José António de Sousa: O triste Aufwiedersehen a uma grande Senhora

José de Sousa homenageia a líder alemã, Angela Merkel, no momento da sua despedida. "Será muito difícil para a Alemanha, nem se fale para a Europa, ter de prescindir da sua forma equilibrada, dialogante, honesta, transparente, consensual (mas firme nos princípios) de liderar e fazer política., considera.

José António de Sousa fez a maior parte da sua carreira na liderança de multinacionais no estrangeiro.

José António de Sousa é gestor aposentado depois de quatro décadas na liderança de multinacionais.

 

O panorama na Europa do século XXI, em termos da existência de políticos com qualidade e carisma de estadistas, é verdadeiramente desolador. A esmagadora maioria dos políticos que vemos hoje a exercer cargos públicos são já a segunda e terceira gerações nas estruturas dos partidos saídos do pós-guerra, cujos fundadores eram todos, invariavelmente, políticos “peso-pesado”. Gente de raça, verdadeiros animais políticos, muitos deles forjados na clandestinidade das ditaduras e na sombra de aguerridos conquistadores invasores e opressores. Gente com caráter, gente com honra, gente com ética, gente que não escamoteava as verdades, por muito incómodas e duras que fossem, ganhando assim as mentes e os corações dos eleitores. Conseguiam pôr toda a gente orientada para lutar coesamente pelos grandes desígnios nacionais. Eram políticos que faziam com que as pessoas se interessassem pela política (e portanto pelo seu destino futuro), que debatiam limpamente e urbanamente os diferentes projetos de sociedade, e que buscavam consensos possíveis no respeito e no diálogo urbano e civilizado com os seus opositores ideológicos. Debatiam-se ideias, não a sujidade da roupa como hoje.

Neste século XXI houve na Europa uma única exceção de peso a esse panorama deprimente, uma única pessoa a merecer igual reconhecimento ao dos tais políticos fundadores dos partidos pós-guerra. Ângela Merkel.

Merkel nasceu em Hamburgo, mas cresceu e foi educada na Alemanha de Leste, o que certamente marcou o seu caráter e personalidade políticas. Entrou muito cedo na política e, com a queda do muro de Berlim no final de 1989, e a subsequente reunificação das duas Alemanhas, teve um papel preponderante na democratização de um território que tinha estado décadas sob o brutal jugo soviético.

Enquanto europeus, temos de estar profundamente gratos pela liderança indiscutível que exerceu durante as duas maiores crises que a Europa enfrentou desde a II Guerra Mundial. A crise financeira de 2008, considerada por muitos como a mais perigosa e profunda desde a Grande Depressão de 1929, e a pandemia do Covid-19.

Não é o objetivo desta pequena e sentida homenagem a esta grande senhora analisar ao pormenor a sua trajetória política ao longo das seguintes décadas, tão somente deixar um apontamento de que, enquanto europeus, temos de estar profundamente gratos pela liderança indiscutível que exerceu durante as duas maiores crises que a Europa enfrentou desde a II Guerra Mundial. A crise financeira de 2008, considerada por muitos como a mais perigosa e profunda desde a Grande Depressão de 1929, e a pandemia do Covid-19.

Ficará para a História o discurso de Angela Merkel no Natal de 2020. Quando a maioria dos políticos europeus, fracos e populistas, abriram exceções ao confinamento dos cidadãos, para permitir que as famílias celebrassem Natal e Ano Novo juntos (Portugal não foi exceção, conheço gente que morreu graças a essa irresponsabilidade), Ângela Merkel deu a cara num discurso televisivo para explicar aos alemães a razão pela qual não iria aligeirar as medidas preventivas do covid-19. O resultado esteve à vista. Enquanto a Alemanha continuou a melhorar as suas estatísticas pandémicas, Portugal teve em Janeiro e Fevereiro de 2021 a maior crise de infeções e mortes por covid-19 do mundo, tendo mesmo que aceitar ser ajudado pela…. Alemanha de Merkel ! Os que morreram por essa irresponsabilidade política não voltarão a celebrar Natal e Ano Novo com as suas famílias, trocaram um Natal e Ano Novo por muitos que poderiam ainda ter celebrado no futuro.

Desconheço as razões que levam Ângela Merkel a decidir sair nesta fase do campeonato, serão certamente pessoais, porque exercer um cargo público desta responsabilidade durante um período tão conturbado terá sido profundamente desgastante. Mas o que sei é que será muito difícil para a Alemanha, nem se fale para a Europa, ter de prescindir da sua forma equilibrada, dialogante, honesta, transparente, consensual (mas firme nos princípios) de liderar e fazer política. Veremos o que sairá destas eleições quando os resultados começarem a ser conhecidos mais logo.

Aufwiedersehen Frau Merkel. Wir werden Sie echt vermissen.

Ein dankbarer Portugiese

 

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