Maria Domingas Carvalhosa: Trabalhar no pós-Covid19

Maria Domingas Carvalhosa, CEO da Wisdom Consulting, sobre as virtudes do teletrabalho.

Maria Domingas Carvalhosa é CEO da Wisdom Consulting.

Texto de Maria Domingas Carvalhosa, CEO da Wisdom Consulting

Há muitos, mas mesmo muitos anos, que o tema da conciliação trabalho e família surge, timidamente, em cima da mesa. Que me lembre, as duas organizações pioneiras no estudo e na colocação do tema na agenda pública foram o CITE – Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego e a Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE).

Posteriormente, outras entidades passaram a dar alguma importância à questão. Refira-se, por exemplo um estudo sobre Desafios à Conciliação Família Trabalho que a Nova School of Business and Economics (Nova SBE) elaborou, em 2018, para a CIP (Confederação Empresarial de Portugal  e que contou com o apoio da ACEGE.

Como este estudo, existiram outros, E até se promoveram certificações para empresas que respeitassem o equilíbrio entre estas duas realidades. Mas foi tudo uma dificuldade. Continuámos a ser o país em que os colegas mais competentes eram os que saíam mais tarde do escritório e os que cumpriam os horários eram olhados como colaboradores sem grande futuro na organização.

Era tudo uma dificuldade e vivíamos, em geral, um processo laboral em que a avaliação da competência era proporcional ao número de horas no local de trabalho. Flexibilidade laboral. O que é isso?

A esta pergunta apenas podiam responder os colaboradores de start up’s e de empresas com lideranças jovens que vivem e respiram tecnologias. Para esses, a competência é avaliada pelos resultados apresentados. Independentemente do local onde estes eram gerados.

Enquanto a minha geração vivia para trabalhar, a deles [millennials] trabalhava para viver.

Durante um tempo, vivi muito dividida sobre o que pensar dos millennials enquanto funcionários. Aguentam pouco tempo nas empresas. Serão desleais? Ligam pouco a horas. Serão pouco empenhados?

Um belo dia, por um feliz rasgo de iluminação, cheguei à conclusão de que eles é que estavam certos. Enquanto a minha geração vivia para trabalhar, a deles trabalhava para viver. Quem tinha as prioridades invertidas era eu. E não é por sair, por duas horas para surfar, compensadas posteriormente, que os resultados não aparecem. Há aqui um conflito geracional que assenta essencialmente num termo: Flexibilidade.

Vem toda esta prosa a propósito do fenómeno que estamos a assistir com o sistema de teletrabalho causado por uma maldita pandemia que nos está a afetar a saúde e a economia.

Com as consequências do Covid19, todos os estudos palavrosos realizados, ao longo dos anos, sobre a incompatibilidade e conflito entre trabalho e família e todos os esforços realizados para evitar os atritos das esferas pessoais e profissionais, foram rapidamente ultrapassados pela necessidade de isolamento social e pela implementação do teletrabalho.

Posso garantir que estando há quase um mês em regime de teletrabalho, nunca trabalhei tanto na vida.

No meu caso pessoal, posso garantir que estando há quase um mês em regime de teletrabalho, nunca trabalhei tanto na vida. E sinto a mesma reação de grande parte das pessoas que estão na mesma situação. Parece-me assim que a flexibilidade laboral não só é possível como aconselhada, obviamente, em atividades em que ela é possível.

Com as novas tecnologias disponíveis não faz sentido não aumentar a flexibilidade laboral e não responsabilizar mais os colaboradores sobre a entrega de trabalhos e pelos cumprimentos de prazos. É bom para o próprio, é bom para a organização, é bom para a família e é muito bom para a sociedade.

Este é um desafio muito interessante que está agora a ser testado em larga escala. E que parece estar a resultar.

Fica aqui o desafio para os gestores e para as organizações dos setores que permitem a flexibilização do trabalho. Façam-no! Acredito, que muitos dos problemas das sociedades atuais se resolveriam com esta atitude. E que produziríamos equipas mais eficientes, mais produtivas e mais felizes

Acabo deixando ainda um desafio a arquitetos, a engenheiros e ao setor da construção civil. No futuro, projetem habitações, para a classe média, que prevejam condições físicas para o teletrabalho.

 

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