Lisa Vicente: “Não há uma menopausa, mas tantas menopausas quanto mulheres”

Com a maior presença feminina no mercado de trabalho, a menopausa deixou de ser um tema estritamente pessoal, para interessar também às empresas. Conversámos com a médica Lisa Vicente para perceber até que ponto pode afetar o desempenho profissional.

Lisa Vicente é coordenadora da Competência de Sexologia da Ordem dos Médicos.

Cerca de 1,3 mil milhões de mulheres em todo o mundo estarão na pós-menopausa até 2030, segundo projeção da ONU. Por isso o mundo corporativo e os governos estão a ficar mais atentos ao tema, que até há pouco tempo era praticamente tabu, mesmo entre as mulheres. No Reino Unido, onde as mulheres na menopausa são o maior grupo demográfico nos locais de trabalho, o Parlamento apela a novas políticas laborais favoráveis às mulheres, incluindo formação sobre os sintomas da menopausa.

Um estudo da Michael Page no Reino Unido revelou que 3 em cada 5 mulheres que passam pela menopausa experimentam efeitos negativos no trabalho, sendo os mais comuns, distúrbios de sono, diminuição da concentração, mudanças de humor e aumento de ansiedade. Esta perda de potencial tem impacto tanto para as mulheres na sua vida pessoal e profissional como para os seus empregadores, alerta a consultora, salientando a importância dos empregadores considerarem de forma mais eficaz a força de trabalho de mulheres com mais de 50 anos no local de trabalho em que muitas estarão em transição para a menopausa, e reconhecerem a importância de apoio específico durante esta fase, pois isso é determinante para reter um grupo demográfico valioso pelo seu conhecimento, competências e experiência, para o sucesso das empresas. “Se as organizações estiverem bem informadas sobre a menopausa e dispuseram de sistemas de apoio em funcionamento, poderão ajudar os colaboradores a gerirem esta enorme mudança nas suas vidas e a diminuir o impacto no seu trabalho enquanto durarem os sintomas”, salientou Silvia Nunes, diretora da Michael Page em Portugal, num webinar sobre o tema promovido pela consultora no Dia Mundial da Menopausa em 2023.

Conversámos com a especialista Lisa Vicente sobre este tema para desmistificar algumas ideias sobra a menopausa. Lisa Vicente é médica assistente graduada de Ginecologia- Obstetrícia, com pós-graduação em Medicina Sexual e reconhecimento de Competência em Sexologia pela Ordem dos Médicos, é também coordenadora da Comissão da Comissão da Sexualidade Feminina e Desafios Culturais da Sociedade de Sexologia Clínica (SPSC) e criou e é responsável pela consulta de Saúde Reprodutiva da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP) desde 2002.

 

A partir de que idade se pode entrar na menopausa? Geralmente, associamos que é a partir dos 45/50 anos, mas há mulheres que começam mais cedo.

É verdade. A idade média das mulheres que entram em menopausa, em Portugal, é 51 anos. Mas, como sabemos, a média é apenas um conceito estatístico. Há mulheres que ficam em menopausa espontaneamente mais cedo. Outras, que na sequência de uma doença, cirurgia ou quimioterapia podem ficar súbita e precocemente em menopausa.

Define-se como menopausa precoce quando ela acontece entre os 40 e os 45 anos. Nas situações em que surge antes dos 40 anos, designa-se Insuficiência Ovárica Prematura.  Estas duas situações requerem um diagnóstico e conduta diferentes porque estão associadas a um risco acrescido de osteoporose e doença cardiovascular. É por isso importante consultar um especialista e tomar medidas especificas.

 

Os sintomas menos falados da menopausa são as dores das pequenas articulações, maior secura da pele em geral e das mucosas (por exemplo, da boca ou dos olhos), cansaço, alterações da memória e da capacidade de concentração, que são muitas vezes só consequência de um sono menos reparador.

 

Quais são os sintomas mais comuns da menopausa e, sobretudo, aqueles de que pouco se fala e que deixam muitas mulheres preocupadas sem perceberem o que lhes está a acontecer?

Os sintomas mais comuns são as irregularidades do ciclo menstrual, os “afrontamentos” (sintomas vasomotores), a alteração do ritmo do sono (acordar várias vezes ao longo da noite), a secura vaginal/ diminuição da lubrificação vaginal durante as relações sexuais. Apesar de serem os mais frequentes, quando surgem insidiosamente e/ou antes dos 50 anos, muitas vezes as mulheres não pensam logo nesta situação. E levam algum tempo até que “caia a ficha”. O que as pode deixar preocupadas.

Outros menos falados: dores das pequenas articulações, maior secura da pele em geral e das mucosas (por exemplo, da boca ou dos olhos). Cansaço, alterações da memória e da capacidade de concentração, que são muitas vezes só consequência de um sono menos reparador.

Uma mensagem importante: não há “uma” menopausa, mas tantas menopausas quanto mulheres. Porque os sinais e os sintomas são diferentes, como é diferente a forma como são sentidos.

 

Quando existem sintomas de menopausa, significa que já não é necessária contraceção?

A existência de sintomas não é sinónimo de que já não é possível engravidar. Durante algum tempo, na fase de transição, que se designa por perimenopausa, a contraceção não está garantida.  Pode existir por isso uma altura em que existem irregularidades menstruais, podem já existir alguns sintomas, mas em que ainda é necessário utilizar um método  contracetivo ( entre os vários disponíveis).

 

O estereótipo de menopausa como uma “fase de declínio físico e/ou mental” pode ser incorporado, individualmente, na forma como cada mulher se vê. É isso que importa mudar ativamente.

 

A menopausa ainda é um tabu, sobretudo quando se fala de carreira. Que impacto pode ter na vida profissional?

O impacto pode ser causado diretamente pelos sintomas que cada mulher sente no dia-a-dia ou indiretamente pela representação social que existe sobre menopausa. Na dimensão pessoal, quando existem muitos sintomas que diminuem o sono de qualidade a pessoa pode sentir-se mais cansada, menos motivada, mais irritável e com maior dificuldade de concentração. Tal como pode acontecer na fase do pós-parto, em que as noites mal dormidas, interferem da mesma forma na vida diária. É importante não se assumir que se tratam de “inevitabilidades hormonais”, mas que podem ser tratados (de diferentes formas). Na dimensão social,  o estereótipo de menopausa como uma “fase de declínio físico e/ou mental” pode ser incorporado, individualmente, na forma como cada mulher se vê. É isso que importa mudar ativamente.

 

Que conselho deixa às mulheres que se estão a aproximar da idade da menopausa?

. A menopausa é construída ao longo da vida, pelas escolhas no cuidado com o corpo e no bem-estar pessoal. Não é preciso esperar por uma idade para criar mudanças.

. Podem existir algumas mulheres que têm poucos sintomas associados à menopausa. O que pode ser muito confortável. Mas ter sintomas e dificuldades, não é razão para se sentir desanimada, até porque há soluções.  Pode ser uma boa razão para procurar ajuda e melhorar a sua qualidade de vida.

. Uma mensagem de ativismo para todas as pessoas: todos e todas podemos contribuir para mudar a representação social sobre menopausa e por isso mudar a forma como se vive esta etapa.

 

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