Apresenta-se como Sustainability Champion in Chief da Systemic, empresa que fundou e onde tem desenvolvido projetos na área da sustentabilidade para diversas empresas e instituições como Crédito Agrícola, Embaixada Britânica em Lisboa, Companhia das Lezírias, HCapital, CEiiA, entre outras. Sofia Santos, 46 anos, economista especializada em financiamento verde, climático e sustentável, é também consultora do Green Climate Fund das Nações Unidas para África e membro do Comité de Investimento do Fundo para a Inovação Social e coordenadora do curso para executivos do ISEG em Sustainable Finance, professora associada do ISEG e responsável pela implementação dos temas da Sustentabilidade nesta escola.
Após a licenciatura em Economia pelo ISEG, iniciou a sua carreira em 1997 no Research Department do Merryl Lynch, em Londres, onde fez um mestrado em economia pela London University (1999). Regressou a Portugal em 2000, tendo trabalhado em ONG, agências de notícias, INE e CELPA. Desde 2004 tem-se dedicado, na maior parte do seu tempo, a projetos de consultoria na área da sustentabilidade, percurso que foi interrompido para de 2016 a 2018 desempenhar funções de Secretária-Geral do BCSD – Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, e de novembro de 2018 a setembro de 2019 como técnica especialista no Gabinete do Ministro do Ambiente e da Transição Energética para os temas do financiamento sustentável e financiamento verde/climático, nomeadamente, tendo sido coordenadora do Grupo de Trabalho para o Financiamento Sustentável coordenado pelo Ministério do Ambiente e da Transição Energética em parceria com o Ministério da Economia e o Ministério das Finanças.
Em 2012 concluiu o doutoramento pela Middlesex University, na Inglaterra, com uma tese sobre como podem os bancos contribuir para o desenvolvimento sustentável. Publicou seis livros sobre economia verde e circular, gestão sustentável e finanças sustentáveis.
O que é um financiamento verde, climático e sustentável?
É aquele financiamento que incorpora no processo de decisão (de financiar ou não) a análise à forma como o projeto contribui positivamente ou negativamente para temas ambientais, sociais e de governação ou seja, éticos. Este financiamento pode provir de bancos, fundos de investimento, fundações, financiamentos públicos entre outros. A ideia subjacente, pelo menos no espírito da regulação europeia, é que todos os financiamentos incorporem estes aspetos. E caso os impactes sejam negativos, então o financiamento não deveria ser disponibilizado.
A banca em Portugal está preparada para oferecer este tipo de financiamento?
Mais ou menos. O Crédito Agrícola (com quem a Systemic colabora) está desde junho de 2021 a realizar esta incorporação dos temas ambientais, sociais e éticos atribuindo uma notação ambiental e social a todas as empresas (desde em nome individual, micro, PME e grandes) que solicitam novos empréstimos. É concedida uma notação à empresa e outra ao projeto. O banco está a compreender qual é o grau de desempenho dos seus clientes e vai começar, ainda este ano, a dar formação aos seus clientes sobre como estes podem melhorar as suas práticas ambientais e sociais. Mais tarde, esta dotação ambiental irá estar associada ao custo do capital e, por isso, quanto menor for a notação (ou seja, menor alinhamento com a sustentabilidade), maior poderá ser a taxa de juro, podendo mesmo o empréstimo ser rejeitado.
Esta forma de fazer as coisas vai ajudar as empresas a lidarem com um futuro de curto prazo. O próximo quadro comunitário vai incluir estas exigências e a regulação europeia, que está a incidir sobre bancos e fundos de investimento, vai induzir a que esta notação seja atribuída de forma generalizada por todos os bancos, mais cedo ou mais tarde. Quando mais depressa acontecer, mais cedo será possível ajudar as empresas a acelerar a sua caminhada na sustentabilidade.
Em plena pandemia, duas grandes mudanças ocupam ainda as preocupações dos líderes: a transição energética e a urgência climática. São objectivos conciliáveis?
São objetivos 100% alinhados. Urgência climática vem precisamente do facto de a temperatura do planeta estar a aumentar devido a um elevado consumo de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) e que têm constituído a matriz energética do mundo desde sempre, em particular desde 1950.
O consumo de combustíveis fósseis dá-se através de processos de “queima” de carvão, petróleo e gás para a produção da energia que precisamos para as nossas casas e através do processo de combustão que coloca os nossos carros em andamento, tem como consequência a produção de Carbono que contribui para o aumento dos Gases com Efeitos de Estufa.
Isto origina um aumento da temperatura do planeta que, por sua vez, leva a uma mudança do clima, passando a existir vagas de calor mais fortes, chuvas muito mais intensas, tempestades imprevisíveis, degelo dos árticos que origina uma alteração nas correntes e na temperatura do oceano, levando ao aumento do nível das águas do mar e fazendo com que as zonas perto do mar possam ser inundadas.
Na realidade, há países que vão ficar debaixo de água com o aumento da temperatura que sabemos que já vai ocorrer. Para baixar estas emissões de Carbono é necessária uma transição energética, deixarmos de queimar combustíveis fósseis e passarmos a usar fontes de energia renovável — como a do sol, do vento, do mar e dos solos – para a produção da energia que necessitamos. A produção de energia vinda de fontes renováveis não emite Carbono e isso contribui para um maior equilíbrio climático no mundo.
Existem vários estudos académicos, em Portugal e nos EUA, que comprovam que se apostarmos na produção de eletricidade com base em energia renovável a produtividade do país cresce, bem como a criação de emprego.
A necessidade de crescimento e recuperação económica podem fazer perigar o crescimento sustentável?
Não. Aliás, o que se pretende a nível europeu é que esta recuperação económica seja verde e sustentável. Desenvolvermos atividades com menor impacte ambiental não significa não prosperar. Antes pelo contrário. Existem vários estudos académicos, em Portugal e nos EUA, que comprovam que se apostarmos na produção de eletricidade com base em energia renovável a produtividade do país cresce, bem como a criação de emprego.
Existe um grande desconhecimento por parte da maioria dos economistas sobre estes temas. Mas na realidade um crescimento económico que aposte na economia verde é o crescimento mais produtivo e capaz de gerar mais postos de trabalho.
Estamos numa fase de transição do sistema económico e alguns setores vão terminar, outros adaptar-se e novas atividades vão surgir. Já conseguimos antecipar quais os setores que serão mais impactados, e por isso poderíamos começar desde já a recapacitar os trabalhadores desses setores com novas competências para que consigam transitar, de forma natural, para outros setores, e assim garantir que esta transição não leva ao desemprego, mas sim à prosperidade.
Porque prefere “economia verde” a “desenvolvimento sustentável”?
A definição de desenvolvimento sustentável como sendo aquele que “procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades” é demasiado ampla para o processo de decisão das organizações. As empresas necessitam de se orientarem por definições mais pragmáticas.
Por sua vez, a economia verde é definida como sendo uma economia de baixo carbono, eficiente em termos de recursos e socialmente inclusiva. Numa economia verde, o crescimento do emprego e do rendimento é impulsionado pelo investimento público e privado em atividades económicas que baixam os seus impactes ambientais, em infraestruturas e ativos que permitem a redução das emissões de carbono e de poluição, bem como uma maior eficiência energética e de recursos. Tudo isto tendo como objetivo a prevenção da perda de biodiversidade e serviços dos ecossistemas. Penso que “economia verde” consegue dar orientações práticas às empresas e pessoas.
O “desenvolvimento sustentável” é mais amplo, o que pode ser uma boa desculpa para a não ação.
Atualmente há muita coisa no mundo que é fator de progresso e que não tem um valor de mercado: a paz, a segurança de andar na rua, o ar puro que respiramos, a biodiversidade que nos permite ter alimentos, as zonas húmidas que fazem parte do processo de purificação da água que bebemos, as florestas que evitam cheias. Tudo isto tem um valor e o PIB não o inclui.
Defende que temos de temos de mudar a fórmula como calculamos o crescimento. Como deve, então, ser avaliado?
O Produto Interno Bruto (PIB) só incorpora as “coisas” que têm um valor de mercado. Atualmente há muita coisa no mundo que é fator de progresso e que não tem um valor de mercado: a paz, a segurança de andar na rua, o ar puro que respiramos, a biodiversidade que nos permite ter alimentos, as zonas húmidas que fazem parte do processo de purificação da água que bebemos, as florestas que evitam cheias. Tudo isto tem um valor e o PIB não o inclui.
Por exemplo, Monsanto em Lisboa. Se não tivéssemos Monsanto, as cheias na zona de Alcântara seriam muito mais graves do que já o são, pois com chuvas intensas a floresta de Monsanto também absorve a água nos seus terrenos, e essa água deixa de ir diretamente para a zona de Alcântara evitando assim mais casas e restaurantes inundados. E quanto valem os serviços dos ecossistemas de Monsanto? Não sabemos.
É por isto que a medição atual do PIB está errada e precisa de incluir os ativos e passivos ambientais, sociais e éticos do país.
Todos percebemos que os recursos são finitos, mas a economia continua a apostar no consumo desenfreado. Onde é que isto vai acabar? Movimentos como os que defendem e praticam a economia circular e o combate ao desperdício podem fazer a diferença?
Eu acho que muita gente ainda não percebeu nem acredita que os recursos são finitos. E por isso, continuam a consumir de forma desenfreada. Atualmente ainda temos um sistema económico que aposta no consumo linear – comprar coisas novas. No entanto, e se virmos o último anúncio do IKEA na televisão, já se evidencia que as marcas estão também a apostar na venda de produtos já usados. E é o que faz sentido.
A Phillips, por exemplo, já vende iluminação e não as lâmpadas, pois prefere “ser dona” das lâmpadas, arranjá-las e arrendá-las de novo, do que comprar/construir lâmpadas novas.
Já há também empresas que não vendem máquinas de lavar a roupa, mas sim vendem um número de lavagens. Preferem “ser donas “ da máquina para a poderem arranjar e voltar a usar as peças noutros equipamentos.
Para saber mais sobre estes negócios da economia circular, podem consultar este site do Estado Português: https://eco.nomia.pt/pt/exemplos
A tendência da economia circular, partilha, reutilização e servitização (a ideia de que em vez de comprar uma máquina de lavar a roupa compro o serviço das lavagens) está a crescer muito junto de toda a comunidade. E este é o caminho.
A descarbonização terá custos económicos e sociais. Que sectores e áreas serão mais afectadas? O que podem os Estados fazer para colmatar este efeito?
Para atingirmos a descarbonização é necessário fazerem-se investimentos. Custos e investimentos são coisas muito diferentes. Investimentos são despesas que geram retorno no futuro. E investir em tecnologia e educação que promova a descarbonização, constitui assim um investimento que vai originar um aumento do PIB e do emprego. Obviamente que em fases de transição há setores que vão ser impactados: todos os relacionados com carvão, petróleo, gás, transportes, construção e mobilidade.
Por exemplo, uma oficina tradicional dentro de 10 anos vai deixar de poder existir como é hoje. Os veículos híbridos e elétricos estão a aumentar e, uma vez que estes não podem ir a uma oficina normal, seria aconselhável que os trabalhadores destas oficinas aprendessem a trabalhar com carros elétricos e fizessem as adaptações necessárias nas instalações das oficinas. O Estado pode co-financiar a mudança da oficina e pode promover a requalificação destas pessoas o mais rapidamente possível. Isto é só um exemplo, mas penso que ajuda a compreender o âmbito do tema.
Como se situam as mulheres perante estes problemas?
De uma forma geral as mulheres preocupam-se mais com os temas da sustentabilidade e não têm vergonha do assumir. Veja-se a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde e a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que têm colocado o tema da economia verde e da sustentabilidade na agenda europeia e na agenda do setor financeiro. Devido às suas características naturais de “tomar conta de”, para as mulheres é muito mais claro que é urgente proteger as pessoas dos impactes negativos decorrentes das alterações climáticas e por isso é também muito mais evidente para as mulheres implementar ações concretas, e falar menos.
Quanto menos recursos naturais há, mais difícil a vida se torna para as mulheres e jovens.
O género feminino sendo, globalmente, mais pobre e desfavorecido pode ser mais afectado.
De facto, é o género feminino que mais sofre com as alterações climáticas nos países em desenvolvimento, pois recai sobre as mulheres a produção de alimentos. Para isso necessitam de ir à procura de água e de materiais para fazer o fogo necessário e como essa procura pode implicar deslocações grandes, as mulheres e jovens são muitas vezes violadas e assaltadas nesse percurso. Quanto menos recursos naturais há, mais difícil a vida se torna para as mulheres e jovens.
Por outro lado, a instalação de painéis fotovoltaicos numa aldeia no meio de África pode salvar vidas e promover a ascensão social. Um painel solar/fotovoltaico pode criar sombra, com sombra há mais pessoas na rua e a rua torna-se segura. Com essa energia pode-se ter carregadores que forneçam luz à noite, tornando a rua também segura à noite, permitindo que adultos e crianças vão à escola à noite, que se criem negócios de venda de sumos, gelados e comida (pois sem energia não há frigoríficos e sem frigoríficos não se conseguem manter os alimentos). Um painel solar baixa a necessidade de se queimar madeira das árvores para fazer comida, pois podem usar fogões elétricos ou solares, e isso faz com que a desflorestação diminua e que as mulheres e jovens tenham de andar menos na busca de combustível. Um painel solar pode mudar a vida de uma vila inteira. Tão simples e tão importante.
Está satisfeita com os resultados da Conferência de Glasgow ou como Greta Thndberg afirma “é um festival de Green washing”
Verificaram-se alguns avanços técnicos. As regras para o mercado voluntário de carbono ficaram decididas e isto é muito importante. Mais de 450 instituições financeiras de 45 países comprometeram-se a alinhar os seus investimentos com o objetivo de atingir a neutralidade carbónica em 2050. Esta medida é fundamental, pois para termos neutralidade carbónica e um equilibro do planeta que permita ao ser humano viver em harmonia, é necessário que o dinheiro seja investido apenas em projetos verdes e que promovam a descarbonização da economia.
O que pode um cidadão comum fazer? Pode assumir o seu dever como cidadão e aumentar o seu nível de consciência e empatia pelo mundo e pelos outros, mesmo aqueles que estão noutros países.
O que pode o cidadão comum fazer em prol de um mundo mais sustentável?
Podia elencar milhares de coisas, mas nada disso serve se não existir consciência. Por isso, o que pode um cidadão comum fazer? Pode assumir o seu dever como cidadão e aumentar o seu nível de consciência e empatia pelo mundo e pelos outros, mesmo aqueles que estão noutros países. Pode aumentar o conhecimento sobre o mundo de forma a compreender que, o que acontece lá longe, vai acabar por nos impactar diretamente. É o mundo globalizado que temos. E como tal precisamos de ter mentes igualmente globalizadas, empáticas e conscientes do seu papel como agentes de transformação.