Ana Napoleão: a arte de bem saber vender vinho

Ana Napoleão é a responsável pelas compras da Garrafeira Napoleão, empresa fundada pelo pai há 50 anos e que tem, atualmente, quatro lojas de vinho e espirituosos na Baixa da capital. Com as vendas a crescer desde 2015, garante que está de pedra e cal no negócio dos vinhos em Lisboa.

Ana Napoleão tem cinco mil referências disponíveis para vendas, mas se fosse para uma ilha deserta levaria um vinho branco da Bairrada ou do Douro, as suas regiões de eleição.

Diz que adora números desde muito nova. Por isso, procurou ter uma formação universitária que os envolvesse, nas áreas de Gestão e Contabilidade ou Química, aquelas que mais lhe agradavam e onde se sentia confortável. Optou pela primeira, porque achava ser aquela onde poderia ter um futuro de trabalho, e tirou uma licenciatura em Administração e Controlo Financeiro, no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa (ISCAL). “Embora adorasse números, a ideia de ficar presa num escritório oito a 12 horas por dia era algo que não me via a fazer, principalmente porque todos estávamos habituados, desde muito novos, a vir com o meu pai para as lojas, contactar com as pessoas e falar sobre os vinhos”, conta. Foi por isso que optou depois por trabalhar na garrafeira, a empresa da família fundada pelo pai, Francisco Napoleão, em 1969.

Como acontece em muitos outros negócios familiares, começou por baixo, repondo vinhos nas prateleiras, atendendo clientes e fazendo entregas. Era, afinal, algo a que estava habituada já que, como todos os seus irmãos, gostava de estar na loja, coisa que todos fizeram desde muito cedo. Naquela altura procuravam imitar a forma de estar e de se relacionar do pai, “e os clientes achavam piada ao que dizíamos”, conta. E como a paixão pelo negócio familiar foi crescendo, optou por ficar nas lojas da Garrafeira Napoleão, em vez de trabalhar apenas na área de contabilidade.

Da confeção ao vinho

Mas foi só a partir de 2004, quando passou a gerir a loja da Rua dos Fanqueiros, na baixa lisboeta, devido a um pequeno problema de saúde do pai, é que o seu trabalho “começou a ser a sério”. Hoje, mantém essa função e é também a principal responsável de compras da empresa, que tem atualmente cinco mil referências disponíveis para venda, e um stock médio de mais de 100 mil garrafas, entre vinhos e espirituosos. A empresa faturou, no ano passado, 1,5 milhões de euros, valor que tem estado a crescer desde 2015. “É algo de que nos orgulhamos aqui na casa, o facto de termos conseguido superar o efeito que a crise que afetou o país, e estarmos de pedra e cal no negócio dos vinhos em Lisboa”, diz Ana Napoleão.

No início do segundo milénio, a empresa tinha sete lojas abertas na capital. Hoje tem apenas quatro, porque o ambiente económico e social da cidade levou a que deixasse de fazer sentido a sua atividade. “Estavam localizadas em zonas onde a população envelheceu, ou diminuiu consideravelmente, e os seus custos fixos superavam as vendas”, explica a gestora.

A Napoleão – Wine Shops & Gourmet é uma empresa familiar que começou no sector do vinho há cerca 50 anos. Mas não foi nele onde tudo começou. A Napoleão – Garantia de Qualidade foi fundada em 1910 por José Napoleão Pereira Júnior, avô da entrevistada. Era uma empresa de confeções, com fábrica em Torres Vedras, onde também tinha uma loja, e mais cinco estabelecimentos de venda ao público em Lisboa.

Em 1969, Francisco Napoleão,o filho mais novo, sentindo que o sector estava a perder a pujança, decidiu dedicar um dos ramos da empresa ao comércio de vinhos e espirituosos, criando as primeiras “Garrafeiras” em Lisboa, uma inovação para aquele tempo. Na época apenas existiam as chamadas mercearias finas, que ofereciam também vinhos e espirituosos.

Quando o progenitor faleceu, em 1979, Francisco Napoleão e a mulher, Matilde Nunes, decidiram dedicar-se exclusivamente ao comércio especializado de vinhos e espirituosos, aumentando a seleção disponível para mais de duas mil referências.  Nos anos 2000, a terceira geração acrescentou produtos gourmet de origem nacional à oferta da casa.

A Garrafeira Napoleão continua a ser uma empresa familiar, onde trabalham três dos sete filhos de Francisco. E se hoje é habitual que quem entra na loja dos Fanqueiros procure diretamente os conselhos de Ana, durante muitos anos os clientes não lhe davam crédito por ser jovem e mulher. Muitos deixavam de lhe dar atenção e viravam-se para os empregados da loja, homens e mais velhos, que até tinham, por vezes, menos tempo de casa, e pouco percebiam do assunto.

Uma questão de confiança

Quando alguém entra na loja, pode percorrê-la sem pressas, olhar as muitas referências expostas, saindo sem comprar nada. Mas quando os clientes mostram interesse os vendedores procuram, primeiro, perceber o que desejam. Depois, dão a provar alguns dos vinhos expostos na loja e explicam-nos. E quando se fala de um vinho, pode contar-se a história e histórias por detrás de cada referência, ou seja, da empresa, da família que o produz, do enólogo, do número de garrafas dessa colheita, das castas que lhe deram origem, do estágio em cave, da forma como correu o ano, do que esperar da sua degustação. Ou seja, há pano para mangas, ainda mais para quem tem paixão pelo tema.

Depois de comprovarem aquilo que os vendedores dizem, os clientes passam a aceitar as suas sugestões. “Ganhámos a sua confiança, o que é muito importante no ato de venda”, defende Ana Napoleão, acrescentando que o resultado mais importante do serviço que procuram oferecer é o regresso dos clientes à loja. Os portugueses fazem-no, o que é natural, porque a Garrafeira Napoleão é uma empresa de referência em Lisboa, mas os estrangeiros também, sobretudo nas lojas da Baixa de Lisboa. E depois de partirem continuam clientes, através das compras online, e recomendam as lojas aos amigos. “Isso é muito gratificante, porque significa que saíram daqui satisfeitos”, diz Ana Napoleão.

Para além de estar estabelecido um fio condutor de relacionamento com os clientes, a empresa faz questão de conhecer 90% dos vinhos que tem nas prateleiras. “E não digo 100%, porque há marcas que não temos interesse em promover, porque são aquelas que se vendem um pouco por todo o lado”, reconhece a gestora. “Se um cliente as pedir tenho de as ter, pois se eu tentar vender, por exemplo Casa da Senra, que produz 12 mil garrafas por ano, com base em uvas da casta loureiro, a pessoa pode pensar que eu apenas lhe estou a tentar impingir um vinho, porque não tenho o que está a pedir”, continua.

Na Baixa de Lisboa, são essencialmente estrangeiros que procuram as lojas da empresa. Por isso, é-lhes disponibilizado um serviço de entrega para os Estados Unidos, Japão e Europa. “Para os portugueses, temos embalagens que compramos em Itália para as ofertas e também entregamos em casa”, explica Ana Napoleão. Mas é sobretudo na loja de Alvalade que estão as relíquias, muitas delas que os pais compravam porque gostavam, e consideravam que iriam evoluir positivamente com o tempo. Para além dos Vinhos do Porto e Madeira antigos, salienta, entre outros, uma coleção de Bacalhoas da década de 80, ou os Tapada do Chaves da década de 70. Alguns fazem parte do espólio, ou do “museu da família”, como Ana Napoleão gosta de lhe chamar, e já não serão vendidos. Também lá estão uma dúzia de referências de Vinho Madeira de finais do século 18, início do 19, que a entrevistada comprou recentemente. “Uma de cada, porque são exemplares que custam 700 a 800 euros cada”, refere.

Comprar não é um ato simples

Ana Napoleão conta que, há 15 anos, provava vinhos porque tinha de o fazer para os poder explicar aos clientes, tal como acontece hoje, mas não apreciava. Mas o seu gosto foi mudando com o tempo, como acontece com muita gente, e a paixão foi-se desenvolvendo. A prova deixou de ser apenas uma obrigação e passou a ser também um prazer, e hoje a entrevistada envolve-se em todas as provas que a equipa tem de realizar para as lojas, que são também feitas para avaliar a forma como o mercado está a evoluir e decidir o que irá integrar, ou não, o portefólio da empresa.

Quando iniciou a sua atividade como responsável de compras, cometeu alguns erros. “Fazer compras não é um ato simples, até porque a oferta é vasta e há muita gente que nos procura para tentar vender os seus produtos”, conta. Acrescenta que o pai “não estava a dar, na altura, a atenção habitual a esta área, e mesmo com o apoio da minha mãe, a responsável financeira da empresa, algumas coisas correram mal”.

Levou algum tempo a aprender qual era a melhor forma de atuar em relação aos fornecedores. Foi enganada por gente menos escrupulosa e comprou, por vezes, mais caro do que devia. “Como em todos os negócios, há pessoas que são honestas, e outras não”, comenta. São as que apenas estão interessadas na venda imediata, sem descurar a necessária construção de relacionamentos e parcerias sólidas, sustentadas, que ajudam o negócio de todos os envolvidos. Mas o tempo e o empenho levaram-na a aprender a conhecer os interlocutores e a forma de fazer negócio.

“Não é uma atividade fácil, pois somos muito assediados por produtores, distribuidores, comerciais de vários tipos”, explica Ana Napoleão. É preciso fazer triagens e, por isso, provar muito para decidir quais os vinhos a comprar para as lojas, o que é feito com base no conhecimento que a equipa tem do gosto dos clientes. Para serem aprovados, tem de haver quase unanimidade, embora haja referências que a gestora escolhe pessoalmente, porque considera interessantes para incluir na oferta da casa. Isso acontece sobretudo quando as provas têm de ser realizadas fora, nas empresas produtoras, por exemplo.

O serviço ao cliente não se esgora nas muitas referências que tem nas suas lojas. Por vezes, é preciso satisfazer pedidos de clientes que procuram um produto que não tem e nem sempre é fácil. Foi o caso de um pedido de um vinho da Moldávia, resolvido por um amigo de Ana Napoleão que vive no país. Ou de um conhaque da Georgia, que um dos seus irmãos conseguiu adquirir numa das suas viagens de trabalho pelos países da ex-União Soviética. Foram os pedidos mais difíceis que Ana Napoleão se recorda, já que habitualmente recorre ao mercado alemão, onde consegue encontrar quase tudo.

Para o futuro, a família já tem algumas ideias sobre os próximos investimentos a realizar, mas é algo que tem de ser feito devagar, com os pés bem assentes no chão, principalmente devido à instabilidade actual do mercado português. Será em Lisboa, porque é o mercado que conhecem, e dedicada a servir o cliente estrangeiro, o principal.

 

Legenda da foto

Para uma ilha deserta Ana Napoleão levaria um vinho branco da Bairrada ou do Douro, as suas regiões de eleição.

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