Vinho e vinhas da Madeira

A Ilha nunca me cansa, tal como a companhia de um Vinho da Madeira, que tenho sempre em casa para alguns finais de dia. Desta vez provei os da Casa Barbeito, com boas surpresas, e fui descobrir lugares escondidos das suas vinhas. 

Há rituais que não me canso de repetir no Funchal, como o usufruto de uma cervejinha artesanal na Beerhouse, na companhia dos indispensáveis tremoços, a apreciar a vista da cidade a trepar encostas acima. O prazer intensifica-se ainda mais quando o lusco-fusco do final de tarde faz acender as luzes das casas, aumentando o charme da paisagem.

Cores e Aromas do Mercado dos Lavradores, no Funchal.

Mercado dos Lavradores

Também gosto de fazer uma jornada pedestre pela manhã até ao Mercado dos Lavradores, quase sempre pela Avenida Arriaga para sentir o movimento das pessoas. Por lá vou deambulando devagar pelas bancas de frutas e cheiros, parando para comprar qualquer coisa, só porque sim. Depois é uma olhadela às bancas do peixe, antes de voltar ao local de pernoita, porque é preciso sair para o trabalho.

Desta vez fiquei no Casino Hotel, edifício onda suspenso sobre espaço ajardinado, criado pelo grande arquiteto Óscar Niemeyer, o homem que imaginou Brasília e uma boa parte dos seus edifícios mais carismáticos.

Não costumo falar de hotéis, até porque apenas preciso de um quarto limpo com casa de banho, uma cama confortável e uma boa almofada, para me sentir bem. Mas a sala de jantar e de pequenos-almoços desenhada por Óscar Niemeyer, com a sua parede de vidro para os jardins, piscina e oceano Atlântico, é uma obra de arte única e surpreendente. Principalmente para quem desce, pela primeira vez, a rampa de acesso do piso térreo para a grande sala, e dá de caras com o cenário.

Hotel Casino Park, no Funchal, uma obra de Óscar Niemeyer.

Nos dias em que lá estive, não me cansei de usufruir e olhar todos os pormenores da paisagem que a parede envidraçada deixava ver, de todas as vezes que desci para o pequeno-almoço: as águas da piscina a confundirem-se com as do mar e o céu ligeiramente nublado, as Ilhas Desertas ao fundo.

Estava ali, com mais uma mão cheia de colegas, para rever Ricardo Diogo Freitas, enólogo e presidente do Conselho de Gerência da Vinhos Barbeito, para uma nova visita à casa.

Vinhas e hortas

Para além de irmos conhecer os seus novos vinhos, iriamos até algumas das vinhas das castas Sercial, Bastardo e Verdelho que lhes dão origem. Ficam a norte e no sul da ilha, algumas tão alcantiladas que só se consegue fazer o maneio ali com cordas a cintura, para segurança. É o que acontece na vinha de Bastardo de S. Jorge, que foi ponto de partida para um passeio pedonal por vereda sedutora, que envolve pequenas hortas cobertas por latada de vinha e originou muitas pausas para fotos antes de partirmos para o repasto no interior da ilha, em S. Vicente. Tinha como estrela uma espetada em pau de louro, na companhia de umas semilhas (batatas) muito saborosas, na cabana do José Carlos, o responsável pela refeição.

As brasas a temperar a carne da Espetada madeirense em S. Vicente.

O dia anterior tinha sido de visita às instalações da Barbeito e prova dos novos vinhos, com destaque para o mais recente topo de gama, o Malvasia 50 Anos – O Japonês, criado em homenagem a Yasuhiro Kinoshita, presidente, na época, da que é hoje a Kinoshita International Company, distribuidora dos Vinhos Barbeito no Japão e detentora de 50% do seu capital. “Foi, sem dúvida, uma pessoa com grande influência na minha entrada para a Vinhos Barbeito e no rumo da empresa até os dias de hoje”, explica Ricardo Diogo Freitas. Formado em História pela Universidade de Lisboa, estava, na altura, a dar aulas enquanto trabalhava na casa da família em part-time. Decorria o ano de 1989 quando a mãe lhe pediu para ser intérprete na negociação com os atuais sócios japoneses, que só se concretizou dois anos depois.

Na altura, devido à opção pela comercialização de vinhos a granel, a baixo preço, “só vendíamos 180 mil garrafas por ano, contra as 400 mil atuais, e estávamos completamente falidos”, explica Ricardo Diogo, para justificar a necessidade de venda de 50% do capital da empresa, para o negócio criado na década de 50 pelos seus antecessores poder continuar.  Tinha 27 anos, conhecia bem a empresa e a entrada no Conselho de Gerência da Barbeito foi uma exigência dos sócios japoneses, para assinarem o acordo.

A Casa Barbeito

Fundada em 1946 pelo avô, Mário Barbeito de Vasconcelos, a Vinhos Barbeito foi sempre gerida por membros da família. Na altura da sua fundação existiam mais de 30 empresas a produzir e a exportar Vinho Madeira, enquanto hoje são pouco mais que meia dúzia. Passo a passo, o avô de Ricardo Diogo Freitas foi ganhando clientes em muitos países, com base na construção de relações sólidas e próximas. De tal forma, que alguns dos atuais clientes e fornecedores ainda se mantêm.

Ricardo Diogo Freitas, presidente da Vinhos Barbeito.

A nova adega da Vinhos Barbeito foi construída em 2008, com o apoio de fundos comunitários. Nela, Ricardo Diogo Freitas tenta aproveitar o máximo daquilo que a Natureza dá. “O processo de vinificação é feito de bica aberta. Faço os controlos de fermentação e travo-a no ponto de açúcar desejado. Contrariamente a outros produtores, não deixo os vinhos fermentarem na totalidade, por que isso implica a adição, a posteriori, de mosto concentrado”, revela. Em 2010, a Revista de Vinhos atribuiu a Ricardo Diogo Freitas, da empresa Vinhos Barbeito, o prémio de Enólogo do Ano na categoria de Vinhos Generosos.

Ricardo Diogo Freitas diz que teve que teve grande influência do avô, que tinha uma grande biblioteca e era uma pessoa muito interessada em História. “Foi neste campo que o comecei a acompanhar”. Depois passou a trabalhar com ele nas férias, períodos onde foi conhecendo a empresa e as suas pessoas. Trabalhava no escritório, na parte de produção, na altura a colocar rótulos à mão, garrafas nas caixas, transferir vinho, “fiz tudo”, conta.

Os novos vinhos da Barbeito.

No dia em que estive na Barbeito, provámos dois dos vinhos velhos que deram origem ao “Japonês”, um de final de 1890 e outro dos anos 50, e apenas o primeiro tinha alguma graça. Depois de os misturarmos, conforme sugerido por Ricardo Diogo, algo de muito diferente surgiu, para muito melhor. Depois da prova de todos os vinhos lançados, tinha chegado a hora de partida para visita ao norte da ilha.

O Sercial da Lage

A vinha da casta de Sercial da Lage pertence à família de Manuel Eugénio Fernandes, fornecedor de uvas de uvas desta casta desde a fundação da Barbeito, em 1946, até 2003, data em que faleceu com a provecta idade de 97 anos. Como muitas outras da ilha, mais parece um canteiro de uvas de encosta, com uma bela vista para o alcantilado bem próximo da praia da Laje.

A vinha de Sercial da Lage esconde-se em encosta junto ao mar.

É desta vinha que saem alguns dos melhores vinhos Sercial desta casa, incluindo o Frasqueira 1993 Manuel Eugénio Fernandes, uma homenagem da casa e um dos vinhos que mais gostei na prova que fizemos. No repasto que se seguiu, cozinhado por uma das suas netas e usufruído na antiga adega da casa da família deste homem de negócios, fomos conhecendo algumas histórias da sua história, sobretudo as das jornadas que tinha de fazer, a pé e de embarcação, até ao Funchal para estar com clientes e fornecedores.

É difícil de imaginar as viagens das pessoas numa Ilha de Madeira sem estradas, pelos vales estreitos e encostas declivosas, belos, mas muito mais agradáveis de se usufruir com a vista, na companhia de um cálice de Vinho da Madeira numa mão e de alguns frutos secos noutra.

VINHOS EM DESTAQUE

Barbeito Malvasia 50 Anos o Japonês 

Casta: Malvasia

Número de garrafas: 600

PVP: 490 euros

Classificação: 20/20

Este Vinho da Madeira mostra um aroma elegante, complexo, com notas de turfa, mel, verniz, rebuçado e fruto seco e ligeiro vinagrinho. Na boca é fresco e elegante, seco e longo. Um vinho com história, personalidade e distinção.

 

 

Barbeito Frasqueira Sercial 1993 Manuel José Fernandes 

Casta: Malvasia

Número de garrafas: 640

PVP: 270 euros

Classificação: 19/20

Aroma fresco, com mineralidade, mesmo salinidade, e algumas notas de madeira, verniz, frutos secos e fruta branca cozida. Na boca é concentrado, com uma nota salina agradável e mostra uma bela acidez e boa persistência.

 

Publicado a 20 Fevereiro 2020

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