A 2ª edição das Conversas do Avesso, organizada pela PWN Lisbon, que se realizou no passado dia 21 de fevereiro, no Palácio Sottomayor, voltou a juntar, num diálogo descontraído, duas personalidades com background e perspetivas completamente diferentes. O objetivo? Ajudar a desconstruir dois conceitos que, no contexto das organizações, são muitas vezes vistos como lugares-comuns, mas que são de uma importância descomunal — a liderança e o talento. Nesta edição, os convidados foram Júlia Pinheiro, apresentadora e diretora da SIC Mulher e SIC Caras, considera como uma das mulheres mais influentes de Portugal, em 2016 e 2017, pela Executiva, e Paulo Ribeiro, partner da PwC Portugal, Angola e Cabo Verde, numa conversa moderada por Paula Perfeito, vogal de Comunicação da PWN Lisbon.
Construção de uma visão de liderança
Partindo do já conhecido mote das Conversas do Avesso, – “Para desconstruir, desformatar, desinstalar a Liderança e o Talento”, o diálogo começou com uma análise às referências que ajudaram ambos os convidados a construir a sua ideia de liderança. Júlia Pinheiro relembrou a influência que o trabalho jornalístico do repórter José Augusto Marques teve na sua juventude e a incentivou a entrar no mundo do jornalismo e Paulo Ribeiro elegeu figuras do mundo dos negócios, como Warren Buffett ou Steve Jobs. Para o sócio da PWC, continuam a existir boas referências no mundo de negócios, porém mostrou-se preocupado com outro tipo de exemplos seguidos hoje pelos mais jovens. “Tenho uma filha com 11 anos e outra com quatro, e o meu desafio é perceber como é que posso resolver este assunto das referências. Hoje, estamos a falar de youtubers, bloggers, influencers e isso é algo que me preocupa, porque quando olhamos para o conteúdo que é comunicado, enfim… é suspirar e esperar que tudo corra pelo melhor”, partilhou Paulo Ribeiro, em tom descontraído.
“A parte ‘industrial’ da indústria da comunicação pertence aos homens, o negócio é dos homens. Costumo dizer que só seremos donas de uma voz própria quando o negócio for nosso. Lá chegaremos”, Júlia Pinheiro
Comunicação enquanto ferramenta estratégica
Questionada sobre qual a importância que atribui à comunicação enquanto ferramenta estratégica de liderança, Júlia Pinheiro clarificou a audiência, dizendo que comunicar é transmitir pensamento estratégico. “Temos de ter uma ideia, mas isso não basta. É preciso passá-la, entusiasmar o grupo que lideramos. Um bom comunicador tem de ter a capacidade de desinquietar os outros, não pode ser um líder que se enfia no seu gabinete e que não sai, que não toca, que não tem proximidade, não puxa, não interroga. Tem de saber comunicar à equipa que lidera que está disponível para ouvir”, afirmou a diretora da SIC Mulher e SIC Caras, para quem a comunicação assume um papel ainda mais determinante para as mulheres. “A ideia de que comunicar é importante, mas comunicar enquanto mulher é ainda mais importante. As mulheres não têm, ou só agora é que vão tendo alguma, voz dentro das empresas”, alertou, frisando que na área da comunicação as mulheres nunca tiveram verdadeiramente muita voz. “A parte ‘industrial’ da indústria da comunicação pertence aos homens, o negócio é dos homens. Costumo dizer que só seremos donas de uma voz própria quando o negócio for nosso. Lá chegaremos.”
Os desafios dos CEOs
Paulo Ribeiro aproveitou o momento para abordar as conclusões do 22.º CEO Survey da PwC, centrando-se nas preocupações dos mais de 70 CEOs portugueses que foram entrevistados (25% dos quais mulheres), e que assentam em três grandes pilares – o talento, a análise de dados e a inteligência artificial: 79% dos CEOs está preocupado com as competências essenciais para todos os desafios que as organizações terão a curto prazo (cinco anos); 53% considera ter capacidade superior à da concorrência para tomar decisões baseando-se na análise de dados; e 89% tem plena consciência de que a inteligência artificial irá alterar significativamente os seus próprios modelos de negócio a curto prazo.
“As preocupações têm deixado de ser existenciais e estão hoje muito mais ligadas com protecionismos, com a forma como se fazem negócios, o que coloca um nível de incerteza adicional sobre o que é o dia-a-dia das organizações”, salientou o partner da PwC. “A análise de dados e a automação são grandes preocupações, mas nos últimos 10 anos os CEOs não conseguiram resolver o problema da extração de conhecimento desses dados.” Tudo se deve à falta de profissionais, os chamados data scientists, cujas competências são cada vez mais procuradas a nível global. Quanto às expetativas dos CEOs no que diz respeito à inteligência artificial, Paulo Ribeiro alertou para a influência que esta poderá ter no futuro. “A maioria [dos CEOs] entende que os impactos da inteligência artificial e da automação vão ser superiores ao impacto da revolução da internet e que se vai destruir mais emprego do que aquele que se vai criar”, advertiu.
A incerteza também parece pairar sobre a área da comunicação, numa altura em que se vive uma “ditadura das audiências”. “No futuro, o nosso modelo de negócio vai ter de mudar”, confessa Júlia Pinheiro. “Ainda não sabemos qual vai ser o impacto, nem como explicá-lo, mas vai ter de mudar”.
“As novas gerações têm exigências, sentem que têm de ter um propósito e já não aceitam que as empresas tenham práticas discriminatórias”, Paulo Ribeiro
Como atrair talento
A fechar, houve ainda tempo para abordar o tema da atração e retenção de talento, com a questão da diversidade e inclusão a impor-se: ter inclusão e diversidade integradas na estrutura de uma organização é um sinal positivo ou uma evidência de que o problema não está resolvido? “Os temas de diversidade e inclusão não são apenas um aspeto ao qual devemos olhar para fazer a coisa certa. Hoje, acima de tudo, são temas de negócio”, esclareceu Paulo Ribeiro, que é também líder para a área de Diversidade e Inclusão da PwC.
Estas são matérias que parecem estar cada vez mais na agenda das empresas e a velocidade com que hoje se vive, a disrupção, a globalização e a hiperpersonalização dos serviços exigem que, do lado das empresas, exista também um mundo cada vez mais diverso. “A própria forma como os negócios estão a evoluir faz com que a diversidade e a inclusão sejam um ângulo muito importante para as organizações. As novas gerações têm exigências, sentem que têm de ter um propósito e já não aceitam que as empresas tenham práticas discriminatórias”, concluiu, deixando o aviso de que “cada vez mais as políticas de inclusão e de diversidade estão contidas na questão da atração e retenção de talento” e que é importante que as organizações as acompanhem. “É sem dúvida um veículo à atração e retenção de talento. São cruciais”.