Nos últimos dois meses tem-se agigantado a vaga de novas acusações de assédio sexual que se seguiram ao escândalo de Harvey Weinstein, com acusações (algumas das quais já admitidas) a políticos, realizadores, atores, investidores e empresários, profissionais dos media, fotógrafos, humoristas, músicos, entre outros, mostrando que é uma realidade transversal a todos os setores de atividade.
Os números são ainda mais impressionantes do que se supunha: 85% das mulheres que responderam ao inquérito da Equal Employment Opportunity Comission, nos Estados Unidos, dizem já ter sido assediadas no local de trabalho, de alguma forma.
80% das mulheres assediadas no trabalho abandonam funções no espaço de dois anos. “Este abandono é uma das razões pelas quais as mulheres não avançaram ainda para níveis mais altos de poder em qualquer indústria.” Nilofer Merchant, especialista em gestão.
Além dos traumas psicológicos, esta realidade traz outros danos colaterais à carreira feminina, como aponta a especialista em gestão e professora da Universidade de Stanford, Nilofer Merchant, num artigo para a Harvard Business Review. Sempre que uma mulher se vê forçada a mudar de emprego ou até a abandonar uma carreira, fica mais longe da progressão profissional, observa. “Individualmente, cada mulher diminui o seu poder salarial sempre que recomeça. E coletivamente, este abandono é uma das razões pelas quais as mulheres não avançaram ainda para níveis mais altos de poder em qualquer indústria”, diz, citando os resultados de um estudo da socióloga norte-americana Heather McLaughlin, que conclui que 80% das mulheres assediadas no trabalho abandonam funções no espaço de dois anos.
Ela própria vítima de um episódio de assédio sexual no início da carreira, conta como essa experiência a condicionou em decisões de carreira. “Depois de ouvir demasiadas histórias de jovens convidadas a ter sexo com investidores em troca de financiamento, abandonei a ideia de participar no ecossistema de startups, a economia impulsionadora de Silicon Valley.”
“O maior custo deste tipo de comportamento advém do facto de as ideias femininas não serem levadas em conta e o seu talento ser ignorado”, diz Sallie Krawcheck, CEO da Eleves.
Mas por cada potencial empreendedora ou profissional que faz o mesmo, perde-se inovação e valor acrescentado para as empresas e para a economia, argumenta Merchant. “À medida que o comportamento sexual predatório continua e é encoberto, algumas pessoas podem contribuir com as suas ideias, enquanto outras não. E todos pagamos o preço. A principal conclusão é que o próprio sistema está a limitar o acesso às ideias, ao crescimento e à prosperidade.”
Uma ideia partilhada por Sallie Krawcheck, CEO da plataforma digital de planeamento e investimento Ellevest e ex-CEO da Merrill Lynch Wealth Management, que escreve um editorial no The New York Times, onde partilha as suas experiências múltiplas enquanto vítima de assédio sexual no sistema “hipermasculino de Wall Street”. Quando ali começou a carreira, na Salomon Brothers, “quase todos os dias encontrava na secretária uma fotocópia impressa com imagens de órgãos sexuais masculinos”, recorda. Por mais que uma vez recebeu propostas de executivos para se juntar a eles, a sós, nos seus quartos de hotel. Para Krawcheck, “o maior custo deste tipo de comportamento advém do facto de as ideias femininas não serem levadas em conta e o seu talento ser ignorado.”
Apesar dos estudos mostrarem que o retorno de capital é maior, há mais inovação e se opera com menos risco em empresas com maior diversidade de género e, sobretudo, com mulheres na liderança, 90% dos profissionais que se movimentam nos corredores de Wall Street são homens, aponta Sallie Krawcheck. E foram estes grupos demasiado homogéneos de profissionais que estiveram na origem dos desaires financeiros cíclicos que afetam a economia global desde os anos 80.
O assédio sexual é apenas uma das faces da discriminação no mundo da alta finança, “onde os homens são vistos como líderes e as mulheres como mais inexperientes”, diz a empresária.
“Em cada uma destas ocasiões, estes homens tinham mais poder do que eu. Não se trata de uma coincidência. Era por isso que se sentiam livres para pisar o risco.” Sheryl Sandberg, COO do Facebook, partilhando episódios em que foi alvo de assédio.
Nem a n.º 2 do Facebook escapou àquilo a que chama “avanços sexuais não solicitados” no decorrer do seu trabalho. Cenas como a típica mão na perna debaixo da mesa, sugestões de reuniões privadas de “aconselhamento de carreira” feitas a horas tardias e a sós, ou o episódio em que um homem a seguiu até ao seu quarto de hotel, depois de Sheryl se recusar a sair de um jantar de negócios com ele, foram partilhadas numa publicação de Facebook onde argumenta que o assédio sexual é uma questão de demonstração de poder. “Não trabalhava para nenhum destes homens. Mas em cada uma destas ocasiões, eles tinham mais poder do que eu. Não se trata de uma coincidência. Era por isso que se sentiam livres para pisar o risco. À medida que fui subindo na carreira e ganhando mais poder, esses momentos foram-se tornando cada vez menos frequentes.”
Numa entrevista ao The New York Times, Sandberg fala ainda das medidas que as empresas devem adotar para fazer frente a este problema, e que passam por políticas de denúncia eficazes, mas também por processos muito transparentes, tanto para as vítimas como para os alegados perpetradores. “Temos que garantir que as pessoas acusadas acreditam num devido processo. Vão aparecer acusações que não são verdadeiras e, se as pessoas sentirem que não há um processo de averiguação, é aí que vão surgir as reações contra as mulheres.”