Estratégias de liderança em tempo de COVID-19

"O desafio da Gestão de Pessoas será o de aproveitar a “adaptação forçada” que a pandemia impulsionou, e incorporar as tecnologias naturalmente na sua ação", defende Generosa do Nascimento, diretora do Executive Master em Gestão Estratégica de Pessoas e Liderança do ISCTE Executive Education.

Generosa do Nascimento é diretora do Executive Master em Gestão Estratégica de Pessoas e Liderança e Professora auxiliar do Departamento de Recursos Humanos e Comportamento Organizacional do ISCTE-IUL.

“O atual contexto de pandemia, devido ao novo coronavírus Covid-19, vem acrescentar novos desafios aos já exigidos para a Revolução 4.0. Esta Revolução Digital, Idade Digital ou 4ª Revolução Industrial, caracterizada pela convergência de tecnologias físicas, digitais e biológicas num contexto volátil, incerto, complexo e ambíguo (VUCA – volatility, uncertainty, complexity and ambiguity) tornou-se demasiado exigente na gestão de recursos e no posicionamento das empresas em mercados de grande competitividade. Previa-se que a emergência e os avanços nos domínios da inteligência artificial, robótica, Internet das coisas, veículos autónomos, impressão em 3D, nanotecnologia, biotecnologia e armazenamento de energia desencadeariam, num futuro não distante, alterações significativas nas organizações (públicas, privadas e da economia social) e no mercado de trabalho.

Num ápice, finais de 2019 e dois primeiros meses de 2020, o coronavírus espalha-se pelo mundo, infetando centenas de milhares de pessoas, pondo em causa a economia dos países, a produção e prestação de serviços das empresas, a capacidade de resposta dos serviços de saúde, a liberdade de movimentos das pessoas e impôs a figura de “Estado de Emergência” na maioria dos países. Estamos perante uma adversidade extrema, uma crise sem precedentes que nos gera inúmeras dúvidas, preocupações e extremas dificuldades.

Já todos percebemos que esta pandemia terá impactos sem precedentes e ainda que se façam previsões, o futuro é uma incógnita. Estamos na fase da reação. Estas respostas ad-hoc não são as adequadas para a recuperação necessária das empresas qualquer que seja o cenário de crise. Temos que nos preparar para o Pós Covid-19.

Nesta Era Pós Covid-19, já designada por alguns autores por Geração C, um verdadeiro antídoto aos “rescaldos” económicos e humanitários é a cooperação entre nações, políticos, gestores, profissionais e pessoas.

As organizações bem-sucedidas terão de passar, cada vez mais, de estruturas hierárquicas para modelos mais colaborativos e em rede, ancoradas em estruturas flexíveis e suportadas numa liderança caracterizada pela capacidade de continuamente aprender, adaptar-se e desafiar os seus próprios modelos conceptuais e operacionais de sucesso.

Nesta Era Pós Covid-19, já designada por alguns autores por Geração C, um verdadeiro antídoto aos “rescaldos” económicos e humanitários é a cooperação entre nações, políticos, gestores, profissionais e pessoas. É necessário a gestão e partilha do conhecimento, a aprendizagem (individual e coletiva) de pequenos improvisos que emergem destas crises, o trabalho em equipa e em redes, a confiança, a resiliência e a solidariedade. A mudança centrar-se-á não apenas no que fazemos, mas também no que somos. Emerge aqui, mais do que nunca, a necessidade de uma liderança visionária, de exemplo, de proximidade, de coragem, autêntica, sensível às necessidades dos liderados e a (re)humanização na gestão das pessoas.

É aceite, quer pela academia quer pelas empresas, que o capital humano e social se constitui como uma vantagem competitiva diferenciadora e potenciadora do sucesso das empresas. Os gestores chegam a afirmar que as pessoas são o seu ativo mais importante das organizações. Porém, quando se compara o discurso e a prática, verifica-se, cada vez mais e também nesta crise, uma inconsistência entre o valor atribuído às pessoas em contexto organizacional e o reconhecimento do papel da Gestão de Pessoas.

A Gestão de Pessoas deve ser costumizada e humanizada, aproximando-se mais dos interesses individuais de cada colaborador e fornecendo serviços cada vez mais atualizados, disponíveis, próximos e human-centered.

O desafio da Gestão de Pessoas será o de aproveitar esta evolução, de “adaptação forçada” que esta pandemia impulsionou, às tecnologias e incorporá-las naturalmente na sua ação. A capacitação, a modernização dos processos (chatbots, real time feedback, etc.), a gestão de dados (e.g. human analytics) e a integração de modelos de trabalho remoto (home office) deslocalizado, coworking, outsourcing e gestão virtual do conhecimento, tornam-se determinantes para este futuro incerto. O outro desafio está na gestão dos fatores de sucesso organizacional – a gestão do talento, do desempenho e do engagement – de forma responsável, ágil e eficiente. Torna-se missão central encontrar novas formas de medir e recompensar o desempenho, e definir novas estratégias para atrair, comprometer (engagement) e reter o talento. A gestão da diversidade, da experiência e felicidade do colaborador têm, neste futuro incerto, também extrema importância. A Gestão de Pessoas deve ser costumizada e humanizada, aproximando-se mais dos interesses individuais de cada colaborador (equilíbrio entre a vida profissional e pessoal) e fornecendo serviços cada vez mais atualizados, disponíveis, próximos e human-centered[1].

O foco na humanização implica alguns princípios dos quais se destacam: i) oferecer tanto às organizações como às pessoas um sentido de propósito agregado ao seu trabalho/função tendo em conta o meio social/ambiental/familiar; ii) favorecer o acesso à informação e à sua utilização de forma transparente, confiável e justa nas tomadas de decisão; iii) estimular a aprendizagem individual e coletiva; iv) fomentar a colaboração construindo relações pessoais e de equipas; v) promover uma cultura de segurança e de alto desempenho.

Agora e nos próximos tempos, os líderes terão que tomar decisões céleres com informações incompletas e em rápida evolução.

Neste contexto coloca-se a questão: De que forma poderão os líderes das empresas serem bem sucedidos, garantindo o engagement dos colaboradores, tendo em conta todas as dúvidas e preocupações que esta situação excepcional envolve?

Agora e nos próximos tempos, os líderes terão que tomar decisões céleres com informações incompletas e em rápida evolução. As pesquisas demonstram que em crise os líderes, mesmo que bem intencionados, tendem para padrões de preconceito e exclusão, adotando padrões heurísticos e instintivos. Mais do que nunca é necessário refletirem em estratégias de liderança adequadas a cada um dos seus colaboradores, sem deixar de incluir os mais vulneráveis e os afetados por esta crise.

Naturalmente que terão de ser lideranças ancoradas na colaboração e no exemplo, e menos na hierarquia, no poder ou no expertise. A liderança não deve ser entendida como um atributo mas como um processo em construção que pode ser iniciado a vários níveis de análise (individual, relacional e coletivo/organizacional). Como teremos mais desafios, incertezas e situações complexas, os líderes terão que basear as tomadas de decisão necessárias num quadro mais vasto e forte, proveniente dos níveis individual, relacional e coletivo, onde cada um oferece diferentes possibilidades, conhecimentos ou soluções.

A adoção de abordagens/ metodologias de formação para executivos terá que recorrer a estratégias inovadoras e a memes de liderança que forneçam uma tipologia útil para conectar as identidades atuais e futuras das pessoas, respeitando a congruência e interpretação das suas dificuldades e incertezas, assegurando a motivação para o seu auto-desenvolvimento.

Os líderes enfrentarão novas exigências, únicas, desafiadoras e até dramáticas. Neste processo construtivo de liderança terão que desenvolver novas competências, entre as quais, a gestão da ambidextria organizacional, a gestão da diversidade, a gestão da cultura de segurança (security) e fiabilidade, a gestão das emoções, o domínio das tecnologias digitais, cognitivas e da inteligência artificial.

A liderança eficaz garante um desempenho coletivo sustentável, e, para o efeito, é necessário o desenvolvimento da liderança para melhorar a sua eficácia.

Quando chegarmos ao período pós pandemia, tenho esperança, que teremos líderes mais inclusivos, visionários, próximos, corajosos, autênticos, sensíveis, resilientes, aprendentes, isto é, mais eficazes!”

[1] Duarte, A., Nascimento, G. e Almeida, F. (2019). Gestão de Pessoas 4.0 – Entre a continuidade e a reinvenção, in Machado, C. e Davim, J.P. (Eds) Organização e Políticas Empresariais. Lisboa: Conjuntura Actual Editora.

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