Cristina Saiago está ligada ao lançamento em Portugal de algumas das marcas que nos fazem suspirar. Licenciada em Economia, começou por trabalhar no Banco Finantia, mas rapidamente se deixou seduzir pelo mundo da cosmética e da perfumaria. Estreou-se no Grupo Estée Lauder, onde lançou o Crème de La Mer, a MAC, a Tommy Hilfiger e a Donna Karan, que rapidamente conquistaram os portugueses. Onze anos depois, mudou para a YSL, ficando responsável pelas marcas YSL, Boucheron, Van Cleef & Arpels, Roger & Gallet e Stella McCartney. No final de 2008, assumiu a direção-geral da Clarins, marca de cosmética de luxo mais vendida na Europa, que está presente em 150 países — em 28 deles com filiais, como é o caso de Portugal. Apesar dos anos difíceis que se seguiram, Cristina Saiago conseguiu colocar a marca francesa de cuidados de rosto em primeiro lugar em Portugal.
Começou na banca mas rapidamente mudou para a cosmética, onde tem feito a sua carreira. O que a atraiu nesta área e o que leva a manter-se nela?
A indústria cosmética é deveras entusiasmante pelo dinamismo que lhe impõem consumidores exigentes, em permanente busca de conforto e resultados visíveis. A resposta a essa exigência passa pelo lançamento de produtos inovadores de comprovada eficácia, só possíveis quando suportados em investimentos robustos em tecnologias avançadas. A Clarins está na primeira linha desse paradigma. Fazer as pessoas felizes, mais seguras e confortáveis consigo e com os outros, é desafiante e o que mais me entusiasma.
Como têm evoluído os desafios nesta área ao longo destes anos?
As marcas existem para servir os consumidores. E o comportamento dos consumidores tem evoluído em acelerada progressão, sobretudo devido ao desenvolvimento da área digital. Hoje, o consumidor não espera da marca somente um produto que satisfaça a sua necessidade, antes importa-lhe estabelecer uma relação com a marca, em que a personalização assume uma importância ímpar, significando uma experiência única e serviço de excelência. Adicionalmente, são cada vez mais determinantes as causas sociais e ambientais a que a empresa se dedica, nas quais os consumidores se revêm. A sensibilidade dos consumidores vai nesse sentido.
Os consumidores, hoje, têm um papel de embaixadores e influenciadores, pelo que a transparência e a genuinidade da marca faz toda a diferença.
A preocupação de que só é bom para os humanos o que é bom para o planeta está no código genético da Clarins. A natureza dá-nos as melhores matérias-primas, cabe-nos protegê-la e perpetuá-la.
Quais são hoje as principais preocupações dos gestores na indústria da cosmética?
O consumidor é a razão da nossa existência. É, por isso, nossa prioridade satisfazer as suas necessidades e estabelecer uma relação de longo prazo. E essa relação constrói-se através do serviço, da personalização, das políticas sociais e ambientais, pelo exemplo na inclusão e diversidade, no fundo pela forma de estar no mundo e no respeito e interação pelos outros e pela natureza.
Como é que a Clarins encara a tendência de procura de produtos vegan e com uma profunda preocupação com a sustentabilidade?
Em perfeita consonância com esse repto. A Clarins lançou há 2 anos a linha jovem – My Clarins – vegan friendly, com fórmulas ricas em extratos de plantas e frutos. Para cuidar da pele de uma forma mais natural promove o rastreio da origem da matéria prima e do processo de cultivo, no respeito pelo princípio de que só é bom para os humanos o que é bom para o planeta. E esta preocupação está no próprio código genético da Clarins.
A sustentabilidade foi, desde sempre, uma das grandes preocupações da Clarins. Bom exemplo disso é a atividade desenvolvida no “Domínio Clarins”, experiência inovadora nos Alpes, a uma altitude de 1400m , demonstrativa da possibilidade de estar presente no processo produtivo sem pegada ecológica. Traduz bem a vontade de ter uma cadeia de fornecimento de matérias primas sustentável, onde a produção é orgânica e respeitadora da ética, não dispondo de equipamentos mecânicos, ou seja, com poluição Zero.
Adicionalmente, 100% da electricidade utilizada nas plataformas de produção é proveniente de energia renovável, bem como 100% das embalagens de papel são provenientes de florestas sustentáveis.
Mas também a nível local ousamos dar a nossa contribuição. Faz parte da nossa filosofia juntar esforços com os consumidores e juntos reciclarmos as embalagens utilizadas. Tendo em conta o cenário de incêndios que deflagram Portugal, reiteradamente, damos o nosso contributo, com a ajuda de consumidores voluntários e a Associação Plantar Uma Árvore, para a reflorestação de Portugal plantando anualmente mais de 1000 árvores. Também aos mares dedicamos atenção. Em parceria com a Sailors For the Sea promovemos em 2020 a recolha de 320kgs de detritos das praias.
Este tema faz parte da existência da Clarins. A natureza dá-nos as melhores matérias primas, cabe-nos protegê-la e perpetuá-la.
A Clarins é a única empresa que conheço cujo laboratório de pesquisa e investigação não tem orçamento. A pesquisa e desenvolvimento é uma prioridade de investimento da marca.
Muitas pessoas questionam porque é preciso pagar tanto por um produto quando há opções tão mais baratas no mercado. O que justifica diferenças tão grandes?
A Clarins é a única empresa que conheço, cujo laboratório de pesquisa e investigação não tem orçamento. A busca da excelência não está subordinada a condicionalismos orçamentais. A exigência passa por ter os melhores ingredientes de forma a ter a melhor formulação, para colocar no mercado o produto final da conjugação do melhor que a tecnologia e a natureza conseguem oferecer. A pesquisa e desenvolvimento é uma prioridade de investimento da marca.
A Clarins pratica comércio justo, que congrega responsabilidade social, sustentabilidade e competitividade para pequenos e médios produtores. Bom exemplo é o apoio a uma comunidade em Madagascar que produz algumas plantas usadas na produção de vários produtos e onde a Clarins paga o preço justo, mas também constrói escolas, promove a existência de água potável, e ensina à população local como tirar o maior partido das propriedades medicinais das plantas, evitando o recurso a químicos.
O que tem contribuído para que a Clarins se mantenha como uma das principais marcas da cosmética de luxo?
O grande respeito que a Clarins tem pelo consumidor revela-se não só na sua capacidade de inovação permanente, oferecendo sempre o melhor produto tendo em conta a última tecnologia disponível, mas também na qualidade de serviço que presta. A forma criteriosa como utiliza ingredientes, em que está presente a preocupação em cuidar da natureza e do planeta, é transmitida ao consumidor, que é cada vez mais sensível a este comportamento inclusivo, o que contribui para garante da posição de liderança permanente no mercado Europeu.
Quando peguei na empresa, em 2008, a marca estava em 6.º lugar no ranking de cosmética nacional, e em cinco anos tornou-se n.º1, mantendo a posição de liderança desde então, cada vez mais solidificada, com crescimentos de quota de mercado, ano após ano.
Qual o maior desafio da sua carreira?
Tenho tido, curiosamente, o mesmo desafio de forma reiterada nas várias empresas que tenho servido: turnaround das equipas e dos processos (logísticos, comerciais, de marketing, gestão de pessoal), todos com sucesso, pelos resultados obtidos nas várias marcas trabalhadas.
Na Clarins, quando peguei na empresa, em 2008, a marca estava em 6.º lugar no ranking de cosmética nacional, e em cinco anos tornou-se n.º1, mantendo a posição de liderança desde então, cada vez mais solidificada, com crescimentos de quota de mercado, ano após ano.
Adicionalmente, temos feito gestão de períodos de crise duma forma exemplar, com resultados positivos únicos. Desde 2008 conseguimos crescimentos positivos todos os anos, sem exceção, duma forma consistente, ultrapassando as crises da Troika e, mais recentemente, do Covid, sempre com crescimentos de vendas, ano após ano. Dentro do Grupo Clarins, Portugal é o único país a conseguir tal proeza. E claro, por trás destes resultados está uma equipa focada, dedicada, resiliente e motivada: a minha!
Quais as vantagens e desvantagens de trabalhar num grupo familiar como a Clarins?
A Clarins é um híbrido. Apesar de ser detida 100% pela família Courtin- Clarins, é uma empresa de dimensão multinacional com as vantagens que esse tipo de estrutura aporta. No entanto, permanecem intocáveis os valores e a cultura do seu fundador (pai dos irmãos Christian e Olivier Courtin-Clarins). Os irmãos acreditam que autonomia e responsabilidade andam de mãos dadas. Ambas precisam de um voto de confiança que é, naturalmente, devolvido pelos líderes nos vários países. Uma organização familiar e independente permite, mais facilmente, abraçar projetos a longo prazo, e há uma maior dedicação e envolvimento pessoal.
Internacionalmente, na sede, temos 50% de homens e 50% de mulheres na Comissão Executiva. Em Portugal, 100% da equipa de liderança são mulheres.
O que mais valoriza na cultura de gestão e liderança do Grupo?
“Fazer mais, fazer melhor e gostar de o fazer “ é o lema da empresa. Compreende que as pessoas são o seu ativo mais importante. Que é da vontade das pessoas, da sua paixão e do seu compromisso que os resultados acontecem. E, por isso as pessoas são uma prioridade da empresa.
Sendo uma marca dirigida predominantemente a mulheres, qual o ponto de situação em relação à igualdade de género na liderança?
Internacionalmente, na sede, será 50% de homens e 50% de mulheres na Comissão Executiva. Em Portugal, neste momento, acontece haver uma flagrante discriminação a desfavor dos homens : 100% da equipa de liderança são mulheres.
Quais as medidas que têm mais impacto para garantir a igualdade de oportunidades no Grupo?
Não existe outra maneira de chegar à igualdade de géneros senão mudando a noção que temos sobre as competências das mulheres e o seu papel na sociedade. Isso só se consegue no investimento na educação, com muito diálogo e, principalmente, com vontade de transformar a realidade. Uma das práticas de igualdade do género é a adoção de medidas de discriminação positiva, em favor do grupo sub-representado no recrutamento e seleção.
Que conselho deixaria a uma jovem executiva com ambição de alcançar um cargo de liderança?
Ser genuína e transparente, ao longo dos tempos. Permite criar laços de confiança e fidelidade, com a equipa.
Liderar pelo exemplo, fazer aquilo que se espera que os outros façam.
Ter a capacidade de ouvir e a humildade de aprender.
Tratar a equipa com respeito e promover o melhor de cada elemento.
Comunicação permanente da visão a estratégia a seguir.
Flexibilidade e capacidade de adaptação à mudança, com grande dose de otimismo nunca perdendo a noção da realidade.
E, por fim, mas igualmente importante, ter a capacidade de se divertir e celebrar os sucessos com a equipa.
Leia mais sobre Cristina Saiago aqui.