Carla Rebelo é diretora mundial do negócio de recrutamento permanente da Adecco.
Se há muito tempo que os dados são “o novo petróleo”, a que recurso escasso e precioso podemos equiparar a atenção? É consensual que os utilizadores não são os verdadeiros clientes das empresas de redes sociais. Quando as plataformas oferecem acesso a informação ou serviços gratuitamente, é porque são os utilizadores o seu produto, cuja atenção querem atrair e capturar.
No livro “Geração Ansiosa” de Jonathan Haidt o autor argumenta que uma combinação de superproteção parental, redes sociais e mudanças nas práticas educacionais está a criar uma geração emocionalmente mais frágil. O livro oferece uma reflexão profunda sobre como mudanças na sociedade moderna estão a impactar a saúde mental dos jovens e sugere caminhos para reverter essa fragilidade crescente. Foca sobretudo nos nascidos depois dos smartphones, o que, conjugado com a internet de alta velocidade cria uma “nova galáxia” onde estes jovens habitam.
Estamos a assistir já ao surgimento das chamadas epidemias sociogénicas, que são geradas por forças sociais (e não por causas biológicas) e que se disseminam através das redes sociais.
Os antigos aconselhavam-nos a sermos criteriosos na escolha daquilo a que nos expomos. Do ponto de vista espiritual, as redes sociais são uma doença da mente, uma vez que, cultivar a quietude da mente é importante, tal e qual como quem se protege das inundações trata de cuidar do dique.
A questão de fundo é que, queiramos ou não, os jovens são altamente condicionados por alguns vieses no seu processo natural de desenvolvimento cognitivo, base sobre a qual foram desenhadas muitas das estratégias de crescimento destas redes e plataformas, nomeadamente o viés de conformidade, que significa fazer o que todos os outros fazem, e o viés de prestígio, que consiste em imitar as pessoas que toda a gente admira. Com isto, a receita da manipulação da nova condição humana está instalada.
Pesquisas científicas revelam que para o ser humano o mau se sobrepõe ao bom e que a depressão é substancialmente mais contagiosa do que a felicidade ou a boa saúde mental. E também que as raparigas nas redes sociais são sujeitas, centenas de vezes mais, à comparação social do que alguma vez tinham experimentado em toda a história da evolução humana. Os rapazes por seu turno, são mais vulneráveis ao isolamento social. Os rapazes florescem quando têm um grupo estável de amigos de confiança, reais e no mundo físico.
No essencial, o autor aponta três elementos principais para a transformação perigosa a que estamos a assistir, e o pior, a maior parte das vezes de braços cruzados. São eles:
Superproteção e Resiliência – nas últimas décadas, a educação de crianças tem sido marcada por uma tendência à superproteção. O medo dos perigos e a preocupação constante em proteger os jovens de qualquer forma de desconforto emocional ou físico resultam na diminuição de sua capacidade de enfrentar adversidades.
As redes sociais como uma nova fonte de ansiedade – a constante comparação social e a pressão para parecer bem-sucedido ou feliz nesse mundo virtual amplificam os sentimentos de inadequação e insegurança, particularmente entre os adolescentes.
A cultura universitária atual promove a fragilidade emocional através da ideia de evitar qualquer forma de desconforto ou ofensa. A noção de que as pessoas devem ser protegidas de discursos ou ideias que possam ser desconfortáveis, impede os jovens de desenvolver habilidades de pensamento crítico e resiliência. Para além disso, contribui para uma maior polarização política, onde o debate e a troca de ideias são vistos como ameaças, em vez de oportunidades de crescimento intelectual.
Recuperemos então o básico: o biólogo evolucionista E.O.Wilson afirmou que os humanos são “biófilos”, o que significa que os humanos sentem a necessidade de se afiliarem com outras formas de vida. Por exemplo, comer é, possivelmente, a principal atividade corpórea que liga as pessoas. É um dos costumes humanos mais difundidos. É que as pessoas que partem o pão juntas têm um vínculo.
Em jeito de prescrição, conclui o autor que, em breve, todas as escolas terão que adoptar um novo programa de aprendizagem sócio-efectiva com formação em qualidades como a empatia e a confiança e ainda competências como a construção de relações e a tomada de decisões. Há que reduzir o excesso de proteção no mundo real, ajudando as crianças a desenvolver a sua antifragilidade. Quando depositamos confiança nas crianças elas elevam-se, relembra o autor do livro.
Como em tudo na vida, “um grama de prevenção vale um quilo de remédio”. E não nos esqueçamos que, em menos de uma década, ouviremos das empresas que não têm como lidar com o ónus desta reversão.
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