Encontro com as paisagens, aromas e sabores da Croácia

Estar ali a ver o sol a desaparecer lentamente no horizonte, naquela ponta baixa da praia rochosa de Parentium, na Croácia, fez-me sentir mais uma vez privilegiado, como acontece quando estou perante um dos espetáculos únicos que a natureza oferece. Os sons das pequenas ondas do Adriático, que iam batendo nas pedras, acrescentaram ainda um pouco mais àquele momento de bem-estar naquele final de dia na Região de Porec, na Croácia.

Estava ali depois de ter passado a maior parte da manhã a provar vinhos no Concurso Mundial de Bruxelas, que este ano decorreu na Croácia. Tinha tido a sorte de a equipa da minha mesa – para além de mim um italiano, Luca, que já conhecia de outras viagens, um produtor esloveno, um docente japonês e uma alemã, Nicole, a nossa presidente – ter sido uma das melhores onde participei. Pela homogeneidade das classificações que foram sendo dadas aos mais de 150 vinhos, de quatro continentes, provados em três dias, mas também pelo relacionamento fácil e cordato entre os cinco jurados da mesa. No princípio da tarde estava, por isso, com aquela disposição que se tem a seguir a uma manhã de trabalho intensa e proveitosa, pronto para descobrir melhor a zona onde estávamos.

Ao por do sol de Parentium, na Região de Porec, Croácia, juntam-se os sons das pequenas ondas do Adriático para acrescentar mais um pouco de beleza ao momento.

Uma bela sandes de atum

Nesse dia tinha decidido explorar um pouco Porec, cidade costeira da península da Ístria, o que fiz na companhia de alguns colegas portugueses, um enólogo da região dos Vinhos Verdes, a responsável da área de vinhos de uma grande cadeia de distribuição nacional, e uma jornalista, como eu.

Primeira havia que comer. Como habitual, tinha feito previamente um estudo sobre o local e à escolha do Bacchus, pequeno tasco familiar situado nas ruas estreitas da cidade velha, onde bem lembro de ter bebido uma cerveja croata na companhia de um risotto com trufas e bastante queijo, que apreciei devagar porque estava bem saboroso. A mesa alta, a simpatia dos anfitriões e a boa companhia dos meus colegas tornou ainda mais agradável um momento bem passado.

Mas o principal objetivo dessa tarde era a vetusta Basílica Eufrasiana, por ser o monumento que é património da Unesco. Fomos até lá, mas não entrámos porque estava a decorrer uma cerimónia de casamento e o templo estava cheio de gente. Tirámos algumas fotos exteriores e continuámos.

Mas foi bom percorrer o litoral da pequena península onde fica a cidade, parando de vez em quando para olhar de novo para a paisagem ou entrar nas suas lojas de recordações e de doces coloridos, onde não resisti a comprar um chupa com as cores do arco iris. E não deixei de ir ao Tunaholic Fish Bar, já que tinha lido alguma informação sobre esta espécie de fast food de sandes de atum, e fiquei com vontade de provar a sua comida. Optei por um Tunaholic burger, uma maravilha deliciosa que leva pão de hambúrguer preto, bife de atum, maionese de wasabi, salada iceberg, rúcula, geleia de cebola, queijo parmesão, tomate, abóbora grelhada, feijão verde e azeite balsâmico. Levei-o para o quarto de hotel e saboreei-o bem devagar, como todas as coisas boas o devem ser. Depois, foi hora de sair para descobrir o resort onde ficava o nosso hotel e ir até ao mar, onde não resisti a ficar a ver o por do sol.

Opatija é a cidade turística mais antiga da Croácia, e a mais bela por onde passei. Felizmente é proibido alterar os edifícios antigos, o que ajudou a manter a beleza do sítio.

 

As flores dos jardins de Opatija estão constantemente a ser mudadas para lhes acrescentar um pouco mais de cor, mesmo no inverno.

As flores de Opatija

Uma das coisas que aprendi, na minha viagem por terras croatas, é que se come bem. Os queijos são bons, tal como os enchidos, principalmente aqueles que levam um pouco de trufa na sua composição, e a comida é geralmente bem cozinhada, com produtos frescos e agradáveis. De entre as várias dezenas de vinhos que provei, gostei da maior parte dos brancos, a maioria deles suave, fresca e elegante, como os vinhos que comprei e destaco abaixo, e, por isso, companheiros de pratos de peixe e marisco mais simples. Também de vários rosés e espumantes e um pouco menos dos tintos. Mas foi bom provar e aprender, até porque pretendo voltar ao país para umas férias um pouco mais longas, e é bom, para português que se preze, saber que a comida dos países onde vamos tem aromas e sabores agradáveis e há opções para muitos gostos.

Cerca de uma hora e meia mais abaixo de Porec fica Opatija (Abadia, por lá ter havido uma em tempos distantes), a cidade turística mais antiga da Croácia, e a mais bela por onde passei. Ainda hoje as flores dos seus jardins estão constantemente a ser mudadas para lhes acrescentar um pouco mais de cor, mesmo no inverno e, felizmente, é proibido alterar os edifícios antigos, o que ajudou a manter a beleza do sítio.

Fica no sopé da serra de Ucka, com vista para o Adriático e por ali não havia nada até ao início do século 19, a não ser a floresta característica deste país, que foi quase omnipresente em toda a viagem.

Tudo mudou quando um homem rico da cidade de Rijeka, cidade que fica bem perto, decidiu fazer um passeio de fim de semana no seu veleiro pela costa e se apaixonou pelo sítio. Como era homem de muitas posses, construiu ali uma mansão para si e para receber amigos.

Como acontece em muitos sítios belos da natureza, mais casas foram surgindo apesar de o lugar ter-se mantido exclusivo devido ao difícil acesso, até ao final do século 19. Segundo o guia que conduziu os nossos passos pela cidade nesse dia, foi, por essa época, que os responsáveis pela companhia de caminho de ferro que ligava Triestre, na Itália, a Rikeja, decidiram investir na construção do então Hotel Quarnero e atual Hotel Kvarner, à beira mar, ao estilo das obras do centro e norte da Europa, aberto em 1884.  O objetivo, que teve resultado positivo, foi levar mais pessoas a andar nas composições que percorriam esta linha, que até então eram em número pouco significativo.

 

O vento forte e irrequieto que sopra de vez em quando no país, o Bura, levanta as ondas de tal forma que não permite a travessia entre a ilha Krk e o continente.

Tempestade em Krk

Depois foi mais um, outro e outro, num conjunto de edifícios de charme preservados, que vale a pena ver, nesta cidade que foi declarada estância balnear em 1889 e se tornou um pouco mais tarde no primeiro resort de saúde do Adriático. Segundo, de novo, o nosso guia, nessa altura tudo era possível, desde tratamentos placebos apenas com água, a banhos de iogurte e outras coisas estranhas. Já nessa altura as pessoas pagavam qualquer coisa em busca de uma beleza sonhada.

O final da tarde e a noite foram passados mais a sul, na ilha de Krk, onde visitámos alguns produtores para provar os seus vinhos e azeites e fomos recebidos, como habitual, em cada um deles, com uma mesa farta de azeitonas, tomate, queijos, enchidos e pão, a que foi impossível resistir. Gostei sobretudo dos vinhos da casa Ivan Katunar, em Vrbnik, terra onde pernoitámos. Mas o melhor mesmo desse dia foi o jantar, os petiscos do Nada, um restaurante onde gostei muito de comer ao som do canto Klapa, música cantada à capela e, nesse dia, por um grupo de seis homens.

As canções deste tipo de música, cuja sonoridade faz lembrar a de algumas músicas mexicanas, contam histórias de amor, da vida no país e nas ilhas de onde são os grupos, do mar e do vinho e uvas, entre outros. Os tópicos das músicas podem ser simples, mas a experiência e a técnica são complexas e a harmonia como as vozes dos tenores, barítonos e baixos se integram é excecional e muito interessante, o que levou a calar os comensais sempre que atuaram durante o repasto.

O canto Klapa, música tradicional croata cantada à capela, tem uma sonoridade que faz lembrar a de algumas músicas mexicanas e conta histórias de amor, da vida no país, do mar e do vinho e uvas.

Num final da tarde na ilha de Krk provámos um belo espumante do restaurante Nada, na sua esplanada. Seguiram-se uma salada de polvo, sardinhas fritas albardadas de escabeche, camarõezinhos fritos e húmus, antes do prato principal, um belo filete de robalo.

No dia seguinte o mar contrastava com o da calmaria de ontem. O vento forte e irrequieto que sopra de vez em quando no país, o Bura, levantou as ondas de tal forma que não pudemos atravessar a ponte entre a ilha e continente para continuar a jornada durante a manhã. Por isso fizemos uma pausa e fomos até Malinska, pequena cidade do seu litoral, para visitar o seu centro pequeno centro de interpretação marítima, onde ouvimos um pouco sobre a história da ligação das gentes da ilha e da cidade ao mar. Depois foi uma pausa na chuva para uma sopa e pasta recheada com camarão e peixe, antes de retomarmos caminho em direção ao continente e ao sul. Dizem que este vento intratável é habitual, mas não permanente, e as coisas acalmaram para a tarde para o atestar.

Foi um tempo inesperado o dos meus dias na Croácia. Quase sempre nebuloso, muitas vezes chuvoso e de vez em quando com uma réstia de sol. Mas o país tem, sem dúvida, lugares únicos e de uma beleza extraordinária, e muita gente boa e simpática, com aquela maneira de ser muito característica das gentes mediterrânicas da Europa, o que nos faz sentir um pouco mais em casa.

Em todas as visitas a produtores de vinhos há sempre a possibilidade de provar na companhia dos queijos, enchidos, presuntos, tomate, azeitonas e até queijos. Vale a pena deixar-se tentar.

 

Vinhos em destaque

Pavlomir Branco
Produtor: PavlomirAno de colheita: 2022Casta: ŽlahtinaNota: 17/20Este vinho é produzido com uvas da casta Žlahtina, variedade indígena cultivada principalmente na ilha de Krk, no norte da Croácia, mas também na zona costeira do continente e nas ilhas Kvarner. É um branco elegante, de aroma contido e subtil, onde se salientam notas citrinas e de fruta branca, e uma boca suave, fresca e longa. Um vinho refrescante, fácil de beber, bom parceiro de ostras, perceves e outros mariscos, que fica também bem com queijos e pratos de carnes brancas. Servir a 10-12ºC no copo.

Cuj Branco
Produtor: CujCasta; Malvazija IstarskaAno de colheita: 2022Nota: 17/20

Produzido na Ístria com uvas da casta Malvazija Istarska (Malvasia Instriana), é um vinho onde se salientam, no aroma, notas de flores brancas, algum citrino e fruta de caroço. É, como quase todos os brancos que provei na Croácia, fresco, leve e elegante na boca, delicado, com final longo e agradável, com persistência de notas minerais. É boa companhia pratos de peixe grelhado, marisco cozido e ao natural, e massas de peixe, marisco e carnes brancas. Servir a 10ºC.

Texto e fotos: José Miguel Dentinho

Publicado a 07 Julho 2023

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