Inscrever-se no curso de Gestão de Recursos Humanos quando tinha dois filhos com menos de dois anos e um emprego a tempo inteiro foi uma das decisões mais corajosas de Paula Garrido. Foram quatro anos “muito difíceis” que mudaram a sua vida. Ainda lhe faltava um mês para concluir o curso quando foi desafiada para criar a área de Recursos Humanos na empresa, provando que tinha feito a aposta certa para evoluir na carreira. Além disso, confirmou que quando se deseja muito alguma coisa encontra-se sempre forma de a fazer.
A Liberty foi o seu primeiro e único emprego?
Sim, mas não comecei logo a trabalhar na área de Recursos Humanos. Entrei nesta casa, ainda na antiga Europeia Seguros, com 20 anos, como estagiária na área técnica, onde durante 10 anos trabalhei na emissão e gestão de apólices. Devo confessar que a minha integração não foi fácil porque as pessoas mais próximas da minha idade tinham 30 anos. Sentia-me isolada. Foi há 30 anos mas tanta coisa mudou entretanto que parece ter sido há dois séculos. Não havia computador, não havia telefones nas secretárias, as próprias secretárias tinham tamanhos diferentes consoante o cargo que o colaborador ocupava, a hierarquia era muito marcada.
As mães têm necessidade de estar com os filhos, não são só os filhos que têm necessidade de estar com as mães.
Quando decidiu fazer uma licenciatura?
Já tinha tentado a faculdade antes de entrar na Liberty. Não consegui, mas não desisti. Quando os meus filhos tinham um e dois anos decidi tentar de novo porque percebi que não valia a pena esperar por uma altura mais fácil. Acredito que quando as coisas têm de ser feitas não resolvemos nada em adiá-las. Às vezes, o adiar a decisão é não a querer fazer. A minha vida não iria ser mais fácil no futuro próximo e a minha maior questão era saber em que medida a minha ausência poderia prejudicar o desenvolvimento dos meus filhos. Seriam quatro anos a trabalhar das 9h às 17h e com aulas das 18h às 23h. Durante a semana não conseguiria vê-los à noite e, aos fins de semana, teria de dividir o tempo entre eles, as tarefas da casa e o estudo. E as mães também têm necessidade de estar com os filhos, não são só os filhos que têm necessidade de estar com as mães. A educadora deles foi determinante na minha decisão porque me fez ver que a minha ausência seria compensada com a minha dedicação nos momentos em que conseguisse estar com eles.
Sentiu que na prática isso funcionou?
Geralmente, o ser humano tem tendência a complicar mais as coisas antes de as começar, do que depois de elas estarem em curso. Rapidamente organizei a minha vida de forma a reduzir as ausências em casa. Fiz a seleção das cadeiras a que não devia faltar e combinei com algumas colegas em dividirmos a responsabilidade dos apontamentos e dos resumos consoante a disponibilidade de cada uma. Desta forma ganhei dois ou três dias para acompanhar as crianças durante a semana.
Foram tempos de grande cansaço físico, mas que provaram que só não conseguimos fazer aquilo a que não nos propomos.
Porque esta opção era também um enorme esforço para o meu marido, houve uma condição que me impus logo no início. Fazer as cadeiras todas sem precisar de ir a exame. Desta forma, ficava despachada assim que as aulas terminavam no final de junho. Orgulho-me de o ter sempre conseguido.
Hoje tenho uma relação fortíssima com os meus filhos e não sinto que estas ausências os tenham marcado. Foram tempos difíceis, de grande cansaço físico, mas que provaram que só não conseguimos fazer aquilo a que não nos propomos. Tento transmitir isso a quem trabalha comigo: quando há vontade de fazer uma coisa é fazê-la já. Depois as coisas acontecem, porque nunca estamos sozinhos. Vai sempre surgindo um conjunto de apoios que nos permitem criar uma rede e tornar o caminho mais fácil.
Por que escolheu Recursos Humanos?
Gostava muito desta área relacional. Sempre fui muito atenta a quem está à minha volta, muito interventiva, as pessoas gostavam de falar comigo, diziam-me que eu sabia ouvir e transmitia-lhes confiança. Além disso, estando eu já no mercado de trabalho, quis fazer um curso de que gostasse mas também do qual pudesse tirar aproveitamento prático – na Liberty ou noutra empresa.
Foi uma oportunidade extraordinária. Mas se eu não tivesse começado o curso quatro anos antes, ela ter-me-ia passado ao lado.
Mas acreditando que lhe poderia abrir nos caminhos na seguradora?
Acreditei, mas não me preocupei muito com isso. Decidi que aquele era o curso que eu gostaria de fazer e se depois o pudesse aplicar aqui, seria ótimo, mas com a experiência de trabalho que já tinha não me assustava em ter de procurar oportunidade noutra empresa. A verdade é que acabei por também ter sorte. Um ano antes de terminar o curso entrou um novo administrador muito virado para as pessoas e com vontade de mudar muita coisa. Apercebi-me de que queria reforçar a equipa com alguém que fosse mais direcionado para a área de RH, que trouxesse algum input nos novos processos, nomeadamente na avaliação de desempenho, no recrutamento, e nos processos de integração. Foi mesmo na fase em que estava a terminar o curso, de tal forma que entrei para a direção de RH um mês antes de me licenciar.
Foi uma oportunidade extraordinária, mas a verdade é que se eu não tivesse começado o curso quatro anos antes e passado por todo o esforço que ele implicou, ela ter-me-ia passado ao lado.
No final do curso trocou a área técnica pela de Recursos Humanos?
Exatamente. E comecei um novo percurso. As pessoas têm de perceber que o que está para trás vem na bagagem, mas quando se muda de rumo temos de estar preparados para começar novamente.
Tinha duas colegas mais seniores que tratavam da área de Pessoal e eu comecei a trabalhar na formação, na avaliação de desempenho e em indicadores que ajudassem a medir e a gerir de forma diferente o que se estava a fazer na empresa.
Não tenho medo de arriscar, nem de que as coisas corram mal. Prefiro tentar do que nunca saber como poderiam ter corrido.
Tive muita liberdade para fazer e implementar as coisas. Procuro sempre fazer mais do que me pedem. Não tenho medo de arriscar, nem de que as coisas corram mal. Prefiro tentar do que nunca saber como poderiam ter corrido. Fui evoluindo de forma sustentada e este percurso acabou por me permitir ter uma visão geral sobre todas as áreas da companhia.
Recorda qual a medida que causou mais surpresa?
Estávamos em 1996 quando tentámos implementar um sistema de avaliação do desempenho. Fizemos tudo exatamente como se devia fazer, mas as pessoas ainda não estavam preparadas e também não houve o envolvimento do topo que seria necessário para apoiar uma medida destas naquele tempo. Não resultou, mas foi uma experiência muito interessante. Éramos uma empresa grande, com muitos níveis, as estruturas hierárquicas sentiam-se, havia dificuldade em comunicar e eu levei os colegas para sala para os tentar convencer de uma coisa que eles desconheciam – não entendiam os objetivos. Tive de explicar tudo. As pessoas só colocavam questões e levantavam dificuldades e eu tinha de criar a argumentação e defender o que pretendia. A partir daquela fiquei preparada para tudo. Foi uma aprendizagem fantástica. Passaria novamente por aquilo. As experiências que correm pior são as que nos ensinam mais. Deu-me um enorme traquejo!
A IGUALDADE DE GÉNERO É UMA DAS BANDEIRAS DA LIBERTY?
Entendemos que a melhor maneira de gerirmos a diversidade é não diferenciá-la. Na Liberty procuramos as pessoas que tenham o perfil para uma determinada função e que se adaptem à nossa cultura. Se essa pessoa é mulher ou homem não interfere na escolha. Sabemos que por vezes se discrimina as pessoas mais fortes, pessoas com deficiências que nem impedem a execução do seu trabalho, pessoas de cor, mulheres na fase da maternidade, homens e mulheres a partir de determinada idade. Aqui não existe nada disso. Este mês entrou um colega com 54 anos. Corresponde ao perfil que procurávamos e estava disponível para o desafio. Na equipa de direção há oito mulheres e cinco homens. Todas as mulheres têm filhos. O nosso administrador tem procurado pessoas que se adaptem à companhia, que tenham o perfil da função e que ele ache que vão agregar valor ao seu modelo de gestão. Só isso interessa.
E qual aquela de que mais se orgulha?
Tive vários desafios interessantes, alguns por serem um bocadinho à frente da época. Nunca nos acomodámos. Recordo-me quando em 2001 quisemos implementar um horário flexível, o que não foi nada fácil porque temos de lidar com três sindicatos. Eu acreditava que seria uma ferramenta que iria dar resposta a necessidades que sentiríamos no futuro. Além disso, o objetivo era também o de aumentar a responsabilização das pessoas, acabando com a ideia de que bastava “picar o ponto”. Se hoje disséssemos que íamos tirar o horário flexível seria impossível, mas na altura foi muito difícil implementá-lo. Na prática o modelo não funcionava para aqueles que se ausentavam mais, mas sim para aqueles que trabalhavam mais.
Muitas vezes somos nós próprios que nos impedimos de ir mais longe.
O que mudou nos RH nos últimos 20 anos?
Mudou tudo. Quando eu entrei a área de maior visibilidade era a administrativa (as férias, os contratos, a legislação). A área da formação, da avaliação de desempenho e do desenvolvimento de carreiras estava a começar. Hoje é o inverso. Há uma aposta muito maior no valor das pessoas. Tento transmitir diariamente aos colaboradores que se podem sempre superar, basta acreditar que são capazes. Muitas vezes somos nós próprios que nos impedimos de ir mais longe. Esta filosofia implica um investimento muito grande no desenvolvimento das pessoas, daí que nos chamemos Direção de Gestão & Talento. A nossa missão é potenciar o melhor que as pessoas têm e ir ao encontro daquilo que a empresa precisa. Não sou apologista de que tenhamos de desenvolver todas as competências, não temos de ser bons em tudo. Mas devemos desenvolver aquilo que temos de melhor.
Qual é a parte mais difícil da sua função?
Quando tenho de dizer a alguém que tem de abandonar esta empresa sabendo que essa pessoa, eventualmente, não tem muitas oportunidades lá fora. Este ano faço 31 anos de casa e há pessoas que conheço há muitos anos e por isso sei quase tudo sobre elas. Tenho dificuldade em lidar com estas situações. Tiram-me o sono. Fico angustiada com o futuro das pessoas e também em encontrar a melhor forma de lhes apresentar a situação. Depois dessa conversa ainda levo algum tempo a esquecer a situação. Felizmente, não tenho tido muitas situações destas.
Para mim é importante mudar uma pessoa, porque essa pessoa vai ajudar-me a mudar outra, e por aí adiante.
E o que mais gosta na sua função?
Gosto imenso quando consigo provocar a mudança em alguém. Depois de falar para 30 pessoas se há uma ou duas que no final mostram vontade de mudar, já valeu a pena. Nunca mais largo essas pessoas e elas sabem que poderão contar comigo nos momentos difíceis. Para mim é importante mudar uma pessoa, porque essa pessoa vai ajudar-me a mudar outra, e por aí adiante. Quem trabalha nos Recursos Humanos tem de ser muito resiliente. As pessoas não mudam de hoje para amanhã.
Ter sido capaz de fazer o seu curso foi quase tão importante na sua vida como o que aprendeu enquanto o fez?
Fazer o curso não só me mostrou de que fui capaz de vencer um desafio que era grande, como me deu argumento de dizer aos outros que se eu fui capaz de fazer o curso naquelas circunstâncias, eles também serão capazes de cumprir os desafios que têm por diante.
Se voltasse atrás faria exatamente a mesma coisa. Realmente foram quatro anos que me mudaram muito, até em termos de ser capaz de arriscar. Se a vida é curta não deve ser desperdiçada. Não posso perder as oportunidades que tenho ao meu alcance mesmo que por vezes eles me causem fortes calafrios. Prefiro que me corra mal, mas pelo menos tentei. Acabamos sempre por aprender alguma coisa mesmo com o que corre mal.