Natacha Pereira esteve na criação da Lisbon Digital School e ajudou a transformar o projeto, que nasceu de um sonho da sua fundadora, Virginia Coutinho, numa referência quando se fala de formação em marketing digital. A Lisbon Digital School tem uma oferta de mais de 30 cursos e formadores com experiência em empresas das mais diversas áreas, que lidam diariamente com os temas que leccionam. Este foi, aliás, um dos negócios que floresceu com a pandemia. Com os confinamentos e o teletrabalho, muitas empresas perceberam que o digital era cada vez mais importante para comunicarem com o seu target, o que levou a que muitos profissionais sentissem também necessidade de ganhar competências nesta área. Mas estar à altura destas novas necessidades também implicou para a equipa liderada por Natacha Pereira uma rápida reinvenção, pois a escola não dispunha ainda de oferta de cursos online, algo que teve de criar em muito pouco tempo para dar resposta ao mercado.
Esta não foi a primeira vez que Natacha Pereira sentiu a reinvenção na pele. A primeira foi quando pôs fim a uma ligação de 16 anos com o Grupo Impresa, onde foi gestora de projectos especiais e de marketing B2b, para abraçar o projeto ainda quase embrionário de uma escola de formação digital. O que muitos consideraram ser um passo atrás na carreira, foi para esta profissional um desafio que enfrentou com paixão. Licenciada em Línguas e Literatura Modernas, ingressou na Lisbon Digital School há quase quatro anos com funções de gestora de parcerias e novos negócios, chegando à liderança da escola em setembro de 2021, ocupando o lugar deixado vago pela morte da sua fundadora, em abril desse ano.
Licenciou-se em Línguas e Literatura Modernas e começou a trabalhar em gestão de projetos. Que ideia de futuro tinha quando escolheu o curso e o que a levou a escolher este início de carreira?
Na verdade, fui mais uma daquelas adolescentes teimosa, que, com 16 anos, acredita piamente que sabe tudo, com a determinação romântica de seguir os sonhos. Sempre fui uma contadora de histórias e vivia mergulhada em livros. Línguas e Literaturas Modernas foi o seguir de um sonho. Ainda sem projecto(s).
Por não conseguir estar parada, mas também por começar a ter consciência de que as saídas profissionais do meu curso não me iriam realizar, investi na minha formação, com uma pós-graduação de Marketing Editorial na Faculdade de Letras. Sempre a trabalhar em paralelo.
Uma busca inquieta de algo, talvez inspirada nos múltiplos Eus de Fernando Pessoa.
Foi uma experiência numa empresa de consultoria em língua portuguesa, o Letrário, e a oportunidade que me deram de gerir projetos, que se assumiu como determinante para despertar a vontade de seguir um percurso mais orientado para a gestão de projetos e pessoas.
Num convite para um estágio, cruzo-me com o jornal Expresso, e aqui deparei-me com a primeira grande decisão do meu percurso profissional. A oportunidade de crescer numa empresa familiar, ou a entrada num dos maiores grupos de media, que seria o materializar de um sonho de me cruzar com o mundo do jornalismo.
“A Lisbon Digital School é o projeto da minha vida”
Quais as principais aprendizagens que fez ao longo de 16 anos na Impresa?
A Impresa foi uma Escola! E uma Casa! Embora sinta que me demorei muito tempo num mesmo lugar, podendo prejudicar a minha valorização no mercado profissional, por outro lado, foram 16 anos de enorme crescimento, pessoal e profissional. Conheci pessoas e profissionais incríveis, com quem aprendi muito, pessoas que me inspiram ainda hoje.
O que sou hoje, profissionalmente, é sem dúvida reflexo da bagagem que transportei nestes 16 anos. Das experiências que vivi e das relações interpessoais.
Trouxe comigo a resiliência, a determinação, a capacidade de me desafiar, a versatilidade de assumir diferentes projetos, a passagem de um modelo de partilha de conteúdos totalmente offline, com a distribuição do jornal Expresso e das revistas Visão, Exame, entre outras, nos pontos de venda, TV — a SIC, para um modelo híbrido, com conteúdos digitais, em que tivemos de estar onde estava o novo consumidor, nas diferentes plataformas consumidas. Um processo marcado por alguma resistência, legítima, por parte de todos aqueles que viram nascer o jornal e as revistas, no papel.
A maior aprendizagem, a de gerir conflitos, egos, e frustrações, sem nunca abdicar dos valores em que acredito.
A Impresa esteve na minha vida enquanto me identifiquei com o projeto, e até quando consegui contribuir para o seu crescimento, e acrescentar valor.
Que skills considera fundamentais para ser uma boa gestora de projetos?
Uma boa gestora, de projetos, pessoas, processos, em primeiro lugar tem de acreditar e inspirar todos os que estiverem envolvidos. O sentido de propósito. Acredito que o que somos na vida pessoal reflecte-se no contexto profissional. Seres humanos completos são bons profissionais.
A determinação, o espírito de missão, a resiliência, organização, a versatilidade, a confiança são factores determinantes no sucesso na gestão de qualquer projeto. A inteligência emocional, o saber delegar, confiar na equipa, dar voz a todos os elementos, errar, aceitar o erro, com a capacidade de inovar.
O compromisso a 100% com tudo em que nos envolvemos, e uma visão 360.º, que nos permita conhecer todos os processos, numa perspetiva operacional e estratégica.
Qual o projeto em que mais se orgulha de ter participado?
O projeto de que mais me orgulho de ter participado, que sinto como meu, é a Lisbon Digital School, sem dúvida. É o projeto da minha vida!
O que mais me desafiou e me fez sair da minha zona de conforto. Onde tive oportunidade de me encontrar em toda a minha plenitude, enquanto profissional e ser humano. Um projeto com os valores em que acredito, pensado e concebido por uma pessoa que admiro muito. Com uma missão de combater a iliteracia digital do nosso país, e de capacitar uma nova geração com competências digitais que lhes permitam tornar-se mais competitivos e contribuir para a transformação digital do nosso país. Transformação que começa em cada um de nós.
Enquanto Impresa, não consigo pensar num projeto específico, seria redutor daquele que senti como o meu contributo neste grande grupo editorial. Em tudo o que fiz, nas diferentes áreas, orgulho-me de ter contribuído sempre de alguma forma para o propósito deste grande grupo editorial: partilha de informação e notícias com rigor e imparcialidade.
O jornal Expresso, porque sempre foi uma referência para mim, desde adolescente, é o que guardo com mais orgulho dos 16 anos de Impresa. A referência do jornalismo portugês.
Enquanto desafio, o processo de digitalização de todas as marcas do grupo, para o qual todos contribuíram, mostrando a capacidade de adaptação a consumidores com outras exigências.
“Ouvi opiniões de que teria dado um passo atrás”
O que a levou a mudar para a Lisbon Digital School e que mudanças isso implicou na sua carreira?
Toda a sequência de acontecimentos que me levaram à Lisbon Digital School são de uma gratidão pela vida e algo que eu espero ser uma história inspiradora.
Decidi, ao fim de 16 anos, sair do grupo Impresa. Estava a acusar cansaço e uma vontade de agarrar um projeto que me desafiasse. Em tudo na vida, só consigo estar com paixão. De outra forma não faz sentido. Foi um risco, enorme, mas ponderado. Larguei 16 anos de segurança, de porto seguro, mas a vida é feita de riscos, e, essencialmente, de nos sentirmos realizados, felizes.
Nos últimos anos na Impresa, estive no departamento de Marketing Directo, onde desenvolvíamos campanhas de marketing, nos canais offline e online. O marketing já era uma paixão, e tornou-se claro que o digital seria o caminho.
A Virgínia Coutinho tinha-se cruzado comigo na Impresa, numa formação de marketing digital. Como grande referência continuei a acompanhá-la nas redes sociais. Determinada a explorar o marketing digital, a Virgínia foi a pessoa que procurei para me orientar com a sua sabedoria.
Mal eu sabia que nesse momento a Virgínia estava a preparar o lançamento daquele que seria o projeto da minha vida, para o qual me viria a convidar para explorar o canal corporate, a Lisbon Digital School, uma escola de formação dedicada ao marketing digital. Estávamos em 2018.
Foram os três anos mais impactantes, intensos, da minha vida. Três anos que se manifestaram na experiência de uma vida inteira.
Vir de um grupo, como a Impresa, com centenas de colaboradores, para um projeto que nasce no sótão da casa da Virgínia com três pessoas, em que eu, não só fazia o new business, como atendia o telefone e respondia a emails de alunos quando era preciso, e sem uma garantia de que ia ser bem sucedido.
Ouvi algumas opiniões de que nesta minha posição teria dado um passo atrás. Não houve um momento em que tivesse hesitado ou me questionasse se tinha tomado a decisão certa. E claro que houve dias menos fáceis.
Fazer nascer uma marca, sem apoios, com as dificuldades com que um(a) empreendedor(a) se depara no nosso país, foi um processo que acompanhei ao lado da Virgínia. Brindávamos com cada pequena conquista, que passava por uma edição de um curso ou de uma masterclasse que fechava com quórum, ou o feedback positivo por parte de um profissional da área, ou a resposta positiva de uma marca com vontade de trabalhar com a LDS.
Reinventei-me, desafiei-me, sem filtros.
Qual o impacto da pandemia na formação e na atividade da LDS, em especial?
Março de 2020 foi um mês de muitas dúvidas, pelo silêncio dos nossos clientes e marcas. Era constrangedor fazer contactos comerciais e do outro lado… um silêncio inquietante. E agora? No entanto, em Abril de 2020, o mercado acordou, reagiu.
E também nós nos reinventámos. Até aqui a nossa oferta formativa era exclusivamente presencial. A pandemia veio acelerar algo que já estava pensado mas vinha a ser adiado: formações no formato online ao vivo.
A pandemia, que foi castradora para muitos negócios e sectores, no caso da Lisbon Digital School, reflectiu o oposto. Foi o momento em que as marcas tomaram consciência da fulcralidade do digital.
Quem não tinha redes sociais, queria estar presente no Facebook, fazer lives no Instagram, recrutar no LinkedIn. As marcas que já estavam nas redes sociais, queriam otimizar a sua presença, saber como comunicar de forma mais eficaz com os seus clientes através das redes digitais; quando comunicar, o quê. Impactar novos públicos através de campanhas.
Assistimos também a uma crescente movimentação de profissionais que se depararam com a necessidade de mudar de área e a aposta no digital assumiu-se como segura.
Foi um ano de grande crescimento, em que a Lisbon Digital School se assumiu como a autoridade no Marketing Digital e embaixadores na missão de aumentar a literacia digital, não só nas organizações, como nos recursos e nos indivíduos. Foi o ano em que o nosso curso especializado de Marketing Digital se afirmou como uma aposta por todos os que se queriam capacitar nesta área e reinventar com solidez num programa prático e com profissionais reconhecidos. Mas também uma procura nos nossos cursos de curta duração por parte de profissionais da área que investem em reskill e upskill para se valorizarem.
Se já se falava muito em formação ao longo da vida, agora fala-se imenso em reskill e upskill. A LDS tem beneficiado desta vaga?
A Lisbon Digital School, não só tem beneficiado, como tem sido uma das entidades promotoras desta tendência.
O marketing digital está em constante mudança. Os profissionais desta área têm de se actualizar permanentemente. A prova disso são as novas redes sociais que nascem e as actualizações constantes às já existentes, trazendo sempre novidades e perspectivas diferentes para as marcas e consumidores.
Temos alunos e marcas que nos acompanham desde 2018, com a permanente necessidade de atualizarem os seus conhecimentos no digital. E nós estamos constantemente a fazer crescer a nossa oferta formativa para acompanharmos esta tendência. Os nossos programas são revisitados pelos nossos formadores com a mesma velocidade com que as coisas acontecem neste ecossistema.
Esta tendência de procura de novos conhecimentos, assim como actualização dos já existentes, é cada vez mais suportada pelas organizações, que investem em acções de formação dos seus recursos valorizando-os. É também uma estratégia de tornar os seus recursos embaixadores das marcas que representam.
“Para muitos o digital é a luz no fundo do túnel”
As mulheres parecem normalmente mais desinteressadas das áreas tecnológicas. Há grandes disparidades de género e de idades nos vossos cursos?
Curiosamente, os nossos cursos são maioritamente compostos por alunas. O mesmo acontece nos cursos de Comunicação e de Marketing das universidades. No entanto, quando pensamos em grandes nomes do Marketing Digital em Portugal, três quartos são homens. Quando olhamos para os cargos de chefia desta área, na sua grande maioria são compostos por homens. E quando revemos o nosso painel de formadores, as formadoras estão significativamente em minoria. Uma tendência que queremos naturalmente inverter, e que nos levou a desenvolver a iniciativa que vai marcar o dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, em que vamos dar voz às Mulheres do Digital numa tarde de partilha de experiências inspiradoras, no instagram da Lisbon Digital School.
Assistimos a uma diversidade etária nos nossos alunos, desde recém-licenciados, entre os 21 e 24 anos, que nos procuram para preencher a lacuna do digital nas licenciaturas dos cursos de marketing e comunicação em Portugal, até profissionais com percurso sénior, entre os 40 e 46, que procuram efetivamente actualizar conhecimentos, o upskill e o reskill típico nesta área.
A pandemia, e o boom do digital, trouxeram também um movimento protagonizado por um novo target, pessoas mais velhas, com percursos profissionais marcados por permanência numa mesma empresa durante anos, com algum comodismo, que se questionaram quando confrontados com uma pandemia, confinamentos, teletrabalho.
Na Lisbon Digital School recebemos muitos alunos cujo propósito é mudarem o seu rumo profissional, sendo o digital a luz no fundo do túnel.
Quais têm sido os seus principais desafios desde que assumiu a liderança da Lisbon Digital School em 2021?
Um amigo disse-me há uns tempos uma frase que define bem esta mais recente etapa da minha vida. “Ser CEO é uma maratona, não é uma corrida de 100 metros”. It´s true! Uma maratona em que temos connosco todos os que acreditam em nós e nos apoiam e não queremos defraudar, mas também os que esperam que tropecemos e desistamos.
Numa perspetiva individual, acima de tudo, a responsabilidade de estar a dar continuidade a um projeto nascido de uma Mulher visionária e inspiradora como a Virgínia Coutinho, uma referência para todos. Este é, sem dúvida, o desafio de maior responsabilidade, e que tenho presente todos os dias, com a determinação de levar avante a sua missão, que também é minha. Assim como inspirar a minha equipa e todos os dias motivá-los e fazermos acontecer, juntos! E todos os que estão neste projeto desde o início, e acreditaram sempre. Todos os formadores da Lisbon Digital School, e parceiros. E não defraudar o voto de confiança que o WYgroup, o Pedro Janela, me deu. Gratidão!
Enquanto Escola, unidade de negócio, numa área em constante mutação, impõe-se que consigamos antecipar as mudanças, inovar, o que requer um olhar muito atento e estratégico, e, ao mesmo tempo, uma posição muito firme para que os valores e propósito da Lisbon Digital School não sejam comprometidos. E manter o nível de qualidade a que habituámos os nossos alunos e clientes desde o início, com uma proximidade e cuidado que nos caracteriza. O foco sempre nas pessoas.
A nível pessoal, o grande desafio é sem dúvida conseguir o equilíbrio entre dias intensos com um projeto que exige muito, vivido por uma pessoa workaholic, e as exigências de uma família com três filhos, que precisam muito de mim. Este equilíbrio consigo-o porque tenho ao lado uma pessoa incrível que sempre me instigou a correr atrás do que me realizava, e que me apoia e motiva. Ambos com um dia-a-dia profissional intenso, conciliar com a dinâmica familiar é arte. Por vezes, temos de ser muito criativos.
Se voltasse atrás no tempo que conselho daria a si própria com 20 anos?
Se voltasse atrás no tempo, com 20 anos… Na verdade, aos 20 anos já era uma “alma velha”, que me escutava muito e me debatia diariamente com dúvidas existenciais. Os erros, inseguranças, teimosias, fragilidades, que me acompanharam aos 20 anos, foram os que me permitiram ser o ser humano que sou hoje. O ser humano que está por trás da profissional determinada, que espera não defraudar as expetativas de quem me acompanha e está ao meu lado.
Mas deixo um conselho a todos os que têm agora 20 anos. Sejam determinados no vosso propósito de vida, seja ele qual for. Façam-no com paixão e sempre com o coração do lado certo. Procurem no vosso percurso de vida e profissional tocar a vida de outras pessoas. Sejam embaixadores da vossa marca pessoal.
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