Define-se como “mãe; voluntária; comunicação e conteúdos; doida por gatos, viagens e livros. Feliz”. Mas basta dizer o nome para dispensar apresentações. Afinal, a jornalista Fernanda Freitas coordenou e apresentou durante quase sete anos o programa diário da RTP 2 “Sociedade Civil”. Por esse seu trabalho, conquistou 14 prémios e distinções. Em 2013 foi distinguida com a Ordem de Mérito Civil. Todos conhecem também a sua atividade de voluntária. Trabalhando pro bono nas causas em que acredita e que mais lhe tocam. O que menos pessoas saberão é que Fernanda Freitas lançou em 9 de Maio de 2013 a sua empresa de comunicação e conteúdos, a Eixo Norte-Sul. “Três anos! Já temos o estatuto de PME, já não somos micro”, diz exultante.
“Abrir uma empresa é uma excitação. É assustador também.”
Tornou-se empreendedora por uma decisão de racionalidade económica. Deixara a RTP2 em dezembro de 2012 e logo em janeiro começou a receber muitas solicitações. Rapidamente se apercebeu que para desenvolver esses trabalhos precisava de uma equipa. “Começo a olhar para o Excel e fiz o primeiro business plan da minha vida, sem saber o que é um business plan: se eu tiver este income, de quantas pessoas preciso? Vale mais a pena ser trabalhador independente, empresário em nome individual, ou abrir uma empresa? O que gasto em impostos?”, conta. Acabou por avançar com uma sociedade unipessoal. “Abrir uma empresa é uma excitação. É assustador também. Não falo com tanto amor como quando tive a minha filha, mas chega a 9 de maio e fico sempre muito emocionada.”
O primeiro cliente foi o Montepio. Desde 2014 que a Eixo Norte-Sul gere a programação do Atmosfera M – espaços de cidadania da Associação Mutualista, em Lisboa e Porto. “Uma das razões para ter sido convidada é o facto de eu conhecer muita gente e muitas instituições da sociedade civil”, considera. Instituições como o Speak, projeto de empreendedorismo social com professores de línguas voluntários que ali ensinam polaco, inglês, alemão, e mandarim. Ou a Sapana com o seu programa TLT- Talentos em Livre Trânsito, que se traduz em dez dias intensivos de mentoring para desenvolver competências de empregabilidade. Assim como o GEPE – Grupo de Entreajuda para a Procura de Emprego, do Instituto Padre António Vieira ou a Plataforma de Apoio aos Refugiados. “Acolhemos projetos e damos condições para eles se desenvolverem. Mas, ao contrário do que muitos pensam, não somos uma incubadora de projetos sociais. É um sítio de encontro, um local para pensar e agir. Tudo o que fazemos tem o carimbo, o ADN mutualista. O café é pago pela pessoa que veio antes.”
Orgulha-se de criar postos de trabalho e dar mais condições do que empresas mais robustas e antigas.
Nestes três anos, a lista de entidades com quem a empresa trabalha já soma 27, algumas das quais pontuais. Também a equipa foi crescendo gradual e sustentadamente. Arrancou com três colaboradores a recibo verde. À medida que os colaboradores entram nos quadros da empresa, Fernanda contrata novos freelancers, que “entram literalmente à experiência”. Orgulha-se de criar postos de trabalhos e dar mais condições do que muitas empresas mais robustas e com maior antiguidade.
Com 11 pessoas a trabalhar, sem “poiso fixo”, a sede na Expo é ocupada apenas para fazer reuniões. “Os meus recursos vão ao encontro dos clientes. São projetos que, mais do que fazer um conteúdo, envolvem ajudar o cliente a resolver os problemas”, conta Fernanda Freitas. No dia em que nos encontrámos num restaurante da Baixa, estava a trabalhar na Ordem dos Advogados, na coordenação dos conteúdos da revista mensal Boletim da Ordem dos Advogados. “Descobri a saudade que tinha de fazer revistas”, conta, lembrando que quando, ainda adolescente, lançara uma revista . “Aos 15 ou 16 anos publiquei uma revista para o meu clube de karaté. Foi uma nice try. Não sabia fazer contas e não fizemos sequer um teste piloto. Começámos logo pelo telhado. A revista podia existir hoje, se eu soubesse o que sei hoje”, ri-se.
Mestrado acelerado em gestão de empresas
Ao longo da sua vida as diferentes experiências profissionais deram-lhe competências em rádio e televisão. Mas desde Maio de 2013, quando fundou a empresa, a sua vida tem sido um mestrado acelerado em gestão. Entre outras formações, está a fazer o programa de mentoring da comunidade Women Win Win, com o mentor António Ramos Costa. “Tenho espírito de empreendedora, mas não sou empresária. Como faço uma projeção a 3 anos? Era contas “de merceeiro”, por alto. Eu precisava de ferramentas. Quando se começa a desenvolver essas capacidades, começa a ter-se uma visão completamente diferente do mundo”, considera.
Hoje Fernanda Freitas sente-se mais empresária do que empreendedora e sofre as angústias próprias de quem tem uma empresa e pessoas a seu cargo “É assustador acordar todos os dias a pensar que chega a dia 21 e tenho de pagar 11 ordenados, mais os recibos verdes, e a segurança social.” Apesar de se considerar “muito poupada, desde miúda” e de “nunca dar um passo maior que a perna” (“Nunca avanço com loucuras para impressionar o cliente. Se fizer isso estou a por os ordenados da equipa em causa”), já lhe aconteceu não ter dinheiro de caixa para pagar a segurança social.
Ela que sempre se considerou desorganizadamente organizada, agora separa e classifica as facturas, processa os salários e faz outras tarefas de gestão e administrativas. Em breve poderá contratar uma secretária. “Não posso ficar debruçada nos “pormaiores” (Não há pormenores, o detalhe é a coisa mais importante). Tenho de ver o quadro geral, olhar para o projeto de cima e ter coordenadores de equipas e de projetos. Isso já estou a conseguir.”
O balanço desta aventura tem sido muito positivo. “O menos fácil é que a equipa nunca desanime, esteja sempre feliz com os projetos que estão a fazer. Eu acho que as pessoas devem ser felizes no local de trabalho.” A jornalista que tem como lema de vida “quem quer fazer arranja maneira, quem não quer fazer arranja desculpas”, sempre procurou as atividades profissionais e o projetos que a fizessem feliz. Quando isso não acontecia nunca hesitou em sair, mesmo que não tivesse alternativa. Com uma filha a seu cargo, a sua carreira foi marcada por vários destes momentos de coragem.
Sempre empreendedora social
“Os projetos na área da responsabilidade social são os de que mais gosto, a minha paixão, o que me move.” Como por exemplo o que tem com a Confederação Portuguesa de Voluntariado para a criação de um selo de compromisso da empresa para com os voluntários. Ou a consultoria pro bono a instituições como o Cavitop – Centro de Apoio a Vítimas de Tortura do Prof. Gentil Martins, a Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar, a Associação dos Amigos do Hospital de Santa Maria. Ou o seu projeto Moda’r Mentalidades, um desfile de pessoas deficientes. “Isso envolve alguns recursos da empresa, mas envolve sobretudo o meu tempo. Esse lado de empreendedorismo social não quero largar nunca”, afirma. Se a empresa passar a “big corp”, sonha em conseguir alimentar este lado de grandes projetos de empreendedorismo social. Por tudo isto, exclama: “A quantidade de coisas de que eu gosto e que sei fazer e estava só a fazer televisão! Não, não tenho saudades, nenhumas”, apressa-se a afirmar, antecipando-se à pergunta.” A jornalista continua lá.
CV
Fernanda Freitas iniciou a sua experiência profissional na Rádio Press-Porto e na Rádio Paris Lisboa, onde esteve de 1996 a 1998. Em 1992, entrou para a RTP2, de onde transitou para o Canal Noticias de Lisboa (1998 – 1999), passando depois pelo Canal 21 e SIC (2002 – 2005). Colaborou e coordenou programas como “Causas comuns”, “Entre nós”, “Mais Europa”, “ Mudar de vida” e “Autores”. Regressou à RTP, em Abril de 2006, onde durante quase sete anos, coordenou e apresentou o programa diário “Sociedade Civil”, conquistando 14 prémios e distinções. Em 2013, recebeu a Ordem de Mérito Civil.
É professora convidada na Pós-graduação em Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade Coimbra, voluntária em hospitais pediátricos, embaixadora do projeto “Portugal sou eu”, integra o Fórum da Educação para a Cidadania, é membro fundadora do Fórum dos direitos da criança e dos jovens e membro fundadora da Associação de Voluntários de leitura. Foi, por exemplo, Embaixadora Nacional do Ano europeu contra a pobreza e exclusão social, em 2010, e Presidente Nacional do Ano Europeu do Voluntariado, em 2011.
Publicou o livro Sem Medo, Maria, sobre a violência doméstica em Portugal e fundou o Movimento Moda’R Mentalidades, que visa promover a inclusão de pessoas deficientes através da moda.