Como abordar alguém para ser seu mentor?

Nem sempre é fácil ter a coragem de pedir a alguém que admiramos para nos orientar e ajudar a crescer profissionalmente. Mas, muitas vezes, a melhor estratégia é fazê-lo diretamente e sem rodeios. Duas executivas e mentoras dão-nos algumas pistas sobre como fazer esta abordagem — e o que ter em mente antes de partir para ela.

Num processo de mentoring, os mentores também saem beneficiados pelos desafios de um mundo em constante mudança.

Contar com a orientação de um mentor ou mentora passou a ser uma das ferramentas mais úteis para quem tenha ambições de progredir profissionalmente ou conseguir bons resultados num cargo para o qual foi promovida há pouco tempo. Numa fase crucial da carreira, pode poupar-lhe muito tempo e desaires no processo de chegar às melhores soluções por tentativa e erro, tempo esse de que profissionais em áreas de elevada pressão não dispõem.

A conjugação de experiência e empatia na relação, quando as condições ideais são alcançadas, acabam por ser benéficas para o mentorando (ou mentee), mas também para o mentor. “O mentoring não é mais do que a tentativa de antecipar e demonstrar algumas ações e pensamentos, de forma a permitir ao mentorando desenvolver as suas capacidades e atributos”, diz-nos Cristina Saiago, general manager da Clarins em Portugal, habituada às lides da mentoria, a que se dedica com alunos da Universidade Católica já há vários anos, mas também em ambiente corporativo.

Cristina Saiago: a general manager da Clarins dedica-se à mentoria na sua organização e também com alunos da Universidade Católica. Foto: Paulo Alexandrino

Muitas empresas em Portugal têm hoje já programas internos em que atribuem mentores experientes a jovens profissionais, numa perspetiva de planos de desenvolvimento profissional para os seus colaboradores. Mas se eles não existirem na sua empresa ou se não se sentir à vontade para convidar alguém que trabalhe na mesma organização, a solução pode ser juntar-se a uma associação, seja ela uma rede de outras mulheres executivas, de empreendedoras ou até ligada aos seu setor de atividade.

Mas para quem não está abrangida por nenhuma destas soluções, a proatividade pode ser o único método para procurar um mentor ou mentora. O que por vezes não é assim tão claro é como fazer essa abordagem: será melhor ser direta nas suas intenções, ou começar por fazer uma aproximação mais subtil?

Antes de tudo…

O primeiro passo, antes mesmo de abordar alguém, é determinar exatamente para que precisa de um mentor, aconselha Teresa Marques, coordenadora do programa de mentoring da PWN Lisbon.  “Só se pode partir para esta fase se soubermos exatamente o que queremos fazer e já com os nossos objetivos bem delineados. Quero um mentor para me fazer crescer — mas quero crescer em quê exatamente? Não podemos estar à espera que seja ele a fazer isso por nós. Se alguém me disser que gostava que eu fosse sua mentora, eu perguntaria logo quais as áreas em que identificava necessidades e que quer trabalhar. Até porque o próprio mentor vai fazer um investimento do seu tempo e precisa de saber se tem ou não as competências que a outra pessoa procura em si. Assim eliminam-se possíveis perdas de tempo e expectativas que o mentee possa ter.

Também é bom identificarmos três metas que queremos cumprir durante o ano, por exemplo — não vale a pena identificar muita coisa porque depois não conseguimos cumprir todas. Claro que, muitas vezes, os objetivos acabam por mudar à medida que vão ouvindo o ouvindo o mentor, mas ao fim de um ano, ao olhar para trás e avaliar, o mentorando tem de sentir que valeu a pena aquele investimento do seu tempo.”

Escolher o mentor ideal

Cristina Saiago fala das características que devemos procurar num mentor, se quisermos construir uma relação produtiva. “Um bom mentor tem, naturalmente, gosto em partilhar conhecimento, skills e experiência. É necessário estar disposto a investir tempo e energia num programa de mentoring, pois exige desenvolver relações de longo prazo. Os melhores mentores são aqueles que encaram a mudança como um desafio e a aprendizagem como uma oportunidade.”

“Se houver oportunidade de escolher o mentor, recomendaria alguém diferente do mentorando e que tenha capacidade de preencher as lacunas. Se forem clone um do outro, mais dificilmente se avança e se conseguem resultados.” Cristina Saiago, general manager da Clarins

Se tiver oportunidade de escolher o seu mentor, opte por alguém diferente de si e “que tenha, por isso, capacidade de preencher as lacunas”, recomenda ainda Cristina Saiago. “Se forem clone um do outro, mais dificilmente se avança e se conseguem resultados.” O conselho da executiva da Clarins faz muito sentido à luz de uma pesquisa recente da organização nova-iorquina sem fins lucrativos, CTI, publicada no início deste mês e divulgada pela Bloomberg, que concluiu que 71% dos executivos estão a orientar mentees do mesmo sexo e etnia e que, em 77% dos casos, também praticam ambos o mesmo estilo de gestão.

Procure alguém que esteja dois ou três níveis acima de si na escala de progressão profissional, mas que não seja diretamente afetado pelo desempenho do seu trabalho ou até mesmo que não trabalhe na sua empresa — desta forma é mais fácil ele dar-lhe um feedback mais neutral e eficaz.

Outro elemento fundamental nesta relação é uma boa comunicação entre ambas as partes. “É uma mais valia. Para se obterem resultados mais rápidos e certeiros, é necessário saber adaptar a comunicação à personalidade do mentorando. Desta forma, mais facilmente se ajuda a identificar as suas forças e fraquezas, ajudando a desenvolvê-las e a geri-las.”

Como fazer a primeira abordagem?

É bom ter expectativas realistas. Se o seu ideal de mentor é o CEO ou um executivo de topo de uma das maiores empresas nacionais, a menos que já tenham uma relação de alguma confiança prévia a esse contacto, é muito natural que ele ou ela não tenham tempo disponível na agenda para construírem essa relação.

Teresa Marques é coordenadora do programa de mentoring da PWN.

Para Teresa Marques é essencial não ter rodeios na primeira abordagem. “Penso que ela deve direta, indicando logo os motivos: ‘Gostaria que fosse meu mentor porque estou à procura destes objetivos, estive a analisar o seu percurso e penso que poderia ser uma boa parceria. Sei que é uma pessoa muito ocupada, mas talvez pudéssemos partilhar algumas opiniões.'” Durante este discurso, fale dos seus interesses em comum com o mentor, daquilo que faz profissionalmente e das metas que espera alcançar, aconselha ainda a coordenadora do programa de mentoring da PWN. “O mentor não tem que ver isto como arrogância da parte de quem pede. Trata-se de uma partilha, porque se for só o mentor a dar e a ensinar, quase que se sente numa relação de superioridade e o mentoring não é bem isso: é partilha e sinergia entre ambas as partes.”

Há, no entanto, quem prefira ser abordado de uma forma mais subtil, até porque a empatia entre mentor e mentorando não é, de todo, um dado garantido à partida. Pode sempre começar uma conversa informal num encontro de networking, por exemplo, dizendo: “Tenho seguido o seu percurso profissional e admiro-o/a muito. Posso pedir-lhe a sua opinião quanto a uma questão profissional que me tem feito pensar?”, como recomenda a consultora de recursos humanos, Jill Santopietro-Panall, num artigo para o site Entrepreneur. Se a resposta for positiva e a conversa for produtiva e empática, pode abrir-se aí uma porta para trocarem contactos e, sem ser demasiado insistente, ir trocando um ou outro email profissional, até se sentir à vontade para perguntar a essa pessoa se estaria disposta a ser sua mentora.

“Uma das coisas interessantes nesta parceria é que os mentores também beneficiam desta relação. Para pessoas mais velhas e com muita experiência o benefício vem muito dos desafios que lhes são colocados pelos mentees, num mundo em constante mudança.” Teresa Marques, coordenadora do programa de mentoring da PWN.

Teresa Marques dispensa estas estratégias e prefere que lhe digam logo ao que vão. “Não seria essa a minha abordagem. Temos que partir do princípio que o mentor percebe para onde é que está a ser encaminhado. Entrar neste tipo de relação em que as pessoas estão com rodeios antes de irem direitos ao ponto… Não seria mentora dessa pessoa. Uma das coisas interessantes nesta parceria é que os mentores também beneficiam desta relação. Para pessoas mais velhas e com muita experiência o benefício vem muito dos desafios que lhes são colocados pelos mentees, num mundo em constante mudança. Isso é altamente recompensador para quem gosta de ser desafiado.”

Quando essa simbiose se estabelece, as relações ultrapassam o tempo em que dura o processo de mentoria. “Mesmo na PWN, onde as relações mais formais a este nível são de um ano, constatamos que, passado esse tempo, as pessoas continuam a ir almoçar juntas de vez em quando ou a falar por telefone. Construiu-se uma relação de empatia mais durável do que o processo de mentoring.”

Com que frequência devem encontrar-se?

Para Cristina Saiago, a periodicidade dos encontros depende do contexto do processo de mentoria, dando o seu exemplo enquanto mentora. “No caso dos alunos da Católica, o facto de estamos todos em Lisboa facilita os encontros, cuja regularidade depende da necessidade. Mas no caso da Clarins, onde também tenho papel de mentora, já me foi atribuída uma directora comercial da Rússia. Pela distância óbvia, resumimos o número de encontros a três durante o ano e encontramo-nos a meio caminho, em Paris. Mas a comunicação por email é sempre possível a qualquer momento, bem como por telefone, se for necessário.”

“No programa da PWN sugerimos pelo menos pelo menos uma vez por mês”, observa Teresa Marques. “Quando os objetivos estão bem traçados e a relação funciona, tem que haver feedback regular. Não pode ser todas as semanas, por não permitir o tempo suficiente para as mentees refletirem e darem o passo seguinte. Por outro lado, não deve passar muito tempo. Se a pessoa não sentir a pressão de que vai ter uma nova reunião dentro de um mês pode acabar por, sem querer, dar prioridade a outras questões que lhe caem em cima da mesa, no trabalho, deixando o mentoring para trás, chegando ambas as pessoas frustradas ao fim do ano — mentor e mentee. O que acontece muitas vezes é que, durante esse mês, vão acontecendo coisas e surgindo novidades. Mas o mentee pode mandar uma mensagem por Whatsapp ou email a informar o mentor disso. Depois, podem ajustar entre si o intervalo de tempo entre encontros que consideram necessário.”

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