Ana Lopes: “A nova geração está a puxar mais por nós”

Lidera a auditoria da PwC em Portugal e a gestão de pessoas é a parte mais desafiante das suas funções — são cerca de 600 colaboradores no nosso país, em Angola e Cabo Verde. Mas ainda é no trabalho de auditoria, com os clientes, que Ana Lopes mais gosta de estar, quase 29 anos depois de ter entrado para esta grande consultora.

Ana Lopes lidera a área de Assurance da PwC Portugal.

Chegou à PwC em setembro 1989, acabada de sair dos bancos da Universidade Católica, onde se licenciou em Gestão e Administração de Empresas. Ana Lopes vinha decidida a ficar por uns anos para “experimentar o mercado”, trabalhando primeiro numa atividade mais diversificada como a auditoria, mas os desafios que lhe foram pondo e um gosto genuíno por trabalhar de perto com os clientes acabaram por fazê-la ficar. As promoções não tardaram a chegar, de sénior a manager e depois a sócia (em 2003).

Hoje Ana Lopes é partner líder do departamento de Assurance da PwC Portugal, responsável por centenas de colaboradores e pela implementação do sistema de controlo de qualidade em auditoria e sua monitorização. Mas também é uma recrutadora atenta às novas gerações e ao input que trazem às empresas. Quando as suas muitas funções lhe deixam algum tempo livre, são as filhas, de 12 e 14 anos, que a ajudam a recarregar energias.

O que a levou a decidir-se pela formação em gestão e administração de empresas? Vocação, inclinação familiar?
Não, os meus pais são professores e uma coisa ficou clara desde logo: não queria ser professora. Não sei bem porquê, não acho que seja uma carreira traumática para ninguém — só não era apelativa para mim. Se calhar foi mesmo por vocação, por estranho que pareça, porque este nem é o tipo de curso mais dado a vocações. A minha mãe diz-me que, já em miúda, eu fazia uns negócios de compra e venda disto e daquilo, com amigos lá da rua.

Como chegou à PwC?
Foi logo depois de terminar o curso. Na altura, era relativamente fácil encontrar trabalho com esta formação — hoje é um pouco menos — mas as coisas estavam limitadas a três ou quatro áreas que consumiam a grande parte dos licenciados: a consultoria e auditoria, a Banca (que nunca me atraiu excecionalmente) e as outras empresas, onde a oferta de trabalho era menor e que já implicavam uma decisão do tipo de atividade que se queria fazer daí em diante. A auditoria sempre foi para mim uma hipótese clara de saída profissional, uma forma de experimentar e conhecer melhor o mercado de trabalho primeiro, antes de decidir com mais conhecimento de causa o tipo de negócio em que queria estar. Vejo os jovens fazerem hoje exatamente o mesmo raciocínio que eu fiz na altura. Saímos da faculdade um pouco limitados sobre o que queremos para as nossas carreiras. As empresas de consultoria e auditoria permitem-nos estar em contacto com um mercado mais diversificado, sem ficarmos logo agarrados a um tipo de negócio ou atividade. Inicialmente, a ideia não era ficar aqui tantos anos, mas as coisas foram-se proporcionando e os desafios foram surgindo.

“É preciso haver desafios e foram eles que me foram fazendo ficar.”

O que a motivou a ficar, então?
De vez em quando alguém me pergunta isto, quando estou a fazer recrutamento. Por princípio base, é necessário gostar daquilo que se faz, claro, mas o que me foi impedindo de sair foi o facto de terem surgido sempre desafios e temas novos ao longo do processo, fatores essenciais para que a pessoa se sinta motivada. Como o facto de ter ido trabalhar durante um ano para o escritório de Londres, estava eu há 4 ou 5 anos na PwC. Foi uma experiência ótima, em termos profissionais e pessoais. Na altura tínhamos um esquema de intercâmbios muito simpático e eu estava a viver mesmo no centro da cidade, perto de Marble Arch. Trouxe dessa experiência a constatação de que, apesar de os mercados serem diferentes, trabalhamos muito bem nesta área, neste país. Depois vieram outros motivos, como os projetos mais complicados que me pediam para assumir e que me levavam a pensar ‘deixa ver se consigo’. É preciso haver desafios e foram eles que me foram fazendo ficar.

Como viveu a sua primeira promoção?
Temos uma carreira com bastantes etapas e na qual vamos assumindo diferentes responsabilidades, o que ajuda a pessoa a sentir-se a crescer e a desenvolver. As coisas acontecem com alguma naturalidade. Mas a promoção mais sensível e interessante — depois das primeiras, que foram relativamente rápidas e que acontecem quando temos capacidade para desempenhar esses papéis — é a passagem a sénior. Apesar de sermos relativamente novos ainda, estamos em permanência no cliente e começamos a ter de fazer a gestão de toda a equipa e projeto. É claro que há pessoas acima de nós, que vão ajudando, mas não estão lá sempre. É uma função que obriga a ter algum grau de autonomia e capacidade de gerir pessoas. Já não implicava apenas fazer bem o meu trabalho, mas também tomar conta do trabalho dos outros. Diria que, por estes motivos, talvez tenha sido um dos momentos mais marcantes da minha carreira, mais até do que ser promovida a sócia, e um desafio muito interessante. A promoção a sócia é a uma forma de reconhecimento, e é claro que nos traz orgulho — são desafios diferentes.

Que mudanças têm sido feitas, ao longos dos anos, para promover uma maior representatividade de género nos cargos de decisão na PwC?
Quando entrei, em 1989, o rácio geral de colaboradores, entre homens e mulheres, já era equilibrado. Ao nível dos sócios é que, basicamente, existiam só homens. Temos procurado que as promoções e evoluções de carreira sejam equilibradas e nunca senti que existissem diferenças na igualdade de oportunidades entre géneros. Há pouco tempo fizemos uma análise da média salarial, bónus e outros fatores de remuneração e chegámos à conclusão que não existiam diferenças entre homens e mulheres.

Não temos um sistema de quotas — percebo as vantagens, acredito que pode acelerar o processo, mas não consigo ser uma grande fã, ainda assim. As coisas têm evoluído naturalmente na PwC e tem havido muitas promoções femininas, nomeadamente a sócias, embora não tenhamos ainda um equilíbrio — estamos mais na casa dos 25% para 75% de homens. Admito que demore um pouco mais do que com o sistema de quotas, mas penso que é feito com outra robustez, sobretudo se as coisas forem evoluindo também em termos culturais e sociais.

Creio que a focagem no work-life balance, neste momento, existe tanto para homens como para mulheres. Há aspetos interessantes que podem contribuir muito para um melhor equilíbrio, como é o caso de termos já muitos homens a tirarem um período de licença de paternidade significativo. Não tem o mesmo impacto que as licenças de maternidade para as mulheres, mas vai ajudando a equilibrar o diferencial. 

“Passo a parte mais significativa do meu tempo em gestão de pessoas — que atualmente rondam os 600 colaboradores em Portugal, Cabo Verde e Angola.”

Como explicaria a sua função a quem não conhece esta área?
Não é fácil. Já tenho essa dificuldade quando tenho que explicar às minhas filhas o que é auditoria, mesmo antes de entrar na descrição da minha função (risos). Quando têm que levar o pai ou a mãe à escola para falar da profissão, preferem sempre o pai por essa razão. Isto de explicar que se analisam contas para ver se estão bem feitas e que assim se dá conforto ao mercado, não é muito fácil de entender para quem tem 12 ou 14 anos. Em termos da função de coordenação de Assurance, já é mais fácil. Passo a parte mais significativa do meu tempo em gestão de pessoas — que atualmente rondam os 600 colaboradores em Portugal, Cabo Verde e Angola. É preciso garantir que a estrutura, processos e ferramentas de trabalho estão disponíveis, mas esses fatores são mais estáveis num certo sentido. Gerir pessoas, ter as pessoas certas no sítio certo e no número certo para assegurar tudo aquilo que é preciso fazer, tentar manter a equipa motivada, são tarefas que concentram grande parte da minha atividade.

Como é um dia de trabalho para si?
Normalmente, começo na PwC por volta das 9h, 9h30 e o dia de trabalho pode prolongar-se até às 21h ou 21h30, sobretudo nesta fase e com as funções que tenho agora. Continuo a ter a minha carteira de clientes mas há sempre outras funções internas, não necessariamente só da área de assurance, a que é preciso dar seguimento. Temos uma questão base nesta atividade, que se prende com sazonalidade e há meses que são necessariamente mais intensos em termos de trabalho com os clientes. Procuro defender mais os meus fins de semana e prefiro estender um pouco mais os dias de trabalho semanal.

Que skills são essenciais para ser boa naquilo que faz?
Acho que temos que ser focados e organizados. Fui-me apercebendo que tinha algumas qualidades que contribuíram para o percurso que fui fazendo, mas primeiro achei que eram atributos mais ou menos generalizados a toda a gente. Uma delas é o bom senso: a princípio achava que ele estaria em toda a gente, mas agora chego à conclusão que nem sempre é assim. (risos) Sou muito hands on, gosto de fazer as coisas acontecer. Fui-me apercebendo de que isto é um valor acrescentado, porque há quem tenha dificuldade de fazer esta passagem à prática. Sempre gostei mais desta parte; faz a diferença conseguir concretizar aquilo que acho que deve acontecer.

Qual a parte mais desafiante das suas funções?
A gestão de pessoas: encontrar a pessoa certa, conseguir que as equipas estejam motivadas numa atividade exigente e trabalhosa como esta. E com o peso crescente que hoje se dá ao work-life balance, esta é uma atividade com os seus desafios, justamente por causa da sazonalidade de que falava. Há períodos em que não se consegue ir àquele jantar de amigos porque o dia de trabalho se prolongou. E as gerações mais novas são cada vez mais exigentes neste aspeto, o que é bom porque nos obriga a fazermos ajustes até chegarmos lá. Conseguir o equilíbrio que permita aos colaboradores sentirem-se bem na empresa, gostarem do que estão a fazer, sabendo de antemão que não trabalhamos com horários ideais, acaba por ser um desafio significativo.

“Gosto de trabalhar com esta jovem geração, até porque está a puxar por nós em alguns aspetos, obrigando-nos a repensar o modo de fazer as coisas para encontramos um equilíbrio entre os seus objetivos e os da empresa.”

Como é para si trabalhar com millennials?
Gosto de trabalhar com esta jovem geração, até porque está a puxar por nós em alguns aspetos, obrigando-nos a repensar o modo de fazer as coisas para encontramos um equilíbrio entre os seus objetivos e os da empresa. Acho que é uma geração de alguns contrastes: se por um lado são muito virados para as novas tecnologias, para a sustentabilidade, o aspeto social e o work-life balance, também sinto que são muito tradicionalistas em alguns aspetos, muito focados na parte financeira tal como gerações anteriores. A remuneração não está assim tão abaixo na sua lista de prioridades. Pode pensar-se que uma coisa não é muito compatível com a outra, mas é e está lá tudo presente neles. É compreensível: esta geração habituou-se a viver de uma certa forma e a um nível de vida um pouco mais alto, provavelmente, do que as gerações anteriores. Inevitavelmente vão querer mantê-lo. Mas esta é só a minha leitura.

O que a apaixona e motiva mais no seu trabalho?
Diria que o que me continua a motivar mais é o trabalho com clientes. Não é necessariamente a parte mais interna do trabalho, embora ela também seja interessante e eu esteja mais ligada a ela devido às funções que tenho agora. Mas onde gosto mais de estar é no trabalho tradicional, de auditoria pura com o cliente. Ainda faço este tipo de trabalho, mas gostaria de fazer mais ainda.

De que é que mais se orgulha na sua carreira?
Orgulho-me de ter conseguido evoluir ao longo do tempo, não só em termos de carreira, mas por ter conseguido superar um conjunto de desafios que foram surgindo e ter conseguido contribuir de forma positiva (penso eu) em muitas coisas, para a empresa, para as pessoas com quem trabalho, ensinando, explicando e fazendo-as evoluir. Se calhar não sou pessoa de grandes momentos, nem neste sentido nem em termos de momentos dramáticos. Funciono melhor na construção ao longo do tempo, de coisas boas e de momentos mais difíceis que se vão ultrapassando. É isso que me vai deixando satisfeita com o meu percurso.

Qual a sua máxima de gestão?
É fundamental ter organização e estruturação de ideias para dar vazão a tudo o aquilo aquilo que tem de acontecer ao longo do dia, da semana e do mês, para chegarmos ao fim com os objetivos atingidos.

Como recarrega baterias fora da PwC?
Sou uma fã incondicional de viagens e tento dar umas voltas com a família no verão, pelo menos, ou quando consigo ter um fim de semana maior. Nunca abdico disso e sempre fui para fora, mesmo quando as minhas filhas tinham um ou dois anos. Elas também são uma grande fonte de recarga de baterias.

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