Texto de Marta Carvalho Araújo, CEO da Castelbel
Trabalhar com o marido é mau. É nunca desligar. É ficar calada durante o jantar fora porque se prometeu não falar de trabalho, mas não se arranja outro assunto de conversa. É assumir um compromisso a dobrar. E ter de lidar com a convicção dos colegas de que se está sempre a par do que só foi dito ao outro.
E resulta em que os miúdos saibam tudo e mais alguma coisa sobre o negócio. Que, antes dos dez anos de idade: já tenham decidido que vão ser “gestora” e “engenheiro de sabonetes”; esmaguem as flores do jardim para lhes extrair o perfume; cobrem mais por um desenho a quatro cores em tamanho A3 do que por um A4 dicromático (“Tens de pagar pela mão de obra! E pela matéria-prima!”); ou criem um “livro de faturas” para documentar a venda desses mesmos desenhos. Que, numa fúria pré-adolescente, ameacem construir uma fábrica concorrente ao lado da dos pais e surripiar-lhes os melhores funcionários. Ou que, à pergunta “então, como vai isso?” numa festa de família, substituam o típico “mais ou menos, vai-se andando” por um inesperado “o EBITDA está flat”.
É tudo isto que faz com que muitas prefiram trabalhar com os maridos das outras: porque, como diria o Miguel Araújo, “os maridos das outras são o arquétipo da perfeição, o pináculo da criação”. Pois eu não.
Para mim, trabalhar com o marido é bom. É não precisar de explicar por que é que se está mal disposta ao chegar a casa, porque ele sabe. Porque ele também estava lá quando aquilo aconteceu. E ter uma âncora quando precisamos de estabilidade ou uma rede de segurança quando queremos experimentar uma pirueta nova. É ter alguém que adormece e acorda à mesma hora a pensar na mesma coisa, que sabe exatamente do que é que estamos a falar quando precisamos de desabafar, e a quem se pode pedir conselhos às cinco da manhã. Que nos critica abertamente e nos diz o que mais ninguém tem coragem de dizer, porque tem a certeza de que sabemos que vem por bem. É ter alguém com quem sair à noite porque o alarme da empresa tocou. E a quem não é preciso justificar ausências nos fins de semana nem “pedir autorização” para viajar em negócios, deixando as tarefas domésticas a seu cargo. É ter alguém que percebe.
Afinal, se já partilhamos a casa, os filhos, os tempos livres, a conta bancária e os encontros familiares… por que não partilhar também o local de trabalho, numa verdadeira comunhão total de bens? Numa comunhão que reforce a empatia e aquele altruísmo que já faz com que finjamos que gostamos muito de peito de frango e de cabeça de pescada apenas porque sabemos que o outro prefere a perna e o filete?
Trabalhar com o marido pode ser bom. Ou mau. Ou assim-assim. Como outra coisa qualquer.