Com 15 anos Fernanda Freitas começou a “pagar para trabalhar”. Apanhava o autocarro para Gondomar e ia aprender como se fazia rádio. Um dia, pediram-lhe que substituísse o responsável pela emissão e assim começava uma polifacetada (e precoce) carreira na comunicação.
Foi a necessidade de dar “um salto de fé cega” que levou Sara do Ó, então com 26 anos, a lançar-se na criação da Your, a empresa que não demorou muito tempo a tornar-se presença habitual no ranking Gazela. Hoje é um grupo com mais de 120 colaboradores que prestam serviços de consultoria e outsourcing em contabilidade e gestão de negócio.
Foi a partilha destas duas experiências que inaugurou, na manhã de 22 de março, o ciclo WE Talks – Women Enterpreneurial Talks, uma iniciativa da associação de promoção de empreendedorismo feminino, WomenWinWin, onde se celebraram e contaram na primeira pessoa as histórias de sucesso de duas mulheres que já se firmaram como referências nas suas áreas.
“À medida que partilhamos os nossos sucessos e obstáculos, entendemo-nos, inspiramo-nos mutuamente, confrontamos opiniões que nos enriquecem e alargamos horizontes.” Maria José Amich, presidente da WomenWinWin.
As boas-vindas ao evento foram dadas por Ana Sofia Batista, partner da Abreu Advogados, parceiros da associação e anfitriões do evento, e por Maria José Amich, presidente e fundadora da WomenWinWin, que falou da ideia para este ciclo de palestras. “Há dois anos, quando realizámos o evento Empowerment Day, convidámos uma série de mulheres a falarem das suas trajetórias e percebemos que estes testemunhos têm uma força importantíssima e são transformadores. E decidimos criar o ciclo WE Talk – como o nome indica, nós falamos e, à medida que partilhamos os nossos sucessos e obstáculos, entendemo-nos, inspiramo-nos mutuamente, confrontamos opiniões que nos enriquecem e alargamos horizontes.”
A empreendedora das histórias de embalar
Foi a Fernanda Freitas que coube a primeira apresentação, na qual partilhou o seu percurso de carreira, do boom das rádios pirata, com 15 anos e ainda no Porto, até à mudança para a capital, onde trabalhou na Valentim de Carvalho, Rádio Paris Lisboa, SIC e RTP2. Ali começou por coordenar um pequeno programa, “Causas Comuns” , que acabou por evoluir para o aclamado “Sociedade Civil”, que valeu à equipa 14 prémios de jornalismo e a ela o convite para ser presidente nacional do Ano Europeu do Voluntariado, em 2011. “Foi importante na minha vida porque me pôs em contacto com milhares de pessoas em Portugal e na Europa e me fez perceber a força que temos enquanto sociedade civil e que, infelizmente, tantas vezes não é bem aproveitada.”
“Queria alguém que me ensinasse mesmo a ser empresária e não quem me desse palmadinhas nas costas e me dissesse ‘és capaz!’ — disso eu já sabia. Puseram-me em contacto com um engenheiro fantástico, gestor de empresas. Foi o melhor que fiz.” Fernanda Freitas, empresária e comunicadora.
Em 2013, após deixar o “Sociedade Civil” e aceitar alguns trabalhos de consultoria, criou a Eixo Norte-Sul, empresa de comunicação vocacionada para os temas das causas civis e direitos humanos. “Apercebi-me, logo no primeiro ano, que ser empreendedora é uma coisa e ser empresária é outra. E eu de empresária não tinha nada.”
Em 2015 aderiu ao programa de mentoria da WomenWinWin, que lhe deu a perceção da realidade da gestão de negócios. “Queria alguém que me ensinasse mesmo a ser empresária e não quem me desse palmadinhas nas costas e me dissesse ‘és capaz!’ — disso eu já sabia. Puseram-me em contacto com um engenheiro fantástico, gestor de empresas. Foi o melhor que fiz. Não partam para a aventura de abrir uma empresa sem ter um mentor ou mentora”, aconselhou à audiência. De uma empresa com duas colaboradoras passou a 12, “todas com contrato e, por acaso, todas mulheres”.
Esses mesmos conhecimentos serviriam de alavanca para se lançar no empreendedorismo social com a criação da associação Nuvem Vitória, em agosto de 2016 e com o advogado Pedro Dias Marques, dedicada a recrutar e dar formação aos voluntários que todas as noites vão ler histórias a crianças hospitalizadas. Das 14 camas em Santa Maria, onde o projeto foi testado por seis meses, alargaram a ação a duas outras alas de pediatria e ao laboratório do sono do hospital, bem como aos hospitais de São João (Porto), Alcoitão e Vila Franca de Xira. A partir de maio estarão nos IPO, em parceira com a associação Acreditar.
O trabalho de voluntariado traz-lhe aquilo a que chama “um salário emocional”. É quando lhe dizem que gerir uma empresa e uma associação são duas coisas completamente diferentes que discorda com veemência. “Uma associação não vive apenas da boa vontade. A questão da transparência é igualmente essencial. Para ser bem gerida, uma precisa de ter financiamento, recursos humanos, departamento de marketing, financeiro… e de ser sustentável, tal como uma empresa.”
As 7 lições de Sara
“Partilhar é essencial para o crescimento no processo empreendedor”, assegura Sara do Ó. Sonho e a coragem são os alicerces para qualquer empreendedor, mas o percurso enquanto empresária ensinar-lhe-ia lições cruciais, que dividiu com a plateia.
“Primeiro: nunca há o momento certo e não vale a pena esperar por ele. E não há que esperar pela melhor e mais inovadora ideia. É pegar num projeto que nos apaixone e tentar implementá-lo de forma diferente: a diferença e o detalhe são tudo.”
“Segundo: se o cliente é a nossa principal fonte de aprendizagem, do cliente insatisfeito há que beber tudo e tentar perceber o que correu mal para melhorarmos.”
Terceiro: há que escolher os sócios certos. “Temos que nos identificar com os valores e acreditar que, no bom e no mau, vamos estar juntos porque isto é como um casamento: vamos passar muito tempo com essa pessoa e é preciso termos ambos o maior nível de compromisso, porque vamos sofrer muito pelo negócio. Gostava que me tivessem dito isto há 12 anos. Esse sócio não precisa de ser necessariamente o investidor; o que interessa é o sócio do terreno, que não vos deixa fugir da realidade, que sabe o que pode correr mal, mas apoia a decisão como um companheiro de caminho.” Sara encontrou esse espírito de compromisso e complementaridade em Filipa Xavier de Basto, que lhe dá o lado pragmático, confessa. “Ambas temos valores iguais.”
Quatro: vão aparecer provações. “Temos que ter coragem de desembarcar as pessoas que não são certas e de contratar outras mais inteligentes do que nós, sem sentir a insegurança de que não vamos brilhar.” Vão perder-se clientes e é importante também aprender a lidar com o fracasso, sabendo retirar daí retirar as devidas lições.
“As mulheres são muito mais promovidas pelas concretizações passadas e os homens pelo potencial futuro. Quem não aparece é esquecido e o marketing pessoal é tudo” Sara do Ó, CEO do grupo Your
Cinco: Há que aprender a resistir à crítica e à culpa, duas realidades infelizmente ainda válidas sobretudo para as mulheres. “As críticas construtivas são sempre bem-vindas. Mas quando uma mulher tenta dedicar-se ao trabalho, muita gente ainda a acusa de ser negligente em casa. É importante saber resistir a isto e gerir o sentimento de culpa.” A importância do apoio familiar é fundamental neste processo de conciliação entre a vida pessoal e profissional.
Seis: Networking como eles. “Quando terminamos uma reunião às nove da noite, não devemos ter medo de acompanhar os nossos colegas homens, que vão sair para jantar ou beber um copo com o cliente. É importante comunicar, conviver e partilhar fora do escritório. As mulheres são muito mais promovidas pelas concretizações passadas e os homens pelo potencial futuro. Quem não aparece é esquecido e o marketing pessoal é tudo.”
Sete: Os sucessos são para celebrar com a equipa. “Num processo de liderança e gestão de pessoas é muito importante estimular os sucessos e o convívio. Na Your traçamos objetivos qualitativos e quantitativos todos os anos, que todos conhecem. Quando os atingimos vamos celebrar durante dois ou três dias. Isto faz parte da nossa cultura e o brilho, a liberdade e energia da equipa quando voltamos ao escritório são enormes”, diria a CEO do grupo Your já durante a sessão de perguntas e respostas que finalizou o evento, que contou ainda com um pequeno-almoço descontraído com o networking feminino por mote.
Partilhas que vão além dos chavões
Para Fernanda Freitas iniciativas como esta são fundamentais. ”Entrei tarde para a WomenWinWin e não estaria onde estou sem o percurso que realizei no programa de mentoria. Aprendi imenso e preocupa-me esta questão de não termos tanto espírito de networking. Mas acho que isso está a mudar nas novas gerações; as jovens têm muito mais este espírito de partilha e as redes sociais também vieram ajudar.”
Sara do Ó vê a partilha da sua experiência empresarial com sentido de missão. “É sempre um prazer ser convidada para eventos como o WE Talk e um orgulho ser apontada como referência. É muito bom falar com informalidade e espontaneidade de temas menos comuns, ou que até são tabu, indo um pouco além do chavão de que ‘é preciso sair da zona de conforto’, partilhando também os fracassos e como se vai lidar com todos os processos de aprendizagem.”
A próxima WE Talk está já agendada para 26 de abril e contará com mais duas mulheres de sucesso que irão partilhar as suas histórias.