Bárbara Perino estudou em Inglaterra, apaixonou-se em Moçambique, mas foi em Portugal que deu “asas” ao seu espírito criativo e lançou a Lemon, uma revista de “modern motherhood” para mães reais, trabalhadoras, ativas e dedicadas, que muitas vezes se sentem culpadas por não serem perfeitas ou não conseguirem dar o seu melhor.
Mas a Lemon não é o primeiro desafio empreendedor de Bárbara Perino. Em simultâneo com a revista, integra a administração das empresas da família, o Grupo Perino, e abriu em conjunto com o então companheiro o Sentidos Beach Retreat, um hotel na praia do Tofo, em Moçambique, pela qual se apaixonou e viveu durante 10 anos.
Apesar de ter estudado Gestão, foi a paixão por moda e decoração de interiores, juntamente com os cursos que fez na Condé Nast College of Fashion & Design e na KLC School of Design, em Londres, que ajudaram Bárbara Perino a criar a Lemon, uma revista que já despertou a curiosidade de uma editora da Vogue inglesa, que a descreve como “refrescante, aspiracional e inclusiva para mães modernas”.
Em entrevista à Executiva, Bárbara Perino fala do seu percurso até edificar a Lemon, dos desafios de lançar de raiz uma publicação e dos próximos passos da sua revista.
Conte-nos o seu percurso até chegar à ideia da Lemon.
Aos 18 anos fui para Inglaterra estudar International Business, que aqui chamam Gestão de Negócios. A única diferença é que o curso tem mais um ano e um ano de uma língua à nossa escolha. Mais tarde acabei por ir para Moçambique, de onde é o meu pai e tenho família, e comecei a minha carreira profissional a estagiar numa das nossas empresas, de tecnologia hospitalar e laboratorial, que atua principalmente nos PALOP e em Lisboa. Depois disso fui até uma praia pela qual me apaixonei e fiquei lá a viver.
Numa praia em Moçambique?
Sim, na praia do Tofo. Tirei uma espécie de ano sabático. Entretanto, o pai do meu filho tinha um terreno em frente à praia e tivemos a magnífica ideia de fazer um hotel. No verão gostava de fazer cursos. Tirei um curso na Vogue, na Condé Nast, de gestão de revista, porque sempre tive essa paixão e também fiz um minicurso em decoração de interiores na KLC School of Design. Juntei esses know-hows ao know-how de África, que é algo que não se estuda, mas que é completamente necessário quando se monta um negócio nesse continente.
Foi uma grande luta, principalmente num país onde era mulher, jovem e estrangeira aos olhos de muitos. Entretanto, fiquei 10 anos a viver na praia do Tofo porque demorou muito tempo até conseguirmos abrir o hotel. Tive mais uma filha e depois, quando começou a ficar tudo muito pequeno para mim, decidi regressar a Portugal. Comecei por exercer o cargo de Relações Internacionais no grupo das nossas empresas e agora estou mais dedicada à parte da administração.
A administração das empresas da família é hoje a sua atividade principal?
Sim. O Grupo Perino está presente em vários países, nomeadamente Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Equatorial. O negócio foi crescendo, mas também a nossa responsabilidade em fazer crescer o grupo, minha, do meu irmão e do meu pai. Mesmo assim somos poucos para estar “em cima de tudo” e eu, nunca sendo aquele tubarão de negócios, sempre me guiei muito pelo coração. O “tubarão” é o meu irmão, que vai atrás do negócio. Eu prefiro gerir as pessoas, o ambiente, a motivação, tudo o que seja a micro gestão de diversas áreas na empresa. Mesmo assim, a minha vontade de criar e de querer fazer mais fizeram com que fundasse a Lemon em 2019.
“Na maternidade é tudo muito fofinho, mas depois pode chegar-se a um burnout”
Como é que surgiu a ideia da Lemon? Lemon remete-nos para algo ácido…
É verdade. Associa-se muito a maternidade e as crianças a uma fruta e geralmente a uma fruta que seja doce. É Lemon porque é uma revista que mostra todo o lado da maternidade moderna, mas ao mesmo tempo a parte ácida da maternidade. Vivemos numa sociedade maioritariamente masculina, mas que hoje, felizmente, já nos permite colocar em papéis de empreendedoras, gestoras e mães. Pelo menos na minha faixa etária, que tem filhos pequenos, desde que acordamos até nos deitarmos há sempre alguém que precisa de nós, seja no trabalho ou em casa. A maternidade tem um lado mágico, mas também tem o seu lado ácido e desafiante. É tudo muito fofinho, mas depois pode chegar-se a um burnout.
Sempre gostou deste meio editorial, mas porquê lançar uma revista sobre maternidade?
A ideia surgiu desde que fui mãe e sempre gostei de moda e criatividade. Quando os meus filhos nasceram comecei a ver moda infantil e vi que era aquilo de que gostava. Aqui ainda é um mundo muito pequeno, se bem que a maior parte das marcas internacionais fabrica em Portugal. Temos marcas portuguesas brutais que, infelizmente ou não, vendem mais lá fora, como a Wolf and Rita ou a Piupiuchick. Por exemplo, a Wolf and Rita no Japão é gigante e é uma marca maior do que muitas marcas que nós conhecemos bem.
Apaixonei-me por esse lado da moda e acho que quando se trata de moda infantil podemos viajar e explorar muito mais com os miúdos. Há pessoas que são muito criativas no seu estilo pessoal e as quais admiro imenso, mas com os miúdos podemos fazer o que quisermos. É um mundo muito giro. Claro que a Lemon também tem o seu dilema de responsabilidade social e ambiental, de falar de fast fashion e de slow living. Mesmo sendo uma revista de moda, temos consciência de que convém informar as pessoas de todo este mass market que existe. Somos todos super consumidores e hoje torna-se mais natural falar nos conceitos de reuse & recycle.
Mas a Lemon não é só produções de moda.
Somos realmente grandes em produções de moda. Há pouco tempo disseram-me que a Lemon é a “Vogue infantil a nível internacional”. Mas também falamos de outros assuntos importantes, sempre ligados à maternidade. Nesta última edição, por exemplo, falamos de burnout, de que toda a gente precisa de nós, mulheres.
“Foram mais as marcas e as pessoas que nos chamaram para o internacional do que propriamente nós”
Como é que nasce essa perspetiva internacional? Podia ter criado uma revista em português.
As primeiras quatro edições foram em português, mas infelizmente a aceitação vinha muito mais do exterior. Começámos a ouvir “gostamos tanto da Lemon, mas não podemos ler”. O nosso público em Portugal é um público que lê e escreve em inglês, por isso alterámos tudo para uma perspetiva internacional e começámos a distribuir através de uma distribuidora no Reino Unido. Foram mais as marcas e as pessoas que nos chamaram para o internacional do que propriamente nós.
A Lemon é um projeto seu ou está enquadrado no grupo da família?
É um projeto totalmente meu, independente, mas muito difícil de alavancar, especialmente tratando-se de uma revista impressa. A Lemon é uma revista quase colecionável, não está em bancas ou quiosques, mas sim em lojas específicas de revistas de coleção e independentes. Lá fora, por exemplo, está na Selfridges, em Londres, e na Barnes & Noble, em Nova Iorque. Em Portugal estamos no El Corte Inglés, mas procuramos mais pontos de venda.
Qual foi o investimento que fez para lançar os primeiros números?
O primeiro investimento que fiz foi de 40 mil euros, para lançar o título e montar a equipa.
E como é que o fez? Encontrar jornalistas, fotógrafos, designers.
A gestão é algo que já cresci a fazer, mas com a minha paixão por revistas e publicações comecei a apalpar terreno, a investigar, a ler e fiz tudo o que foi possível para perceber, primeiro, mais acerca do mercado, e depois do negócio em si. Pensei em como construir a equipa, de que pessoas ia precisar, jornalistas, editores, fotógrafos, equipa de moda e editorial, outsourcing de especialistas para falar de temas mais sérios. Fui montando a equipa devagarinho, primeiro com dois jornalistas, depois com três, depois com colaboradores. Atualmente na Lemon somos 11, mas sempre com colaboradores. As produções de moda são feitas maioritariamente lá fora, apesar de termos fotógrafos fantásticos em Portugal.
Tentei encontrar apoio governamental ou algum tipo de incentivo, mas não consegui. Há apoio às marcas que produzem roupa infantil e acho que seria importante também haver um apoio para uma revista portuguesa que é internacional.
Decidindo internacionalizar, começaram por Londres. A partir daí, como é que a Lemon foi ganhando escala?
Começámos por estar presentes nas capitais mais importantes da Europa. Depois da Europa passámos para os Estados Unidos, Austrália e depois para mercados muito importantes no panorama da moda infantil, como a Coreia do Sul e o Japão. Imprimimos na Lituânia. O negócio é global e torna tudo mais fácil. Tenho equipa em Londres, Barcelona e Lisboa, mas a Lemon continua a ser algo que veio de mim, sozinha. Começou por ser um projeto de fins de semana que se tornou num negócio. No princípio, um negócio complicado e um investimento a longo prazo. O lucro veio muito depois, porque o lucro não está em banca, mas sim em anunciantes e esses anunciantes grandes precisam da estabilidade de uma publicação durante, no mínimo, dois a três anos para começar a investir. Agora sim, temos clientes como Balmain, Dior, mas são clientes que estamos a trabalhar há dois anos.
E como é que se dá o passo para o site?
Percebemos, principalmente com a pandemia, que era importante ter uma revista digital, não acabando com a revista impressa. Mais uma vez, acredito que a Lemon é um produto colecionável. Gosto muito de ler publicações impressas, mas o digital é muito mais rápido, imediato e chega a todo o lado. Claro que a Lemon física também chega a bastantes sítios, principalmente às grandes capitais, onde a vida é mais cosmopolita e onde se aplica mais esse termo “maternidade/parentalidade moderna”. Mas sentimos que o digital também era importante e em breve vamos lançar um novo website para podermos estar onde devemos estar a nível digital.
Quais são os vossos mercados estrela?
Inglaterra, França, Itália, Dinamarca. Diria que é mais a Europa, mas agora um dos nossos mercados “estrela” e onde começamos a ser mais conhecidos é os Estados Unidos. O ano passado houve um boom de pessoas que nos começaram a ler, principalmente em Nova Iorque.
E como faz a promoção nesses mercados? Estão presentes em feiras?
Desde o momento em que a revista está presente na Barnes & Noble em Nova Iorque, por exemplo, a Lemon começou a aparecer mais. E depois as feiras, sim, principalmente a Pitti, em Itália e as Playtime e Kid’s Hub, nos Estados Unidos. Ainda assim, continuo a achar que o mercado em moda infantil de marcas independentes é mais europeu, mas as marcas comerciais também estão nos Estados Unidos e na Austrália. Adoro o mercado australiano e eles também nos adoram (risos). Gosto muito de ter histórias de mães australianas na revista. Mas a Lemon também já teve mães portuguesas, como a Carina Caldeira, a Catarina Furtado ou a Luísa Beirão, que são fantásticas, que nos seguem e dão muita força.
“Os pais não têm nada a ver com o que eram antigamente, já fazem parte dessa parentalidade moderna”
Como é que chega às mães australianas em termos editoriais?
Ando sempre à procura, principalmente no Instagram, que é uma boa plataforma para encontrar essas histórias. Já entrevistámos celebridades, principalmente pais, mas mães também.
Elas também ajudam a divulgar a Lemon.
É uma win-win situation. Nós nunca pedimos a divulgação, porque é algo que as influencers não fazem, a não ser que sejam microinfluencers, ou seja, têm menos de 10 mil seguidores. Quando divulgam é mesmo orgânico, querem mostrar que gostaram, que saíram na revista e que têm orgulho. Cada vez temos mais pessoas, influencers e celebridades. Trabalhamos muito com uma dos Estados Unidos, de Hollywood, e com influencers de Inglaterra. Agora torna-se tudo mais fácil. No início era difícil, eu é que ia atrás e agora recebemos propostas para entrevistar diversas pessoas.
Diria que o próximo passo é o novo site?
Sem dúvida. Quero um site mais dinâmico a nível de notícias, mais funcional e user-friendly. Quero mais notícias, não diariamente, mas dia sim, dia não. Gostaria que o site fosse uma continuação do intervalo dos três meses em que a Lemon sai e que as pessoas conseguissem tirar dali tudo sobre “maternidade/parentalidade moderna”. Parentalidade porque atualmente os pais não têm nada a ver com o que eram antigamente, já fazem parte dessa parentalidade moderna. Quase já não existe a obrigação de agradecermos por trocarem uma fralda ou fazerem o jantar porque já faz parte do que é ser um pai hoje em dia. Por isso às vezes quando digo “maternidade moderna” os pais corrigem-me e com razão.
“Parece que lá fora é sempre melhor, mas não é bem assim. Portugal tem uma ótima produção de moda”
E em termos de novos mercados, são os que vão aparecendo consoante as oportunidades?
A minha estratégia neste momento foca-se muito nos Estados Unidos. Mais uma vez, foi quase a convite de uma pessoa que gostou do que leu. Quando vamos ver os dados da Lemon conseguimos ver que está a crescer mais nos Estados Unidos. Há toda uma estratégia para esse mercado, nas cidades cosmopolitas. Outro mercado que gostaria de explorar é o Brasil. É toda uma estratégia que envolve muitos meses de trabalho. Quando falo no Brasil refiro-me a São Paulo, Rio de Janeiro. Nos Estados Unidos é Nova Iorque, Los Angeles. E continuamos fiéis ao nosso mercado europeu, que é um mercado que nos entende. Espanha, por exemplo, também é um bom mercado. Madrid e Barcelona são muito cosmopolitas.
A revista dá lucro desde que ano?
Fechando as contas de 2022, a revista vai começar a dar lucro este ano.
É preciso muita resiliência para continuar a investir dessa forma. E o mercado publicitário? Como chegam às agências internacionais?
Como a Lemon é internacional temos de estar no budget global das marcas e agências. Tenho a diretora comercial em Londres, e ela é a líder quando se fala em agências e no mercado publicitário. Mas eu também tenho de estar em cima de tudo.
Não sei se é verdade ou não, mas, que eu tenha conhecimento, a Lemon é das primeiras revistas internacionais portuguesas que existem. Provavelmente existem outras, mas impressa e presente em mercados internacionais não deixa de ser portuguesa. Infelizmente não em português porque o mercado não permite, mas é nossa, está lá fora e representa um pouco de nós. Portugal tem uma ótima produção de moda, não só infantil mas também de moda de mulher, como Victoria Beckham, Christian Louboutin. Acho que é importante e que infelizmente não nos orgulhamos do nosso mercado. Parece que lá fora é sempre melhor, mas não é bem assim. Acredito que temos uma qualidade fantástica a nível de jovens empreendedores, seja em moda, seja em tudo.
Sou eternamente grata à minha equipa e aqueles que acreditaram no projeto. Principalmente, ao meu “braço direito” em todos os negócios que tenho, que é a Isabel Matias, sem ela realmente não seria possível ter a Lemon “viva”. Também à minha comercial Erica Loi,ao Pedro Leitão, que está comigo desde o primeiro dia, e à Lara Franco Gomes.
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