José António de Sousa é gestor aposentado depois de quatro décadas na liderança de multinacionais.
Fiquei, como certamente os milhões de utilizadores da Vodafone, não sei se apenas em Portugal, ou a nível internacional também, sem a possibilidade de fazer chamadas no telemóvel na noite de 7 de Fevereiro. Os outros serviços incluídos no meu pacote de voz, imagem e dados contratado com essa operadora também entraram em colapso, e deixaram de funcionar. Na manhã de 8 de Fevereiro a Vodafone ainda está a tratar de repor o serviço aos clientes, mas por exemplo a televisão continua sem captação de sinal.
Trata-se de uma operadora gigantesca, provavelmente a que está tecnologicamente mais avançada de todas as que nos oferecem serviços em Portugal pelo menos. Não tenho qualquer dúvida também, dado a sua presença internacional, que é a que dispõe de maiores e mais sofisticados recursos financeiros, humanos e tecnológicos para concorrer no mercado, por um lado, e para proteger os seus ativos, por outro. E mesmo assim os hackers, sabe Deus a partir de que canto sinistro do globo terrestre (mas eu calculo no entanto…), conseguiram vergá-la, e afetar a sua essência, a sua alma, o seu ADN enquanto companhia de prestação de serviços tecnológicos, ou seja a prestação sem falhas de serviços de comunicação e entretenimento aos clientes.
Estamos na alvorada das guerras do futuro, as que serão travadas na dark net, por sinistros hackers encafuados em covis de criminosos altamente sofisticados, com a melhor tecnologia disponível no momento, fornecida por sinistros governos que são quem apoia e incentiva esse tipo de intervenções. A minha formação tecnológica é nula, e possivelmente haverá quem se esteja a rir de alguma das minhas descrições anteriores do problema que eu e milhões estamos a enfrentar neste momento. Enquanto clientes mostram-nos a vulnerabilidade de países, companhias e cidadãos quando um hacker deliberadamente consegue penetrar em sistemas, e criar o caos na prestação de serviços. Para não falar dos dados que podem ser roubados, vindo a criar aos que forem afetados sérios problemas no futuro. Roubo de identidade ou de dados de acesso bancário são um problema crescente e sério, e quem se vê apanhado numa dessas teias frequentemente passa por um kafkiano processo de recuperação da sua integridade enquanto cidadão.
Os políticos não gostam de polícias eficientes e bem equipadas
Vem isto a propósito da forma como em Portugal os problemas de prevenção e combate ao crime (de todo o tipo) são levianamente encarados pelos sucessivos governos de turno. Muitos políticos, a começar pelo topo da pirâmide, como vimos no caso de um primeiro-ministro sinistro, não gostam de polícias eficientes e bem equipadas para o combate e prevenção do crime, sobretudo o de colarinho branco. O caso mais anedótico, possivelmente ainda hoje verificável em termos idênticos numa ou noutra dessas esquadras de polícia a cair de podre que abundam pelo país fora, foi o que me aconteceu ainda no exercício da profissão há uns 10 anos. Para poder obter um relatório de polícia necessário para um processo, a companhia teve que ceder material informático, toner e resmas de papel de impressora…
Os hackers podem fazer vergar um país. Até agora temos assistido a ataques a companhias privadas possivelmente como teste e treino para ataques deliberados e mais sofisticados a infraestruturas de amplo espectro com consequências disruptivas graves para a vida dos cidadãos. Distribuição de água, energia elétrica, redes logísticas, infraestruturas rodoviárias e de transportes (aviação, ferrovias), e um sem fim de atividades de tal maneira embutidas de forma natural no nosso quotidiano, que já quase formam parte do nosso ADN de vida, estão em perigo. E só nos damos conta da sua importância, quando nos falham. Hollywood tem-nos mostrado em filmes distópicos o inferno que pode vir a ser a nossa vida caso venhamos a estar sob ataque de hackers nessas áreas de conforto quotidiano.
Por isso mesmo, espero sinceramente que os governos que teremos agora invistam o suficiente na área da prevenção tecnológica, para elevar a nossa PJ e a nossa Inteligência Militar ao topo mundial da disponibilidade de recursos para combate ao cibercrime.
Se a memória não me falha, creio não ter visto nada sobre esta rubrica no PRR. E é critico que os recursos, venham ou não da bazuca, sejam mesmo disponibilizados, pois um destes ataques pode fazer danos irreparáveis a uma economia já de si fragilizada por muitos anos de políticas económicas erradas. Não é tempo de hesitar, de criar comissões de estudo ou observatórios para analisar o problema, ou de amadorismos. É tempo de agir. Já estamos em guerra!
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