça a mosca que paira no ar — nem que o silêncio de morte nos consuma — se comecem a identificar pontos comuns para, de seguida, partir para um nível de conversação mais profundo.
Como partilhei no artigo sobre conversa de circunstância, tal não significa falar sobre o tempo. A conversa de circunstância é o primeiro nível de conversa que nos permite encontrar pontos comuns para que, de seguida, possamos avançar para um nível mais profundo criando e sedimentando laços. Assim, “fazer sala” jamais será um desperdício de tempo.
Por sua vez, e caso esteja no papel de anfitriã, ofereça café, chá ou água ao visitante que acabou de chegar (cliente, parceiro ou fornecedor). Este é, talvez, um dos temas que mais desconforto causa a executivas com muita experiência de vida que insistem em resistir a esta tarefa, vincando que deverá ser levada a cabo, exclusivamente, pela secretária.
Parece-me que, no contexto atual, tal não tem aplicabilidade. Tal como recebemos, genuinamente, alguém em casa e lhe oferecemos algo para beber, na nossa empresa, a regra mantém-se. Mesmo que a sua secretária já tenha providenciado bebidas, pergunte, novamente, se desejam tomar algo ou se desejam mais água ou café.
Parece-lhe um gesto irrelevante?
Pense que talvez sejam os pequenos gestos, feitos com naturalidade e com o coração, que demonstram a nossa essência e que nos permitem criar e sedimentar laços duradouros com o outro.
Se já domina, com mestria, a conversa de circunstância, relembro-lhe que tão importante como saber o que dizer, é saber o que não dizer — e como mudar de assunto. Esta é uma arte que vamos aperfeiçoando ao longo da vida.
Caso seja principiante nesta matéria, recordo que há temas que estão vedados para garantir que em vez de quebrar o gelo não se coloca uma bomba atómica em cima da mesa. Falamos de temas como futebol, sexo, dinheiro, política, religião e temas controversos que só devem ser abordados quando e com quem tenhamos abertura para tal. Por outro lado, coíba-se, também, de perguntar algo cuja resposta envolva um número — que idade tem, quanto custou, quanto ganha, etc. — pois, provavelmente, tratar-se-á de uma pergunta de cariz pessoal que não tem enquadramento numa relação profissional.
Aproveite, assim, para explorar temas seguros, como arte, viagens, cinema, literatura, ponto comum com o anfitrião, etc. para, de seguida, poder aprofundar os temas que os une.
Ultrapassada a fase inicial, e deixando que o silêncio ensurdecedor não tenha lugar, está, agora, tudo pronto para se iniciar ou consolidar uma relação duradoura, sem que o ar gélido tome lugar.
Joana Andrade Nunes é consultora de protocolo, etiqueta e comunicação, membro da Associação Portuguesa de Estudos de Protocolo, colaboradora no programa “Praça da Alegria”, na RTP 1 e autora da rubrica “Etiqueta Profissional”, na Executiva. Mestre e Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, iniciou a carreira profissional como docente universitária nesta instituição e, até 2017, conciliou a atividade de docência com a prática de advocacia de negócios. Em 2014, foi distinguida com Menção Honrosa no âmbito do V Prémio Wolters Kluwer de Artigos Jurídicos Doutrinários. O seu livro Quatro Gerações à Mesa foi considerado o melhor livro de culinária de Portugal, pelos Gourmand World Book Awrads (2016) e o 3.º melhor do mundo, pelos gourmand World Book award, 2017. Desenvolve a atividade de consultoria e formação junto de prestigiadas equipas e organizações.
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