Cidália Lopes: Vida académica e empresarial são “dois caminhos que se complementam”

É administradora não executiva do Millennium BCP e tem uma sólida carreira académica de mais de 20 anos, investigando os temas da simplificação e eficiência do sistema fiscal. Para Cidália Lopes, a universidade deve ser um "ponto de ligação entre melhor conhecimento, melhores empresas e uma melhor sociedade".

Cidália Lopes é especialista em fiscalidade e integra o conselho de administração do BCP.

Natural de Pombal, onde nasceu em outubro de 1971, Cidália Lopes é uma autoridade nacional em matéria de fiscalidade. Foi na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra que traçou o seu percurso académico, primeiro licenciando-se em Economia, depois com um mestrado em Economia Europeia e, finalmente, doutorando-se em Gestão. Apaixonada pelo ensino, começou a carreira académica em 1994. Atualmente dá aulas no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra, tendo sido docente convidada da Faculdade de Economia e da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Entre 2010 e 2014 dirigiu ainda a Coimbra Business School.

Integrou os grupos de trabalho para a Simplificação do Sistema Fiscal Português, do XVII Governo Constitucional (2005-2006) e Política Fiscal, Competitividade e Eficiência do Sistema Fiscal em Portugal, no XVIII Governo Constitucional (2009-2010). A redução da carga burocrática para o contribuinte e a simplificação das obrigações fiscais são dois dos seus temas de eleição em investigação e originaram a publicação dos livros “A Fiscalidade das Pequenas e Médias Empresas – Estudo comparativo na União Europeia” (1999) e “Quanto custa pagar impostos em Portugal? Os custos da tributação do rendimento” (2008), que lhe valeu o Prémio Professor Doutor António de Sousa Franco, atribuído pela Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas. É ainda co-autora de “A Fiscalidade das Sociedades Insolventes” (2015).

Administradora não-executiva do Millennium BCP desde 2015, para Cidália Lopes faz todo o sentido integrar a vertente académica e a corporativa da sua carreira, como parte da intervenção em sociedade, um conselho que lhe foi dado por um professor e que ainda hoje a inspira.

O que a levou a decidir-se pela formação em Economia e, mais tarde, pelo doutoramento em Gestão?
A minha formação em Economia não foi muito pensada. Foi uma decisão, mais ou menos, natural. Tive influência da minha família, bem como dos meus professores, em especial da área de economia, contabilidade e direito, os quais tiveram um papel determinante na minha escolha. O meu percurso académico foi a consequência do meu gosto pelo ensino, o qual se revelou desde muito cedo. Por isso, numa altura em que existiam imensas oportunidades de emprego para recém licenciados em Economia, a escolha só podia ser a vida académica. Era o gosto de aprender e de transmitir o conhecimento. O doutoramento em Gestão veio, portanto, na continuidade do percurso definido.

O que a apaixona na área da fiscalidade?
Sem dúvida, as suas diferentes dimensões. O imposto, para além de finalidades financeiras, de financiamento do Estado, tem também outros objetivos extra fiscais, tais como a justiça e a justa repartição do rendimento e da riqueza. A procura de soluções fiscais justas foi, é, e continuará a ser a principal fonte de preocupação de qualquer decisor de política económica e fiscal.

O que mudou positivamente em termos de políticas fiscais no nosso país e quais as metas que falta ainda atingir? Estamos assim tão longe da realidade dos países europeus com as melhores práticas nesta área?
A constante atualização e melhoramento da base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), nomeadamente na área do património, bem como a plataforma efatura, permitiu um conhecimento prévio e mais atempado da situação fiscal dos contribuintes por parte da AT, o que conduziu a maior rapidez na sua atuação, evitando muitas situações de prescrição da dívida fiscal. Fizeram-se progressos notáveis na desmaterialização do cumprimento das obrigações fiscais, com a consequente poupança de recursos (humanos, monetários e de tempo), quer para os contribuintes, quer para o Estado.

Automatizar procedimentos, na era digital, é imperativo, dada a necessidade do sistema fiscal acompanhar a evolução do mundo global cada vez mais tecnológico. Porém, as máquinas ainda não substituem as pessoas, e, por isso, humanizar a máquina fiscal, na era das novas tecnologias, passa por criar uma cultura de uma instituição mais proactiva, user-friendly. A informática é muitas vezes cega, mas a fiscalidade não o pode ser. É, pois, nesta área, que também deve ser exigida uma maior afetação de recursos, que permitirá mais e melhor formação a todos os intervenientes no processo de cumprimento fiscal.

“Em Portugal falta investir mais no direito que os contribuintes têm de conhecer e acompanhar a aplicação dos seus impostos, manifestando a sua vontade na distribuição dos benefícios públicos recebidos, por exemplo, em mais saúde ou em mais educação, à semelhança do que acontece em muitos países nórdicos como a Dinamarca.”

Também é autora de um livro sobre este tema, feito a pensar nos jovens, e cuja missão é educar para estas questões. Há uma educação cívica, de base, para as questões fiscais que ainda tem de ser feita?
Para contrariar a ideia de que o fisco é sinónimo de perda de rendimento é necessário, como já referi em outras ocasiões, a consciencialização dos cidadãos para a responsabilização pública e fiscal, sublinhando que os impostos são estabelecidos para a satisfação do bem comum, através de uma educação para a cidadania nas escolas. É certo que hoje, e com a crise, os portugueses estão mais conscientes de que não há direitos sem deveres, por isso, não há Estado Social sem impostos. Mas, em Portugal falta investir mais no direito que os contribuintes têm de conhecer e acompanhar a aplicação dos seus impostos, manifestando a sua vontade na distribuição dos benefícios públicos recebidos em troca, por exemplo, em mais saúde ou em mais educação, à semelhança do que acontece em muitos países nórdicos como a Dinamarca.

Depois de anos de uma sólida carreira académica, como encarou o convite para administradora não executiva do Millenium BCP? Sentia-se preparada?
Como gosto de desafios, com naturalidade, mas consciente do grau de responsabilidade do cargo. Entendi que participar na vida empresarial poderia em muito complementar a minha visão académica. São dois caminhos que se cruzam e se complementam, e não o contrário.

Qual é a sua missão no grupo e quais os principais desafios que as suas funções lhe colocam?
Sou vogal da Comissão de Auditoria. Esta Comissão é um órgão de fiscalização que tem funções de “fiscalização preventiva da administração da sociedade”. Nos últimos anos, e em resultado das recentes crises, os órgãos de fiscalização têm ganho um papel crucial no governo societário, sendo que os seus membros são independentes e devem zelar por uma atuação idónea, isenta e independente, o que, por si só, representa um grande desafio.

“As organizações em geral ganham com equipas de liderança mais equilibradas, não só do ponto de vista de diversidade de género como de diversidade regional, profissional e institucional.”

Qual considera ter sido a mais-valia do seu currículo académico para o Millennium BCP?
Na vida académica, quer no ensino, quer na investigação, existem valores que são cruciais para o sucesso. São eles, na minha perspetiva, o trabalho, a independência e o compromisso. Acredito que estes valores são fundamentais para o sucesso de qualquer decisão profissional que tome.

Entre 2010 e 2014 dirigiu a Business School na Coimbra Business School. Em que medida as universidades podem beneficiar com equipas de liderança mais equilibradas?
Penso que as organizações em geral, e não apenas as instituições académicas, ganham com equipas de liderança mais equilibradas, não só do ponto de vista de diversidade de género como de diversidade regional, profissional e institucional. Hoje, numa época em que o conhecimento é um valor interdisciplinar, as diferenças tornam-se valências.

Qual considera ter sido o momento mais marcante da sua carreira?
Não sei se consigo individualizar um, mas o doutoramento foi , sem dúvida alguma, um momento marcante da minha vida profissional. A publicação da minha dissertação de doutoramento deu-me muita visibilidade. Penso que teve a ver com o tema em si, “impostos”, e com a escolha do titulo  do livro: “Quanto custa pagar impostos em Portugal”, que para nós portugueses “custa muito”.

“Declinar desafios profissionais interessantes são momentos difíceis. Já tive de o fazer.”

E aquele que se revelou o mais difícil?
Tomar decisões é um processo difícil. As variáveis em jogo, o tempo e a oportunidade das mesmas nem sempre se conjugam. Declinar desafios profissionais interessantes são momentos difíceis. Já tive de o fazer.

E a conquista profissional de que mais se orgulha?
Uma conquista profissional importante foi o reconhecimento do meu trabalho, com a atribuição do Prémio Professor Doutor António Sousa Franco, em 2010, e as participações em grupos de trabalho para a Política Fiscal portuguesa foram igualmente desafiantes. Mais recentemente, a entrada para a Comissão de Auditoria de um banco, como o Millennium BCP, permite fazer a ligação triangular universidade – empresa – sociedade civil.

Que fatores, atitudes ou características julga terem sido decisivos para o seu sucesso profissional?
Antes de mais, devo muito à minha família e às pessoas com as quais me fui cruzando ao longo da minha vida, que me reconheceram e, por isso, me deram oportunidades.  Depois, vem um conjunto de características que considero relevantes: a persistência, a honestidade, o trabalho e o rigor! E humildade! Só reconhecendo que podemos aprender mais é que progredimos!

“O Professor Xavier de Basto sempre me aconselhou a seguir a vida académica não de uma forma isolada, mas integrada na sociedade civil e no mercado empresarial. A universidade deve ser um ponto de ligação entre melhor conhecimento, melhores empresas, melhor sociedade e melhores pessoas.”

Qual foi o melhor conselho de carreira que recebeu?
De alguém que muito admiro, o meu orientador de mestrado e de doutoramento, o Professor Xavier de Basto. Sempre me aconselhou a seguir a vida académica não de uma forma isolada, mas integrada na sociedade civil e no mercado empresarial. No mercado, é importante conhecê-lo e fazer as pontes com as instituições de ensino superior. Na sociedade, a ideia assenta na lógica de “o conhecimento só faz sentido se for partilhado”; se ficar na “gaveta”, pouco contribuímos para a evolução de uma sociedade melhor. Por isso, a universidade deve ser um ponto de ligação entre melhor conhecimento, melhores empresas, melhor sociedade e melhores pessoas. Fico-lhe muito grata.

E aquele que deixaria a uma jovem que esteja a começar a sua carreira?
Em primeiro, escolher o que se gosta de fazer e fazer o que se gosta e, em segundo, nunca perder a capacidade de aprender com os outros.

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