Texto de Paula Rios, jurista e profissional de seguros
A Executiva promoveu um evento presencial, daqueles de que já tínhamos tantas saudades, para entrega dos prémios às Mulheres Mais Influentes de 2020, iniciativa que leva a cabo já há alguns anos com grande sucesso.
Este evento, tão agradável até por ser o primeiro a que assisti da “era Covid”, em pessoa, e com pessoas de carne e osso, embora com as devidas distâncias e todas “mascaradas”, suscitou-me algumas reflexões.
Desde logo, a importância de mostrar o papel essencial de tantas mulheres na nossa sociedade, mulheres notáveis que fazem o mundo andar para a frente nas suas respetivas profissões e com as suas formas de estar na vida, que fazem a diferença e que, como foi amplamente dito, inspiram as jovens a seguir os seus sonhos, e a acreditar que podem chegar onde quiserem, se lutarem por isso, em igualdade de oportunidades.
Igualdade de oportunidades que, quando cresci e fui jovem, nos longínquos anos 70 e 80, era algo por que lutávamos todos os dias, e que, pensávamos, daí a quarenta, cinquenta anos, seria um dado adquirido. Mais: uma não questão. Afinal, infelizmente, ainda não é. Nem um, nem outra.
Retrocesso
Como bem referiu Rosa Monteiro, Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, ainda antes de 2020 estávamos longe de atingir essa igualdade – que, apesar de consagrada na lei há quatro décadas, na prática tem sido mais lenta a implementar. Mas, advertiu, verificou-se uma regressão significativa durante este período de pandemia. Regressão essa que se poderá manter, na crise que, sabemos e receamos, se vai instalar, em que as mulheres serão sempre um dos elos mais fracos, as mais prejudicadas, porque muito do trabalho doméstico, além do trabalho fora ou dentro de casa (e se o teletrabalho tem inúmeras vantagens, também tem lados menos positivos, como a falta de fronteiras entre a vida pessoal e a profissional), continua a sobrar para elas (nós!), assim como o cuidado dos filhos. Para não falar no aumento de violência doméstica, mas esse já não é um tema apenas de igualdade, e sim matéria do foro criminal.
Educação
Como prosseguir, ou retomar, esta luta, que parecia ir no bom caminho, esta guerra com tantas batalhas ganhas e alguns momentos em que já se podiam ir depondo armas? Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar e uma das Mulheres Mais Influentes de 2020, disse-o muito claramente, durante o evento: através da educação. Educando os nossos filhos rapazes a respeitarem as raparigas, as mulheres, a verem-nas como seres humanos seus iguais. E, pensei eu, sem falsos proteccionismos ou facilitismos, que em nada contribuem para essa tão almejada igualdade.
Isabel Jonet falou nos seus filhos e como lhes tinha incutido esse sentido de igualdade e respeito, primeiro para com as irmãs, e depois para com todas as mulheres; e sentia-se o seu orgulho em ter educado jovens que fazem parte duma nova geração de homens que, acredita, vai mudar o mundo.
Também eu me senti orgulhosa ao ouvi-la, porque creio ter conseguido dar o meu contributo para esse mundo novo, melhor e mais evoluído. Sendo mãe de dois rapazes, o pai e eu educámo-los, não só pelo que dizíamos, mas sobretudo através do exemplo: em casa o pai cozinhava, a mãe arrumava a cozinha; quando bébés, ambos fazíamos o que havia a fazer, como mudar fraldas, levantar de noite, dar banho; quando eu viajava em trabalho ficavam com o pai, e vice-versa; desde pequeninos souberam que as decisões em casa não eram só de um, mas de dois; e que o pai e a mãe tinham carreiras, que implicavam obrigações, sacrifícios, mas também realização pessoal; mais, até tinham duas avós que trabalhavam e eram totalmente independentes, algo não muito comum na geração delas.
Algo natural
Assim, naturalmente, cresceram vendo as raparigas como seres humanos com os mesmos direitos e os mesmos deveres, o mesmo papel na construção da sociedade, a mesma dignidade e as mesmas oportunidades. Até se habituaram a que as colegas fossem as melhores alunas, e isso não os aquecia nem arrefecia. Achavam normal, como achariam se fossem outros rapazes. Quando o meu filho mais velho entrou para o Instituto Superior de Agronomia, constatei com surpresa (ainda com um resquício da minha educação algo tradicional em que se dizia “as meninas vão para Letras e os rapazes para Engenharia”), que a presidente da Faculdade era uma mulher, assim como a maioria do Conselho Directivo. E, quando, parvamente, perguntei ao meu filho quantas raparigas tinha na turma, respondeu-me a rir: “Mãe, pergunta antes quantos rapazes somos!” Eram meia-dúzia numa turma de 30…
Não há dúvida de que muito se avançou, desde esses tempos, mas muito há ainda por fazer. Voltando a Isabel Jonet e à sua mensagem tão inspiradora – como o foram tantas, nesse fim de tarde especial que a Isabel Canha e a Maria Serina nos proporcionaram – concordo totalmente que a educação tem um papel fundamental na mudança das mentalidades e, aí, todos nós podemos dar o nosso contributo.
Para terminar, apenas um episódio que sempre recordo com um sorriso. Tendo sido sempre educados nesse pressuposto da igualdade, um dia reparei que os meus rapazes, então ainda no ensino básico, embora dessem, educadamente, passagem junto das portas e dos elevadores a pessoas mais velhas, como lhes tínhamos ensinado, não o faziam em relação a raparigas da mesma idade. E, quando lhes chamei a atenção, a resposta foi “Porquê? Então não somos iguais?”
Ainda tentei explicar-lhes uma coisa chamada cavalheirismo, mas pelas caras deles vi que achavam que era esquisito. Então eram iguais, ou não? Desisti. Vou deixar passar mais uns anos, pensei, e depois tento outra vez. O mais importante, esse, já lá está! E, para grande satisfação minha, ficou.
Missão cumprida.
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