“Sou diretora-geral da LPM e diretora-geral lá de casa” resume numa só frase Catarina Vasconcelos, 45 anos, diretora-geral da LPM. É preciso uma grande organização para conciliar a liderança de uma equipa de 120 pessoas e as atividades das duas filhas. No dia em que a entrevistámos, a sua cabeça estava não só na agência em Lisboa, mas também na Eslovénia onde estava a filha mais nova num intercâmbio, e em Paris, onde a mais velha ia embarcar sozinha para voar para Estrasburgo. “Dar mundo” às filhas em sido uma das suas principais preocupações, porque considera isso fundamental em qualquer pessoa. Mas Catarina também acabara de aterrar vinda do Cannes Lions 2015, onde esteve como jurada na categoria de Relações Públicas, integrando a representação portuguesa que, pela primeira vez, foi exclusivamente feminina.
Como foi suceder a uma figura tão marcante como Luís Paixão Martins?
Trabalho com o Luís desde 1997. Foi o meu mentor e fui “formatada” pelo próprio e pela cultura LPM. Não foi um “vipe”. Fui sendo preparada para isso. A LPM não é o LPM ou a diretora-geral. É toda uma equipa, e nós sabíamos que a empresa estava preparada para este passo. Mas foi um grande desafio para mim.
Sempre mantivemos a preocupação de inovar. Não queremos ser uns instalados
Qual a sua missão à frente da empresa?
É manter a liderança da LPM no mercado das agências de comunicação, continuar a incentivar e a educar na cultura LPM, que é uma cultura de solidez, profissionalismo, de foco nos resultados, mas também de inovação. Fomos a primeira agência de comunicação em Portugal já lá vão 29 anos, mas sempre mantivemos a preocupação de inovar. Não queremos ser uns instalados. Temos muito conhecimento pela nossa experiência e pela nossa carteira de clientes. Trabalhamos em quase todos os setores de atividade.
Quais os principais desafios que tem enfrentado, especialmente porque agarrou esta função em plena época de crise?
A questão da crise é interessante porque nós, até pelo sentido visionário do Luís Paixão Martins, preparámo-nos com a devida antecedência. Por isso sentimo-la, tivemos de fazer adaptações, como todos, mas não em cima do prejuízo, como muitos. Sempre tivemos a postura de querermos estar com os nossos clientes, de ir ao encontro das suas necessidades, porque quanto melhor sucedidos eles forem, melhor também para nós. Portanto, quando houve clientes que tiverem necessidade de reestruturação, nós ajustámo-nos com eles de forma a continuarmos a trabalhar da melhor forma possível, com os melhores resultados. Não foi um período violento porque estávamos preparados.
No futuro vai haver uma tendência para valorizar a área da comunicação, e das relações publicas em particular
E ao mesmo tempo também foram inovando, ajudando a encontrar novas soluções…
É verdade, simultaneamente tivemos essa preocupação de ir inovando, de ir criando novas áreas de negócio, sempre assentes nos nossos princípios de rigor, profissionalismo e rentabilidade. A LPM foi adquirindo e criando algumas empresas em diferentes áreas. Também inovámos com o online reputation management, e com o reforço da nossa posição nas áreas financeira, da saúde e do grande consumo, que têm muito peso no nosso mercado. Fomos diversificando no sentido da especialização, mas sempre a pensar numa comunicação integrada. Temos todas as valências necessárias para desenvolver campanhas de comunicação integradas para os nossos clientes. E esta é a tendência da comunicação no mundo. Voltei a confirmar isso quando estive no final de junho no Cannes Lions como jurada, a representar Portugal na categoria de relações públicas.
O que será diferente nesta área daqui a cinco anos?
Vai haver uma tendência para valorizar a área da comunicação, e das relações publicas em particular. Hoje as pessoas já percebem que as relações publicas são a área da comunicação mais completa, porque consegue desenvolver a tal comunicação integrada que as outras áreas da comunicação – tal como a publicidade – não conseguem. Se pensarmos numa campanha, temos criatividade, produção de conteúdos, cobertura mediática, comunicação digital, online reputation management, public affairs, …. e só as relações publicas conseguem desenvolver campanhas desta natureza. Tudo isto proporciona credibilidade e amplificação das mensagens para todos os públicos, comprovado com resultados reais. E há outra faceta importante das relações públicas que é gerar a mudança, seja de comportamentos, de legislação, de hábitos de vida, de mentalidades. Acredito que no futuro haverá uma maior valorização do papel das agências de comunicação e sobretudo das que conseguem trabalhar verdadeiramente as relações públicas.
Já se está a ultrapassar a ideia de que os homens é que eram melhores líderes e representavam melhor a empresa
Foi a primeira vez que Portugal levou a Cannes uma comitiva exclusivamente feminina. Que comentário faz a isso?
Não sou nada apologista de defender o desempenho de um profissional pelo género. Não acho que seja o género que nos distingue. Quando seleciono alguém não o faço pelo género – seja um colaborador ou um fornecedor. Tal como quando me escolhem também não estão a escolher pelo género. Acho que o que importa é o profissionalismo e até a liderança. Penso que os representantes do Cannes Lions 2015 olharam para três profissionais que entenderam que os podiam representar bem nas diferentes categorias e deu-se a coincidência de serem três mulheres.
Mas não deixa de ser curioso que este facto foi noticia e se tivessem ido três homens, como já terão ido muitas vezes no passado, nunca foi relevante…
Sim, as pessoas acharam curioso, foi a primeira vez. Mas isso significa que já se está a ultrapassar aquela ideia do passado de que os homens é que eram melhores líderes, porque representavam melhor, tinham outra presença, outra capacidade de afirmação, de argumentação ou até de imagem, ao nível da representação profissional. E as mulheres ao longo dos anos têm vindo a mostrar que são tão competentes ou mais do que os homens. E não é por serem mulheres.
Acredito que talvez em duas gerações conseguiremos uma situação mais equilibrada entre homens e mulheres
Como justifica então que ainda haja tão poucas mulheres em cargos de decisão?
Nos cargos de topo as pessoas já tem uma determinada idade e o facto de haver hoje mais mulheres licenciadas é abaixo dessa geração. Acho que os hábitos e até os estilos de vida, as opções profissionais, são mudanças que levam décadas, mas acredito que talvez em duas gerações conseguiremos uma situação mais equilibrada.
Na LPM alguma vez achou que o facto de ser mulher poderia impedi-la de chegar a um lugar de topo?
Não, mas na altura também não pensava nisso. Queria apenas uma progressão de carreira. Mas reconheço que a fase da maternidade é muito complicada para as mulheres. Os primeiros anos de vida do bebé são muito difíceis, porque conciliar exige um esforço adicional. Eu sou diretora-geral na LPM e sou diretora-geral lá em casa. Mas ultrapassando essa fase, há um crescimento enorme a nível pessoal e profissional, e os dois lados são muito importantes.
Passo a vida a dizer às minhas filhas que são a coisa mais importante da minha vida. Mas elas dizem que o telefone é o meu terceiro filho
Sentiu que a sua carreira abrandou quando teve as suas filhas?
Tive as minhas filhas com 28 e 32 anos, mas a minha carreira não abrandou, porque não podia abrandar. Mas obrigou-me a uma organização enorme para poder estar bem nos dois lados, e tive de procurar apoio. Porque esta atividade não é 9 to 5 ”nine to five”. Recordo-me que um mês e meio depois de estar a trabalhar, após a licença de maternidade da minha primeira filha, já estava mais magra do que antes de engravidar! Mas em simultâneo ficamos mais valorizadas, porque nos sentimos mais preenchidas. Os filhos são a melhor coisa que temos na vida. Passo a vida a dizer às minhas filhas que são a coisa mais importante da minha vida e que estão à frente de tudo e de todos. Mas é claro que já tive reclamações por parte delas, que dizem que o telefone é o meu terceiro filho. Acho que as mães trabalhadoras quando conseguem conciliar as duas valências, tornam-se grandes exemplos para os seus filhos.
Na LPM a questão da igualdade de género sempre foi uma questão presente?
Sempre foi assim e não houve necessidade de mudar nada com a minha liderança. Esta é uma área que tem muitas mulheres. Tenho muitas diretoras e diretores. As minhas equipas de gestão estão muito equilibradas e nunca houve qualquer descriminação.
Na sua relação com os clientes nota que há mais mulheres em cargos de decisão?
Já há um numero representativo de mulheres em cargos de liderança. Vê-se isso no vosso site. O facto de só ter mulheres executivas mostra que já há um numero significativo de mulheres a desempenharem cargos de liderança. Agora no fim do dia se formos olhar para CEO, conselhos de administração, sim, ainda há muitos mais homens do que mulheres. Penso que essa é uma evolução que leva tempo. Hoje nas faculdades não só há mais mulheres do que homens, como elas saem com melhores resultados do que eles. Portanto, julgo que haverá essa tendência de paridade dentro de alguns anos. Acho que o equilíbrio é muito importante porque homens e mulheres são diferentes e complementam-se.
Nós temos de pensar em tratar da roupa, das mãos e do cabelo… para além das outras coisas todas, como decidir o jantar
Teve de fazer sacrifícios para chegar à posição que ocupa?
Deixei algumas coisas para trás, mas ainda vou a tempo de as fazer. Aprender a tocar piano, por exemplo. Tenho muita preocupação de me organizar e de abdicar de muitas coisas pessoais para estar com as minhas filhas. Passo muito tempo a trabalhar, e não é só o tempo que estou no escritório, mas também o estar sempre disponível para atender o telefonema de um cliente ou de um colega, o estar no email, o ter de responder imediatamente a uma crise. Tento organizar-me para que, no pouco tempo que tenho, consiga estar com elas. Isso significa que tenho de abdicar de algumas coisas pessoais. Para nós mulheres é complicado, porque temos de pensar e tratar da roupa, das mãos e do cabelo,… para além das outras coisas todas. Eu decido o que é o jantar por sms, mas decido. O dia não tem 48 horas e por isso há que fazer escolhas. Aquelas pessoas que me dizem que conseguem fazer tudo, que são supermulheres… eu não acredito. Ou melhor, já somos supermulheres em conseguir fazer tanta coisa.
O que mais gosta no seu trabalho?
Gosto muito da área de consultoria estratégica e de pensamento estratégico, de conseguir encontrar soluções inteligentes para as diferentes matérias. E também gosto muito de gerir pessoas, de retirar o melhor delas, e de trabalhar em equipa.
E o que menos gosta?
Não é bem não gostar, mas há uma parte desta atividade com a qual é mais difícil lidar, que é o facto de trabalharmos conteúdos e assessoria, mas em muitas situações, nomeadamente nas peças mediáticas, o resultado não estar nas nossas mãos. Nós fazemos tudo o que está ao nosso alcance, mas basta uma pessoa não estar bem numa entrevista, uma imagem que não é bem captada, ou a própria agenda mediática mudar, para alterar tudo. Não conseguimos fechar o processo até ao fim, porque pode sempre surgir qualquer coisa e o cenário muda radicalmente. Embora se aprenda a lidar com esta imprevisibilidade, não é fácil e é a parte que me provoca alguma ansiedade.
Faz-me confusão as pessoas que são muito competentes mas depois não têm mundo
Como mantém o equilíbrio?
É sentir que cumpro os meus deveres a todos os níveis, como profissional, como mãe, como mulher e como amiga, o melhor possível. E tentar trabalhar muito e trabalhar bem, mas simultaneamente ter outros interesses na vida. Tento gozar a vida, adoro comer bem, beber bons vinhos, adoro estar com a família, com os amigos, andar a pé, viajar.
Faz-me confusão as pessoas que são muito competentes mas depois não têm mundo. É uma das coisas que procuro incutir às minhas filhas porque faz toda a diferença. Passo a vida a pensar nas viagens e as minhas filhas também adoram viajar. Fazem imensas viagens e intercâmbios internacionais e dão-se com pessoas de todo o mundo. Crescem imenso, ganham cultura geral e valorizam mais aquilo que têm. Isso e respeitarem todos de igual forma, esforçarem-se pelo que querem e valorizarem tudo o que têm, porque muitas vezes as gerações mais novas take it for granted, e não deve ser assim.
Que conselho deixa a uma jovem que ambiciona chegar a uma posição como a sua?
Ser competente, profissional, determinada e persistente.