Ana S., descobriu que tinha cancro da mama, depois de uma mamografia e ecografia de rotina. Saudável e sem queixas de saúde, aos 46 anos, tudo mudou na vida desta advogada, mãe de um filho, no auge da sua carreira. Catarina Rodrigues Santos, cirurgiã-geral da CUF Oncologia do Hospital CUF Descobertas e coordenadora da Unidade da Mama da CUF, partilhou esta história fictícia, que “poderia ser de qualquer uma de nós”, na sua palestra sobre “Cancro da mama: prevenção e tratamento”, na Executiva Women’s Health Conference., a primeira conferência realizada pela Executiva sobre temas da saúde da mulher e como impactam a sua carreira e vida pessoal.
Muito frequente e prevalente, estima-se que “1 em cada 8 mulheres possa ter cancro da mama ao longo da sua vida”, alerta Catarina Rodrigues Santos, salientando que, em Portugal, registam-se todos os anos cerca de 7 mil novos casos e 1800 mortes. Mas nem tudo são más notícias, esclarece, “apesar do aumento da incidência, não é uma doença fatal, e tem havido uma redução da mortalidade associada ao cancro da mama.”
A sobrevivência tem vindo a aumentar devido a uma melhoria na deteção precoce e à evolução nas terapêuticas. “Não há dúvida, que o rastreio e a prevenção são talvez a principal arma para a deteção da doença e redução da mortalidade por cancro da mama”, afirma a especialista destacando a importância do rastreio da Liga Portuguesa Contra o Cancro, que é feito, através de uma mamografia a todas as mulheres assintomáticas, entre os 50 e os 69 anos, a cada 2 anos, embora as mais recentes recomendações mundiais indiquem que se deve começar a fazer este exame a partir dos 40 anos. “Se identificarmos lesões em fase inicial temos a expetativa de criar impacto na sobrevivência, ou seja, na redução da mortalidade associada.” Acresce ainda uma melhoria na qualidade de vida e redução de custos associados aos tratamentos. “Se a lesão for detetada precocemente, mesmo sendo já um tumor, de 1cm, que não tem disseminação nenhuma, o tratamento pode ‘limitar-se’ a uma cirurgia, fazer radioterapia ou hormonoterapia, em que a vida da mulher tem o potencial de parar apenas dois meses, ter pouco impacto destes tratamentos e retomar depois a sua vida”, explica. “Detetar a doença numa fase mais avançada, poderá implicar uma cirurgia mais agressiva, quimioterapia e sequelas deste tratamento que duraria, pelo menos, um ano.” O impacto dos custos para a saúde, a nível pessoal e para a sociedade, são também um fator de peso nesta equação, como revelam as conclusões de um estudo canadiano citado por Catarina Rodrigues Santos: “é incomparavelmente caro, tratar um tumor numa fase mais avançada versus fase muito precoce.”
“Ter uma segunda opinião é perfeitamente legítimo, mas a partir do momento em que têm uma proposta de tratamento e confiam nela, devem segui-la até ao fim. Não é recomendável nem resulta bem andar constantemente a mudar de equipa, mudar de plano e estratégia, a menos que seja estritamente necessário, porque alguma coisa assim o justifica”, Catarina Rodrigues dos Santos.
Para esta especialista, “a inovação é uma pedra elementar no percurso do cancro da mama”, sendo fundamental ajustá-la à realidade e informar as pacientes. “Muitas das terapêuticas que utilizamos no tratamento desta doença começaram a ser estudadas em laboratório há menos de 10 ou 15 anos, e hoje em dia, fazem parte da prática clínica. É, efetivamente, um tipo de tumor onde rapidamente passamos da investigação à clínica”, explica esta médica cirurgiã, salientando que “uma mulher tratada aqui, seja num hospital público ou privado, tem acesso às principais inovações que estão disponíveis globalmente.” Chama a atenção para o facto de muitos dos fármacos mais inovadores de que tanto se fala terem uma aplicação muito restrita, dando como exemplo a imunoterapia, “o mais noticiado e que está relacionado com o cancro da mama não metastizado, que só se aplica a um subgrupo de pacientes, os triplos negativos, que corresponde a menos de 10% do total de tumores.”
Considerando ser um direito e um dever das pacientes procurar inovação, reconhece que “isso deva passar por procurar uma equipa multidisciplinar, porque ninguém trata desta doença de forma isolada.” E acrescenta: “ter uma segunda opinião é perfeitamente legítimo, mas a partir do momento em que têm uma proposta de tratamento e confiam nela, devem segui-la até ao fim. Não é recomendável nem resulta bem andar constantemente a mudar de equipa, mudar de plano e estratégia, a menos que seja estritamente necessário, porque alguma coisa assim o justifica.”
Para que as mulheres com cancro de mama possam conquistar, desde o início, uma maior qualidade de vida, porque vão sobreviver mais anos, “temos de pensar na reconstrução ou no melhor resultado funcional e estético, após uma cirurgia”, afirma, lembrando que a “cirurgia da mama evoluiu bastante, à semelhança da quimioterapia e dos métodos de imagem”, sendo possível fazer “cirurgias menos agressivas e com muito menos sequela”, o que considera ser também um aspeto de inovação. Por isso, sublinha que “sempre que possível não propomos uma mastectomia, propomos o que se chama uma cirurgia conservadora, tirar apenas parte da mama e para tentar não deixar sequelas muito evidentes, fazer a reconstrução imediata da mama. Aos dias de hoje, não há razão para não procurar uma reconstrução imediata, no momento do tratamento do cancro.”
Quando o cancro está muito próximo
Cláudia Lourenço, diretora-geral da Procter & Gamble, Catarina Abreu, oncologista do Hospital de Santa Maria, e Cristina Pereirinha, fundadora da revista Onco Glam, partilharam a sua experiência de proximidade com o cancro. Para a oncologista Catarina Abreu uma doença crónica é por definição uma doença que se mantém ativa, que pode ser recorrente, precisa de tratamento ou monitorização, podendo limitar de alguma forma a qualidade de vida. “No cancro da mama temos vários subtipos, e quando generalizamos, podemos estar sempre a pecar por defeito ou excesso”, explica esta especialista na sessão “Cancro da mama, e depois?”, salientando que apesar de não ser possível garantir uma cura, “em alguns tipos podemos falar de uma cura ao fim de 5 ou 10 anos, por ser raro haver recidivas.” A forma como cada pessoa com cancro da mama encara a doença é importante no processo e caminho da cura, mas também pode ser um fator de pressão sobre os doentes. “Por vezes, naquela fase, pôr esse peso só na pessoa pode ser complicado, porque não depende apenas dela, mas de toda uma série de circunstâncias que podem impactar na própria vivência do cancro, como o apoio familiar, o acompanhamento, a disponibilidade”, refere. Destaca ainda que há fatores que podem ser implementados para reduzir os riscos de recidiva e de diagnóstico, e também para melhorar os efeitos secundários do tratamento, como a prática regular de exercício físico, uma alimentação equilibrada, “sem entrar no nível de exagero”, e o controle de peso. Mas alerta para o facto de poder estar tudo a ser feito corretamente e a doença não evoluir como se esperava, “e isso não tem de ter uma carga negativa para a pessoa, porque cada uma faz o que pode e consegue com o que tem.” Ao longo da sua prática clínica observa que quem vive com esta doença muda toda a sua perspetiva de tempo e prioridades, “se calhar deixavam muita coisa para amanhã e vejo que as prioridades voltam a formar-se.” Os tratamentos deixam marcas físicas e psicológicas. A queda de cabelo nas mulheres que fazem quimioterapia, impacta muito a imagem, e “esse impacto que pode ter nos outros é a face visível da doença.” E, se para algumas mulheres que esta médica tem acompanhado, a opção é não trabalhar para se focarem no tratamento, outras há que precisam de continuar a trabalhar “para manter a normalidade e as rotinas.” Muitas conseguem fazê-lo, o que só é possível “quando se tem um trabalho que possibilite disponibilidade para consultas, tratamentos, análises, tempos de espera, para dias em que não se está bem.”
“Fiz os meus tratamentos como achava que devia ser, com os meus vestidos, as minhas lantejoulas. O cancro não é bonito, mas nós podemos ser!”, Cristina Pereirinha.
Um diagnóstico de cancro é aquela notícia que nunca esperamos ouvir. Aos 43 anos, Cristina Pereirinha, fundadora da revista Onco Glam, “achava que vendia saúde” quando descobriu que tinha cancro da mama, dos mais agressivos, “um triplo negativo com duas metástases.” Acreditando que nunca mais teria de lidar com o cancro na sua vida, depois de ter terminado os tratamentos, confessa que não estava preparada para receber mais dois diagnósticos da doença – no pulmão, no final do ano passado e, na cabeça, seis meses depois. Dona de uma energia e otimismo que contagiaram a plateia, contou nesta conversa, como o cancro foi transformador na sua vida, “trouxe-me consciência de mim”, tendo sido a razão maior para continuar ativa e fazer nascer a Onco Glam, em conjunto com uma “oncofriend“, Beatriz Viegas, que a desafiou a fazer “uma revista que nos dignifique e que a doente oncológica tenha gosto em levar para os tratamentos.” Foi todo um caminho de aprendizagem, “nunca tínhamos feito uma revista na vida. Sou empresária, designer e tenho uma gráfica, o que ajudou, assim como o facto de a Beatriz ser formada em comunicação social”, diz com orgulho. Apaixonada por moda, não quis abdicar do glamour e do brilho na sua vida, mesmo estando doente e, por isso, entrava no hospital como se fosse para uma festa: “fiz os meus tratamentos como achava que devia ser, com os meus vestidos, as minhas lantejoulas.” Fazia-lhe bem toda esta mise-en-scène, mesmo nos momentos mais difíceis. “O cancro não é bonito, mas nós podemos ser”, remata.
Cláudia Lourenço, directora geral da Procter & Gamble, foi doente oncológica e soube da doença quando tinha acabado de ter a quarta filha e de ser promovida. E o que seguiu foi um verdadeiro carrossel de emoções, que, afirma, resolveu de forma privada. “Pensei, Jesus, como é que vou criar quatro filhos? Quando recebi a proposta para liderar a organização, não sabiam que isto estava a acontecer-me e eu nem sabia se devia aceitar, e por quanto tempo. Foram muitas decisões em simultâneo, mas nove anos depois estou aqui”, explica, referindo com inegável orgulho que a empresa que comanda “tem na origem uma filosofia com a qual eu me identifico, que é colocar as pessoas no centro.” Ainda que ninguém consiga estar “nos sapatos do outro”, é fundamental liderar com empatia. Por isso, quando algum colaborador está a viver uma doença oncológica, “lidamos com a situação de forma inclusiva, ou seja, adaptada a cada pessoa, e da maneira que cada uma precisa e deseja”, garantido que terá “aquilo que não é mais do que a nossa obrigação: tempo e segurança”. “Tem o tempo que precisar para tratar da sua situação e tem a segurança que volta para uma empresa que a vai acolher de braços abertos. A jornada também é feita de mãos dadas e queremos que os regressos se materializem.” Na opinião desta executiva “ninguém deve passar, em nenhuma circunstância, estar de baixa e ganhar menos dinheiro, que é quando precisa mais, e obviamente que fazemos a compensação financeira para garantir que ficam com os recursos necessários.”
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