Carla Rebelo: Um conselho não dado

Carla Rebelo, diretora mundial da área de recrutamento permanente da Adecco, escreve sobre a importância de fazer uma gestão eficaz do ego. "Ele é, ao mesmo tempo, o nosso maior obstáculo e a nossa maior esperança; podemos estar à sua mercê ou podemos aprender a moldá-lo", alerta.

Carla Rebelo é diretora mundial do negócio de recrutamento da Adecco.

Carla Rebelo é diretora mundial do negócio de recrutamento permanente da Adecco.

 

Algumas das características comumente elencadas nos job descriptions de funções de liderança apontam a necessidade de os candidatos perfeitos apresentarem boa capacidade de gestão de conflitos, gestão de mudança e ainda que implicitamente, a presença de uma atitude confiante.

Ainda com grande frequência, o mais valorizado em processos de recrutamento e seleção é ter uma personalidade forte, com características inabaláveis, ou seja, com uma sobrevalorização do que conhecemos como o ego.

Porém, o nosso ego é, ao mesmo tempo, o nosso maior obstáculo e a nossa maior esperança. Podemos estar à sua mercê ou podemos aprender a moldá-lo.

O que se diz então sobre a gestão do ego? Há um livro que nos vem obrigar a refletir de modo mais profundo no tema. Trata-se de Advice not givende Mark Epstein. Este livro identifica o ego como fator limitador e demonstra que dar rédea solta ao ego é sofrer e que, quando aprendemos a deixá-lo ir, somos livres.

Com um grande discernimento, Epstein oferece aos leitores um guia prático que recusa soluções imediatas, dedicado a maximizar o potencial humano para viver melhor. Trata-se de oferecer um referencial de atenção plena que encoraja as pessoas a ficar mais atentas ao seu ego. O autor vai mais longe e alerta até que o ego pode tornar-se um problema corrosivo.

Há, portanto, um conselho que raramente é dado, quer na formação quer no desenvolvimento tradicional do ser humano.  Pelo contrário, o conselho na sociedade ocidental é sempre, e o mais possível, no sentido de fortalecer esse ego. Não pensamos, de um modo geral, em formação específica para lidar com o ego, apesar de nos preocuparmos com gestão de conflitos, estes nunca são os conflitos internos. Fazemos, mais habitualmente nas empresas, investimentos em desenvolvimento de programas essencialmente na vertente da gestão emocional. Só que não resolvemos a causa raiz.

Então e a gestão do ego? O ego, e a sensação de insegurança, que em algum momento, o acompanha é um desconforto que todos compartilhamos. E o facto é que, embora o nosso ego afirme defender os nossos melhores interesses na busca incessante por atenção e poder, ele acaba sempre por sabotar, de uma forma ou de outra, os próprios objetivos que diz pretender atingir.

Ora, o ego é feito de vento e de rótulos. O ego é uma personalidade construída com base no caminho mais automático, enraizado na herança de um cérebro primitivo e que a evolução explica que permaneça dominante até aos dias de hoje direcionado pela necessidade de sobrevivência. Porém, o ego é também o que nos sufoca e nos limita as possibilidades que são por natureza infinitas.

Para os especialistas, o ego não é mais do que a associação de pensamentos, uma identidade temporária que dá ideia de ser definitiva. Significa ficar sempre preso ao passado. Urge, portanto, que aprendamos a mudar a nossa relação com o trinómio pensador-pensamento-rótulos, tratando de não limitar o ilimitado.

Ou, por outras palavras, ser uma inteligência livre do ego. Conquistar um espaço de liberdade, porque a mente é programada para ser rotulada, para sua eficiência energética.

Acertou uma vez mais Saramago, no seu livro O conto da ilha desconhecida, quando refere que “é preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não sairmos de nós.”

Porque o nível mais elevado de equanimidade decorre da habilidade de formar sensações pelo ato de auto – vigilância constante.

 

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