Carla Duarte: “Saber ouvir é essencial”

Segundo Carla Duarte, diretora industrial da Fábrica de Fertilizantes Setúbal da Vitas, é muito importante, quando se entra numa nova empresa, ouvir quem trabalha há mais tempo na unidade fabril, antes de implementar seja o que for.

Carla Duarte é diretora industrial da Fábrica de Fertilizantes Setúbal da Vitas.

Carla Duarte tem 46 anos e é licenciada em Engenharia de Produção Industrial. É diretora industrial da Fábrica de Fertilizantes Setúbal da Vitas, empresa do Grupo Roullier, sedeado em França, cuja atividade principal é a produção e comercialização de fertilizantes em vários países do planeta. Em mais de 20 anos de trabalho, Carla Duarte esteve sobretudo no sector da fabricação de eletrodomésticos e depois no automóvel, antes de entrar na Vitas, onde está há seis anos. Diz que, na sua carreira, não sentiu necessidade de fazer nenhum curso de especialização, porque foi aprendendo com a experiência que adquiriu nas empresas e com os colegas no dia a dia. Para Carla Duarte tudo tem solução. Por isso, quando se encontra perante um problema que não consegue resolver, procura sempre ajuda junto de quem a pode apoiar.

 

De que forma é que a sua formação a tem ajudado ao longo do seu percurso?

Fiz Engenharia de Produção Industrial na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT). Tinha-me inscrito, com uma amiga, em todos os cursos de Engenharia da FCT que pude, tendo como primeira opção a Informática, o ramo que tinha feito no 12º ano.

Começámos a frequentar a especialidade com o fito de mudar para aquilo que queríamos, informática, no segundo ano, já que, no primeiro, as cadeiras eram comuns. Mas gostei do que estava a aprender e vi que era uma especialidade que dava acesso a várias áreas do setor industrial, incluindo a logística, qualidade, produção, processo e muito mais, e tinha muita empregabilidade. Por isso, continuei.

Depois, ao longo da carreira tive sempre a felicidade de contar com o apoio de colegas da minha escola que ia encontrando, e também de outros colaboradores, sempre que entrei em novas empresas. Isso facilitou sempre a minha vida profissional.

 

“Já mudei porque não me sentia bem na empresa e até fui ganhar menos.”

Quais foram os momentos mais desafiantes da sua carreira e quais as principais lições que retirou deles?

Os principais desafios da minha carreira decorreram quase sempre das mudanças de local de trabalho que tive de ir fazendo em 23 anos de atividade. Num dos casos tive do o fazer quando a fábrica onde trabalhava fechou. É sempre um desafio estarmos numa empresa há alguns anos, onde gostamos de trabalhar, do seu ambiente e das suas pessoas, e até criámos um grupo coeso de amigos, quando sentimos que há algo que não está a caminhar bem, sobretudo quando já temos encargos familiares.

Numa das outras vezes, mudei porque não me sentia bem na empresa, e até fui ganhar menos. No fundo, quando o fazemos procuramos algo melhor, e isso nem sempre significa mais dinheiro.

No local de trabalho há sempre desafios diferentes. O que temos de fazer é não ter medo de pedir ajuda quando a resolução não está ao nosso alcance, porque tudo se resolve. Tudo tem solução.

Em que é que consistem as suas funções atuais?

Sou diretora industrial da fábrica de fertilizantes de Setúbal da Vitas, que ensaca adubos, que chegam a granel, para depois serem misturados, seguindo fórmulas pré-estabelecidas, e embalados. Esta unidade tem apenas oito pessoas, incluindo operadores e técnicos de manutenção e logística. Por isso, acabo por fazer um pouco de tudo, sempre com o apoio dos escritórios centrais da empresa, que ficam em Lisboa, onde fica a contabilidade, os recursos humanos e a área comercial.

Na fábrica faço o planeamento de produção, aprovisionamento e gestão de stocks, logística, qualidade do produto e envio para os clientes e também a gestão dos recursos humanos, incluindo as entrevistas de recrutamento. Mas as minhas funções têm, sobretudo, a ver com a produção e logística.

Quais são os principais desafios do seu dia a dia?

O meu principal desafio é manter uma equipa motivada a trabalhar, pois não é fácil fazer isso nesta indústria, porque é um trabalho duro, feito num ambiente que tem um cheiro intenso, onde há algum pó no ar. Estamos todos protegidos, mas não é fácil andar equipado e com uma máscara durante o verão, por exemplo. Para além disso, quando falta alguém ou está de férias, temos de ser polivalentes.

 

“É preciso saber ouvir quem está há mais tempo no local quando chegamos a um novo trabalho.”

Qual é a parte mais aliciante do seu trabalho?

Já trabalho há 23 anos e o mais aliciante tem sido a aprendizagem em todos os locais onde trabalhei, o conhecimento que adquiri sobre os processos praticados em cada uma das empresas. Por mais diferentes que as indústrias sejam, um processo de fabrico é um processo de fabrico. Pode ser mais ou menos complicado, implicar o envolvimento de mais ou menos gente, mas não muda muito. O aliciante é percebê-lo, conhecê-lo e procurar formas de o melhorar, para que se processe mais rapidamente e com melhor qualidade de trabalho para quem que desempenha as funções. Por vezes, há apenas pequenos pormenores que podem ser implementados para fazer a diferença, como encontrar formas de as pessoas não trabalharem tão curvadas ou esticadas. Isso, para mim, é a parte mais aliciante do meu trabalho.

Quais são as competências mais importantes para exercer o seu cargo?

Mais importante que a formação académica, é preciso saber ouvir quem está há mais tempo no local quando chegamos a um novo trabalho.

Na empresa onde estive primeiro, a fábrica da Indesit em Setúbal, que infelizmente fechou, algumas pessoas já lá trabalhavam há cerca de 30 anos quando entrei. O choque geracional foi grande, porque alguns não aceitaram que uma miúda que chegava da faculdade, e tinha 20 e poucos anos, fosse para lá mandar bitaites e achasse que sabia mais do que quem lá estavam há tanto tempo. Foi lá que aprendi a saber ouvir e ter em conta a opinião dos outros para implementar as minhas ideias. É mais fácil as pessoas aceitarem as mudanças se fizermos isso. Talvez por ter passado a ter esta forma de agir, as minhas equipas costumam dizer-me que gostam de trabalhar comigo.

Quais são os principais princípios da boa gestão de uma unidade industrial como a da Vitas, tendo em conta as principais contingências que afetam o mercado de fertilizantes? O que é que é necessário assegurar?

Desde que a guerra se iniciou na Ucrânia, que tem havido falta de fertilizantes. Em paralelo, houve um aumento brutal do preço das matérias-primas, que poderá condicionar a resposta da empresa às encomendas. Por isso é necessário controlar os stocks, não só das matérias primas que nós formulamos e ensacamos, mas também de outros produtos do Grupo Roullier, que nós apenas tratamos logisticamente. É um trabalho feito em conjunto com a equipa comercial, dado que produzimos de acordo com o que perspetiva vender.

 

“Hoje apenas há mais homens que mulheres nos postos de trabalho do sector em que seja necessário mais trabalho físico.”

Hoje já há muitas líderes na área da produção industrial?

Todas as minhas amigas trabalham na área, em cargos de gestão, e são, em muitos casos, lideradas também por mulheres. O sector tem o aliciante de o salário ser bom, mas é preciso ter o gosto pela engenharia e todas as áreas que abrange. Outro fator de atratividade da indústria é liberdade de movimentos que temos, pois não estamos tão agarradas a uma secretária como acontece noutros sectores.

Quando entrei na faculdade, em 1995, havia mais homens que mulheres na minha turma. Mas a tendência foi-se invertendo ao longo dos anos. Hoje apenas há mais homens que mulheres nos postos de trabalho do sector em que seja necessário mais trabalho físico. É verdade que não consigo levantar e transportar um saco de 25 kg. Mas faço guias de saída, oriento o coloco muitas vezes os sacos para alimentar a máquina de enchimento, um trabalho de braço que já fazia também noutros lugares onde trabalhei. Aqui na Vitas, como somos poucos, temos de ter espírito de entreajuda, sobretudo quando há menos pessoas a trabalhar quando alguém está de férias, por exemplo.

Que conselho daria a uma jovem que quer fazer carreira nesta área?

Saber ouvir desde o início. E não ir com ideias preconcebidas em relação ao que vai fazer e/ou implementar para um novo local de trabalho. Não se deve fazê-lo sem ouvir quem lá está e tem mais experiência naquela atividade, mesmo que seja um operador com pouca escolaridade. Pode saber muito mais do que quem acaba de chegar.

 

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