Emília Duarte: “É vital que existam mais mulheres em lugares de destaque”

Emília Duarte é a primeira Professora Catedrática de Design em Portugal. Concretizado este sonho, a professora do IADE assume como missões contribuir para melhorar a equidade de género na academia e continuar a ajudar o Design a afirmar-se como uma área fundamental para fazer frente aos desafios do século XXI.

Emília Duarte é a primeira Professora Catedrática de Design em Portugal.

Emília Duarte é professora catedrática no IADE, faculdade de design, tecnologia e comunicação da Universidade Europeia, onde leciona desde 1991. Tem uma licenciatura em Design (1994), com especialização em Design Industrial, pelo IADE, mestrado em Ergonomia em Segurança do Trabalho (2004) e um doutoramento em Motricidade Humana com especialização em Ergonomia (2011) pela Universidade Técnica de Lisboa. Atualmente, é diretora da UNIDCOM – Unidade de Investigação em Design e Comunicação do IADE e do programa de doutoramento em Design. Emília Duarte foi nomeada Vice-Reitora de Investigação do IADE-U de 2014 a 2016. Os seus interesses de investigação estão relacionados com temas como ergonomia cognitiva, com ênfase em avisos e comunicação de segurança, realidade virtual, UX, IxD e design emocional, sobre os quais tem várias publicações internacionais.

 

O que significa para si ser a primeira mulher catedrática na sua área em Portugal?

Esta pergunta implica várias respostas. Ter conseguido chegar ao topo da carreira é, naturalmente, gratificante. Não posso dizer que tenha sido o alcançar dum objetivo porque, dado o escasso número de cátedras nas universidades (cerca de 7% dos lugares existentes), independentemente do seu mérito, a grande maioria dos professores de carreira não consegue chegar a esta categoria. Como tal, talvez tenha sido um sonho que se concretizou. Tendo acontecido, representa uma responsabilidade acrescida porque, para mim, isto significa o reconhecimento da excelência de um percurso de mais de 30 anos ao serviço do IADE e do Design, ao qual é preciso dar continuidade. Agora, num outro patamar, espero ter a inteligência e capacidade para ajudar o Design a afirmar-se como uma área fundamental para fazer frente aos desafios do século XXI.

Sinto-me honrada por ser a primeira mulher catedrática em Design em Portugal, pois os primeiros são sempre mais facilmente recordados. Fico feliz também por isso ter acontecido ao serviço do IADE, da Universidade Europeia, que se tem destacado pelo seu pioneirismo. Mas, por outro lado, sinto alguma tristeza, porque isto demonstra duas coisas. Primeiro, a falta de equidade de género que ainda existe na academia e, segundo, alguma imaturidade da institucionalização do Design em Portugal como disciplina académica. Estamos na segunda década do séc. XXI e, com base nos dados oficiais relativos ao ano de 2021, as mulheres representam cerca de 44% dos docentes universitários, mas apenas 25% dos 1553 professores catedráticos do país, sendo ainda menos (20%) se olharmos apenas para o setor privado. Não deixa de ser estranho, sobretudo quando temos registos de mulheres catedráticas nas universidades portuguesas desde meados do século passado. Uma das minhas missões, para o resto da carreira, será certamente contribuir para a mudança desta realidade.

Que sonhos tinha quando abraçou esta área?

Para mim, a essência do Design é a transformação do futuro. Tudo o que criamos hoje transforma o mundo e, por consequência, transforma-nos a nós mesmos. Por essa razão, sempre olhei para a área do Design como uma oportunidade de contribuir para melhorar o mundo. No início, tinha o sonho de criar melhores “coisas” ou, se preferirmos, artefactos que oferecessem aquilo que hoje designamos por uma boa experiência de utilização. Centrava-me sobretudo na interação entre o utilizador e a “coisa”. Hoje em dia, para além disso, que me parece continuar a ser parte importante de um design ético, preocupo-me sobretudo em pensar que “coisas” devem ser criadas, para que o design tenha um impacto positivo na sociedade e no planeta.

 

“Encontrar um ponto de equilíbrio entre o trabalho e o resto foi sempre um grande desafio”

Quais os principais desafios que enfrentou para chegar à posição que hoje ocupa?

Os desafios foram vários. Desde logo os longos anos de estudo e de avaliações necessários para a obtenção dos graus e títulos académicos, exigidos para sermos elegíveis para os cargos e categorias a que nos propomos na carreira académica. Acresce ainda a multiplicidade de dimensões da avaliação da carreira de professor, desde a componente pedagógica, à científica, passando pela gestão e transferência do conhecimento para a sociedade, onde se espera que seja excelente. Considerando que eu, tal como a maioria dos professores universitários, não recebi formação específica para a maioria destas dimensões, o processo de aprendizagem foi maioritariamente empírico, ao longo da vida, na base da tentativa e erro, o que pressupõe alguns dissabores. Por outro lado, tratando-se de uma profissão fortemente intelectual, onde a criatividade é crítica, a gestão da dispersão, agravada pela sobrecarga de tarefas concorrentes, com prazos apertados, foi sempre um desafio. Conseguir manter o foco e a motivação ao longo do tempo não é fácil, requer muita resiliência e alguma obstinação, mas, fundamentalmente, uma grande paixão pelo que se faz. Tenho perfeita consciência de tudo o que eu tive que abdicar, incluindo tempo para mim própria, para a família e amigos, para dar prioridade ao trabalho. Estive várias vezes perto daquilo que hoje se chama de ‘burnout’ e isso terá, eventualmente, um custo de saúde e bem-estar. Encontrar um ponto de equilíbrio entre o trabalho e o resto foi sempre um grande desafio para mim. Por fim, a gestão das minhas convicções e opiniões. Aparentemente, não fui dotada de grande capacidade política e/ou diplomática o que, reconheço, continua a ser o meu maior desafio.

Qual o projeto que mais a marcou na sua carreira?

O projeto mais marcante na minha carreira foi e continua a ser, sem dúvida, o projeto estratégico da UNIDCOM/IADE – Unidade de investigação em design e comunicação, que coordeno desde meados de 2015. Lutar pela afirmação da investigação em Design seria, por si só, uma missão épica, não só porque é um território ainda em construção, que tenta estabelecer-se e ganhar notoriedade, mas, também, porque, pela sua vocação aplicada, procura dar respostas a um mundo em constante ebulição. Para além disso, é uma tarefa que implica a definição e liderança de uma visão estratégica, no seio duma equipa heterogénea de mais de uma centena de investigadores, em diferentes estados de progressão e com projetos diversos. Tem sido um exercício espantosamente enriquecedor, que me permitiu aprender muito e construir uma visão ampla, holística e sistémica do design, nos seus múltiplos âmbitos e propósitos.

 

“Quanto maior for a diversidade, mais serão as hipóteses de criação de um mundo mais justo e sustentável”

Qual a importância de ter mais diversidade na sua área? As mulheres trazem abordagens ou preocupações diferentes?

A diversidade, em biologia, é a principal vantagem na resiliência das espécies, aumentando a sua capacidade de adaptação bem-sucedida em caso de alterações no ecossistema que permite a vida. Neste momento a humanidade enfrenta, uma vez mais na sua história, uma crise global complexa que ameaça a sua existência, pelo que a diversidade irá desempenhar aqui um papel importante, que irá muito para além das questões de género. Tratando-se de fenómenos globais, mas de atuação local, as abordagens devem ser colaborativas e inclusivas pois, só assim beneficiaremos da multiplicidade de conhecimentos, saberes, práticas e pontos de vista, que constituem a maior riqueza da humanidade. Para isso, precisamos de abandonar visões imperialistas, colonizadoras, chauvinistas, xenófobas e misóginas, para incentivar a diversidade, o diálogo e o convívio.

No que diz respeito às mulheres, em particular, sabemos que exuberância dos efeitos e a gravidade dos impactos das crises é desigual nas diversas regiões do planeta e nas sociedades, bem como nos diferentes grupos populacionais. Mulheres, crianças, idosos, pobres e algumas minorias estarão entre os grupos em maior risco, pois serão alvos fáceis de violência, exclusão, segregação e outros ataques aos direitos humanos. Como tal, precisamos de planos de ação urgentes para proteger estes grupos. Por outro lado, a sub-representação das mulheres na ciência, nas empresas, na política e em muitos outros sectores, tem grandes implicações quer na qualidade do trabalho desenvolvido, quer nas suas aplicações na comunidade. É crucial a adoção e aplicação dos planos para a promoção da equidade de género, pois é vital que existam mais mulheres em lugares de destaque, que sirvam de modelos positivos e fontes inspiração para as gerações futuras. Quanto maior for a diversidade, mais serão as hipóteses de criação de um mundo mais justo e sustentável.

Que conselho deixa a uma jovem sobre o potencial de fazer carreira na sua área?

Não há um só “design”, existem muitas visões, muitas abordagens, muitas práticas, tantas quantas os problemas que enfrentamos em cada contexto, em cada época, em cada lugar. Mas, neste momento, uma prática centrada na sociedade e/ou no planeta não é um capricho ou um luxo, é uma urgência. O Design excessivamente antropocêntrico, motor de uma economia capitalista, foi um dos grandes responsáveis para termos chegado a este estado de coisas. Para reverter este caminho, precisaremos de modificar substancialmente o nosso estilo de vida e para tal, precisamos de designers capazes de atuar no sistema sócio-tecnico, cujos princípios e valores estejam comprometidos com o impacto do seu trabalho, não só no imediato, mas também no futuro. Precisamos de designers com ética e com coragem para assumir o papel de guardiões, capazes de dizer que não a um pedido quando, ainda que bem-intencionado, possa comprometer a nossa sustentabilidade.

 

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