Em pequena, Madalena Tomé entretinha-se a resolver exercícios com o mesmo entusiasmo que outras crianças dedicam às brincadeiras. O sonho de ser bailarina foi vencido pela vocação para a matemática, revelada precocemente, que ditou a escolha natural por Matemática Aplicada quando chegou a altura de entrar para a universidade. O difícil foi as empresas perceberem as potencialidades da sua formação. Terminada a licenciatura no ISEG, valeram-lhe as boas notas para entrar na consultoria, onde podia desenvolver a capacidade analítica.
Começou a sua carreira na Andersen, empresa que mais tarde integrou a Deloitte, de onde transitou para a McKinsey. Na consultoria teve oportunidade de “aprender muito e de ter exposição a um conjunto muito alargado de setores e de áreas”. Mas sentiu que lhe faltava a responsabilidade operacional. Para “colocar as mãos na massa” e sentir a responsabilidade pela entrega de resultados, há seis anos trocou a consultoria pela área industrial.
Na Portugal Telecom orgulha-se de ter ajudado a criar uma nova área de negócios e ter conseguido “fazer uma transformação grande naquilo que foi a convergência da oferta de pacotes com serviços fixos e móveis. Foi bastante disruptiva, quer para o mercado, quer internamente, pois obrigou ao alinhamento de um conjunto de processos, de sistemas e de pessoas que não existia, e que foi árduo de montar.”
Desde 2015 é CEO da SIBS, a empresa que há 30 anos lançou o Multibanco e onde já deixou marca com o lançamento do MB WAY, um produto inovador que vem marcar uma nova era da SIBS no mundo digital. A orientação para o digital e para continuar a desenvolver soluções de valor acrescentado a par com a consolidação da presença internacional são os grandes desafios que tem em mãos. Gere 750 colaboradores e sente diariamente a responsabilidade de manter as equipas orientadas para os objetivos e resultados definidos. Por isso não hesita em saltar hierarquias, se acredita que desta forma pode envolver mais as pessoas nos diferentes níveis da organização.
Qual tem sido o fio condutor da sua carreira?
Na minha carreira houve uma mudança marcada que foi a passagem da consultoria para o mundo industrial. Na consultoria tive oportunidade de aprender muito e de ter exposição a um conjunto muito alargado de setores e de áreas, mas faltava-me a responsabilidade operacional pelas componentes da entrega de resultados e pela motivação da equipa no dia a dia para essa entrega.
Esse foi o passo que me fez mudar da consultoria para a Portugal Telecom, uma empresa que na altura estava num rumo de inovação enorme, a afirmar-se num conjunto de mercados e, não sendo a maior empresa de telecomunicações da Europa, era uma das melhores e mais reconhecidas.
Mais recentemente, aceitei o convite para assumir a presidência da Comissão Executiva da SIBS, uma das empresas portuguesas de referência e destacada a nível internacional no seu setor. Tenho tido o privilégio de encontrar ao longo da carreira desafios muito importantes, de grande responsabilidade, e, também por causa disso, de grande motivação.
Quando saímos da faculdade somos relativamente inexperientes. Sermos expostos a um conjunto alargado de experiências, sobretudo em diferentes setores, permite-nos ter mais oportunidades de encontrar aquilo que nos move e que nos apaixona.
O seu percurso profissional é marcado pela diversidade de experiências. Considera que isso é essencial para construir uma carreira de sucesso?
Sim, por vários fatores. Em primeiro lugar, quando saímos da faculdade somos relativamente inexperientes, portanto, ou temos imensa sorte ou dificilmente conseguimos logo à primeira tentativa acertar naquilo que gostamos realmente de fazer. Por isso, sermos expostos a um conjunto alargado de experiências, sobretudo em diferentes setores, permite-nos ter mais oportunidades de encontrar aquilo que nos move e que nos apaixona. Por outro lado, essa exposição a realidades diferentes – setores, funções e pessoas com quem nos relacionamos – enriquece-nos imenso.
Hoje considera-se uma gestora “todo o terreno”? Seria capaz de mudar para um setor como, por exemplo, a moda ou a perfumaria ou encontrou a área que a apaixona?
O setor em que me encontro agora, o dos pagamentos, que é cada vez mais um setor de relação, de informação e de experiência com o cliente final, é uma paixão que me move. Mas acredito que a experiência que acumulei até agora possa ser transportada para outros sectores, como o retalho, o grande consumo, ou a moda – provavelmente mais ligados a uma área B2C[Business to Consumer]. Obviamente, sempre com a consciência de nessas organizações ir aprender com as pessoas que já lá estão e que as dominam, no fundo, complementar essa experiência com uma visão nova, que creio ser o ângulo mais interessante.
Da leitura do seu currículo, fica-se com a ideia de que não tem medo de sair da sua zona de conforto. Acredita que arriscar foi uma das chaves do sucesso, que a trouxe até aqui?
Sim. É algo que me move. Encarar um novo desafio obriga-nos a reinventarmo- nos, a ser mais exigentes, a voltar a estudar, aprender coisas novas e a crescer. Há pessoas que acreditam que se aprende muito com os erros, e é verdade, mas eu penso que é saindo da zona de conforto e abraçando novos desafios que verdadeiramente se aprende. Claro que devemos ter sempre presente a noção de que se está a assumir um risco. O pior que pode acontecer é não percebermos isso e acharmos que sabemos tudo. É com humildade que temos de perceber que estamos a sair da nossa zona de conforto, que temos de estudar, de nos envolver com as pessoas que conhecem, aprender com elas e compreender em que é que a nossa valência complementa esse conhecimento. O fator comum é encontrar aquilo que nos move. Agarrar novos e mais ambiciosos desafios é algo que me move.
Ter medo é bom. Faz-nos estar alerta, mais despertas, mais resilientes, faz-nos trabalhar mais e querer ser mais perfeccionistas, ir ainda mais fundo – e isso é distintivo
Entrou sempre na zona de desconforto com prudência?
Com consciência, mais do que prudência. Mesmo saindo da nossa zona de conforto, não é uma zona completamente nova, em que vamos partir de uma base zero. Temos de saber quais são os nosso pontos fortes e seguros, que sabemos que podemos aportar, e quais são as áreas em que podemos aprender, crescer, complementarmo-nos com outros. É preciso ter esta abordagem racional.
Teve medo?
Uma das características que diria que as mulheres têm é exatamente essa: serem insecure overachievers – sentem-se inseguras e têm medo mesmo quando não o deviam ter. Mas ter medo é bom. Faz-nos estar alerta, mais despertas, mais resilientes, faz-nos trabalhar mais e querer ser mais perfeccionistas, ir ainda mais fundo – e isso é distintivo.
A experiência internacional é muito valorizada nas carreiras. Falta isso no seu currículo?
Tive experiência internacional nas consultoras por que passei; nomeadamente na McKinsey, que é uma firma global, onde fui corresponsável pela service line europeia de pricing, responsável pelo grupo de marketing local na prática europeia de marketing, e onde participei em projetos fora de Portugal. Estava baseada em Lisboa, mas nalguns momentos tinha de viajar muito, e cheguei a estar em duas ou mesmo três geografias na mesma semana. Tive o privilégio de ter o nível de responsabilidade, as funções e os desafios que me foram sendo oferecidos em Portugal e de não ter de fazer uma relocalização para progredir na carreira. Mas é algo que ainda pode acontecer no futuro.
Quais são as principais características que definem um líder?
Um líder, desde logo, tem de ser uma pessoa com uma visão sustentada e que seja capaz de transmitir essa visão, porque é, obviamente, mais efetivo se a organização, se as pessoas souberem quais é que são os objetivos, os desafios a concretizar e para onde se está a correr. Tem de ter a capacidade de organizar o trabalho, de reconhecer quem são as pessoas certas para, em cada momento e em cada uma das funções, pegar naquele trabalho e conseguir fazer que o todo seja maior do que do que a soma das partes.
Para ser líder é fundamental ser alguém que dê o exemplo, que seja capaz de mostrar a sua dedicação e o foco no cumprimento desse objetivo. E ser capaz de transmitir valores e formas de atuação que acredita que sejam importantes para que determinada organização seja mais efetiva no cumprimento desse objetivo: a articulação da equipa, interdisciplinaridade, conseguir que as várias equipas interajam entre si e quebrar as barreiras que, por vezes, existem entre as equipas dentro das organizações, desafiar para que as pessoas procurem a excelência. Uma coisa que eu digo sempre é fazer mais e melhor. É o melhor resultado que se consegue? Ou conseguem dar mais e melhor? No fundo, imprimir esta dinâmica, para que as pessoas procurem superar-se e, depois, todas juntas consigam também superar os objetivos definidos para a organização.
Em pequenina, na escola, se calhar por ser muito boa aluna, era a delegada de turma. Os meus colegas pediam-me para ir falar com os professores e nos trabalhos de grupo muitas vezes era eu quem assumia o comando e a divisão das tarefas.
Como é que define o seu estilo de liderança?
O meu estilo de liderança caracteriza-se muito pelo conteúdo: a definição de objetivos e ajudar as equipas a concretizá-los. Isso passa muito por garantir workstreams mais críticas e que as prioridades estratégicas estão a ser acompanhadas. No fundo, steerings muito próximas dessas frentes de trabalho que acompanho pessoalmente e em que faço perguntas de desafio, para perceber se conseguimos realmente fazer melhor e mobilizar as equipas para isso.
Uma coisa diferente é aquilo que me preocupa. Quando se quer liderar pelo exemplo e se quer ter uma visão e prioridades alinhadas na organização, sobretudo em organizações de uma certa dimensão, é preciso que isto aconteça a vários níveis. Obviamente que diretamente consigo trabalhar mais com os diretores de primeira linha, mas tenho sempre a preocupação de chegar aos níveis seguintes. Portanto, é frequente trabalhar com os segundas linhas ou mesmo com o técnico que na ponta está a pegar naquele tema. É a forma de conseguir passar mais rapidamente estes comportamentos e também envolver mais as pessoas nos diferentes níveis da organização.
Acha que a liderança é inata ou algo que se vai desenvolvendo ao longo do tempo e da carreira?
Creio que é a combinação das duas coisas. Em pequenina, na escola, se calhar por ser muito boa aluna, era a delegada de turma. Os meus colegas pediam-me para ir falar com os professores e nos trabalhos de grupo muitas vezes era eu quem assumia o comando e a divisão das tarefas.
Existem algumas características que, da minha experiência, são inatas. Depois é algo que se autoalimenta, porque começamos a experimentar mais valências de liderança, como é que podemos orientar o grupo para que o trabalho seja o melhor possível no final. É uma aprendizagem que se vai fazendo, mas que é espoletada por algumas características intrínsecas que surgem desde muito novo.
No decurso da sua carreira, que aprendizagens foi colhendo enquanto líder?
À medida que vamos progredindo, a principal aprendizagem é deixar de fazer e passar a deixar que os outros façam (risos). Essa é a aprendizagem mais difícil. É confiar, orientar, mas depois há sempre aquela tentação de questionar o progresso à tarefa, querer validar todo o detalhe, até por vezes entrar na gestão mais micro. Não deve acontecer, quer por uma razão de scope, que torna impossível acompanhar tudo, quer por uma razão de desenvolvimento das pessoas, e até reconhecendo que, quando estivemos nesse papel, não gostaríamos que tivessem feito isso connosco. Acredito que essa é a principal aprendizagem. Estou no processo, faço sempre para ser mais e melhor!
Como em tudo, somos todos diferentes. Consigo reconhecer alguns traços mais fortes de um lado e de outro. Há um célebre livro que diz que os homens nunca veem nada e as mulheres não sabem ler mapas de estradas. As mulheres, geneticamente e ao longo do tempo, tiveram muito a postura social de cuidarem da família e da comunidade, por isso desenvolveram muito a visão periférica. A capacidade e a preocupação de ver os vários ângulos de um problema, de tentar ter uma visão holística sobre as implicações que determinado problema ou decisão podem ter, até, envolver mais as equipas, é uma valência que as mulheres têm tendencialmente mais desenvolvida.
Outra característica de liderança e profissional que me parece mais marcada é a resiliência, o perfecionismo no detalhe e na entrega. Assumindo que somos todos diferentes, é saber usar essas diferenças. Em determinadas situações, mesmo em fóruns de líderes, há coisas que uma mulher pode dizer a um homem, com um sorriso, que outro homem não conseguiria dizer. Saber usar essas diferenças também é importante.
Por vezes, uma mesma ação num homem e numa mulher é percebida como sendo mais dura se vier de uma mulher: “A Madalena é tão dura!” Provavelmente se fosse um homem ninguém diria isso!
Houve alguma decisão que lhe foi mais difícil de tomar por ser mulher?
Há sempre decisões difíceis, sobretudo as que mexem com pessoas, como reorganizações e restruturações que por vezes são necessárias. Temos de estar preparados para o fazer. É algo que mexe connosco, porque sabemos que mexe com a pessoa e pode interferir com a sua família.
Por vezes, uma mesma ação num homem e numa mulher é percebida como sendo mais dura se vier de uma mulher: “A Madalena é tão dura!” Provavelmente se fosse um homem ninguém diria isso! Creio que nós próprios criamos a defesa de passar essas mensagens de forma mais assertiva, porque nos estão a custar e temos de passar esse ónus para nós e passá-lo com assertividade.
Alguma vez sentiu que a sua carreira era prejudicada pelo facto de ser mulher?
Não.
Como lida com atitudes paternalistas dos homens?
Não é tanto uma questão de ser homem ou mulher, é mais um tema de idade. Quando passei para a indústria recordo que estava a conhecer uma senhora que ia passar a reportar a mim e durante uma reunião ela dirigiu-se a mim como: “O, filha!” É aquele tipo de paternalismo agressivo! Passados dois meses estávamos a dar-nos lindamente, pois aquela suposta mãe percebeu qual era o meu papel, qual era o papel dela e percebeu que até trabalhávamos bem em conjunto.
O que há a fazer é passar por cima. Só nos afeta o que deixamos que nos afete. Aquele paternalismo foi acompanhado de alguma coisa sobre o conteúdo que estávamos a discutir, sobre o qual até tinha uma visão, portanto discuti o conteúdo e passei à frente. Se as pessoas estiverem bem-intencionadas, conseguem reconhecer o nosso contributo, assim como eu consigo reconhecer a experiência das pessoas mais experientes.
Como é que age para conquistar o seu lugar quando integra equipas com elementos mais experientes?
O que há a fazer é reconhecer isso abertamente. Aproveito o facto de estar a entrar em funções novas, com pessoas mais experientes, para fazer as perguntas todas, algumas das quais levantam temas sobre os quais as pessoas, que fizeram sempre da mesma forma, nunca tinham parado para pensar. Portanto, dou a oportunidade de as pessoas contribuírem com a sua experiência e, ao mesmo tempo, desafio-as a pensar de forma diferente. Acaba por ser interessante para ambas as partes. Fazer perguntas é sempre a melhor forma de pôr as pessoas a contribuir e também de irmos aprendendo com quem nos rodeia. Quando as pessoas estão muito empenhadas e trabalham bem, acabam por criar uma relação cúmplice, pois estamos todos a querer entregar os objetivos da direção ou da empresa.
Considero-me uma insecure overachiever, pelo que procuro sempre superar-me. Claro que apresentar resultados, a consistência dos resultados e a experiência nos permite falar dos assuntos de outra forma, com demonstração de valor. Mas é uma das áreas que podem ser trabalhadas.
Na sua opinião, o que é que justifica haver ainda poucas mulheres em funções de topo?
Não tem tanto que ver com ser homem ou mulher, mas com a questão da renovação de quadros. Quando nós abordamos este assunto, estamos sempre a olhar numa lógica de stock, e não tanto uma lógica de fluxo. A verdade é que quando estamos numa economia que está a crescer menos e em que as nossas empresas estão a crescer menos, não há tantas oportunidades para renovar os quadros superiores da organização. E quando há, opta-se por uma solução mais segura ou por alguém no mesmo nível que venha de fora. Não há ainda uma lógica de renovação, apostando em quadros novos.
Considera-se uma pessoa confiante?
Foi uma área que tive de ir trabalhando. Considero-me uma insecure overachiever, pelo que procuro sempre superar-me. Claro que apresentar resultados, a consistência dos resultados e a experiência nos permite falar dos assuntos de outra forma, com demonstração de valor. Mas é uma das áreas que podem ser trabalhadas. Conhecendo as áreas em que somos menos fortes, é trabalhá-las para melhorar.
Como é que se trabalha a autoconfiança?
Praticando, expondo-nos a situações em que precisamos dessa confiança. Uma coisa que funciona muito bem comigo é ter o conteúdo bem agarrado, pois creio que quando uma pessoa sabe do que está a falar, quando tem os números e uma visão clara do que está a defender, a confiança vem naturalmente. Cada pessoa encontrará o seu estilo, mas passa muito pela preparação e pelo conteúdo. Como se costuma dizer, dá muito trabalho improvisar.
Como é que lida com os erros?
Com os erros dos outros lido mal, com os meus erros lido pior. Quando erro perco algum tempo a perceber porque é que errei e em que medida deveria ter feito de forma diferente. Muitas vezes costumo fazer esse exercício antes de errar, e mesmo quando não erro, tento fazer um step back para tentar perceber porque é que a decisão está a ser esta. Os erros são uma boa oportunidade de aprendizagem. Permanecem muito vivos na nossa memória, por isso são bons alertas para quando estamos em situações semelhantes.
Com os erros dos outros lido mal, mas tento passar esta disciplina, de em conjunto fazer esta reflexão. Tenho a tentação de evitar que os outros façam erros, de por vezes fazer alguma microgestão sobre as suas próprias tarefas. Mas como acredito que não se deve ter uma cultura de penalização do erro, tento não martirizar demasiado quem erra, pois é importante que as pessoas tenham criatividade, vontade de arriscar e de fazer as coisas de forma diferente.
Entendo que é preferível reconhecer que as coisas não estão a correr bem o mais cedo possível, tomar as rédeas da situação e, se for preciso, dar um passo atrás para depois dar dois em frente.
Qual é que foi o momento mais difícil na sua carreira?
Em determinada altura, estive num contexto em que havia a cultura do “sucesso é quem não erra”. Por isso, mais valia não fazer do que tentar fazer e correr o risco ou errar. Era um enquadramento que não se adequava ao meu estilo. Entendo que é preferível reconhecer que as coisas não estão a correr bem o mais cedo possível, tomar as rédeas da situação e, se for preciso, dar um passo atrás para depois dar dois em frente. Como em tudo, mais do que nos lamentarmos, devemos encontrar alternativas. Acabei por passar para outra área. Nessa ocasião é certo que tive o privilégio de ser reconhecida dentro da organização para poder fazer isso.
Por contraponto, qual foi a vitória que lhe deu mais prazer conquistar?
Ter assumido a presidência executiva da SIBS, por três motivos principais: o primeiro, pela organização que a SIBS representa, pois está presente e contribui muito no dia a dia dos portugueses; o segundo pelos desafios que a SIBS enfrenta; e o terceiro, por fim, pelo estímulo e confiança que os acionistas e a organização têm revelado na minha liderança. Sendo uma empresa com um perfil incumbente, ao mesmo tempo a SIBS está num sector muito dinâmico, em que tem de se reinventar e potenciar toda a sua capacidade de inovação para estar mais presente no digital e nos novos mercados. Até agora, este está a ser o grande desafio da minha vida.
Que atributos considera essenciais nas pessoas que compõem a sua equipa e que procura recrutar?
Desde logo, a capacidade analítica – não falo apenas de pessoas de matemática ou de engenharia –, de pensar em novas situações, de estar exposto a novos desafios fora da área de conforto. Serem independentes nesse pensamento, isto é, terem espírito crítico, serem capazes de pensar a cada momento porque que é que estão a fazer determinadas coisas. Os valores são muito importantes: pessoas que sejam íntegras. Pode parecer um lugar comum, mas a integridade e o bom-senso são características que vão rareando. Pessoas com capacidade de trabalhar em equipa e que estejam focadas em contribuir para acrescentar valor à organização, mais do que focadas na sua agenda pessoal. A capacidade de trabalho, pois nada se faz sem trabalho. Quando as pessoas estão a trabalhar, têm de estar verdadeiramente empenhadas naquilo que estão a fazer e de querer contribuir.
Que competências considera fundamentais para fazer uma carreira de sucesso?
É preciso ter uma paixão grande por aquilo que se faz. Fazer uma carreira exige trabalho, dedicação, perseverança, por isso considero muito difícil consegui-lo se não estivermos apaixonados por aquilo que fazemos. É preciso perceber o que gostamos de fazer, onde está a nossa paixão, o que nos faz felizes e procurar proativamente essa realização. E depois ter uma grande capacidade de trabalho porque nada se faz sem trabalho, sem organização.
Além disso, é fundamental conseguir perceber qual a melhor forma de usar e de potenciar os recursos que estão disponíveis – quer os recursos financeiros, quer os técnicos – mas também potenciar a equipa na sua capacidade de entrega. Não somos todos bons a fazer tudo. É preciso garantir que as pessoas desenvolvam os seus talentos de forma a que em complementaridade e em equipa se consiga um todo mais forte e mais completo.
Estar muito focada no seu trabalho é muito importante. Às vezes as pessoas não se apercebem disso, mas numa organização há sempre alguém que está a olhar para o seu trabalho. Esse foco e essa capacidade de entrega, de todos os dias fazer mais e melhor, é essencial.
E qual acha que é o seu ponto forte?
É a orientação para os resultados. Ao tentar ter claro o que são os principais drivers para conseguir obter aqueles resultados e ter um foco e uma perseverança grandes para os atingir. Mesmo que às vezes isso exija algumas decisões difíceis, mesmo que às vezes exija a opção de deixar outras coisas para trás, é o mais importante.
Como é que faço com que o meu trabalho seja reconhecido, para que, se tiver essa ambição, consiga chegar ao topo?
Estar muito focada no seu trabalho é muito importante. Às vezes as pessoas não se apercebem disso, mas numa organização há sempre alguém que está a olhar para o seu trabalho. Esse foco e essa capacidade de entrega, de todos os dias fazer mais e melhor, é essencial. Eu digo sempre – e estou muito atenta a isso nas minhas equipas –, que o bom trabalho é aquele que se faz quando ninguém está a ver, pois um profissional de excelência é alguém com autonomia, capaz de fazer as coisas certas e de o fazer porque são certas, não porque o quer demonstrar a alguém. Tendo esta componente, deve perceber se está numa organização onde essas oportunidades são criadas, quer pela chefia quer pelo contexto da própria organização. Se sim, deve continuar a fazer as coisas certas, isso há de acontecer; se não, é tomar as rédeas da situação e procurar uma organização onde sinta que esse trabalho é mais reconhecido.
Com a atual situação do mercado de trabalho, isso é difícil. Talvez seja verdade que é mais difícil a níveis de direção. Alguém que esteja a começar a carreira e perceba que aquela organização não lhe dá o espaço ou o reconhecimento de que precisa para se desenvolver pode procurar mais rapidamente outra organização. Acontece frequentemente as pessoas estarem muitos anos numa organização em que já perceberam que não têm futuro ou que o seu trabalho não é reconhecido, não correrem este risco e não darem este passo. Creio que se deve procurar até se encontrar este equilíbrio entre gostar do que se faz, fazer-se o melhor e estar numa organização que reconhece isso.
Houve algum conselho de carreira que a tenha marcado?
Há muito tempo uma executiva disse-me que para ter sucesso num mundo de homens é preciso parecer um homem. Foi um conselho que não consegui seguir. Se tentarmos ser aquilo que não somos, isso acaba por não passar. Foi um conselho que me marcou imenso porque acredito, como acreditava já na altura, que deve haver outras formas de ter sucesso. O tempo mostrou-me que estava certa. As pessoas têm de ter bom senso e estar minimamente enquadradas no seu contexto cultural, social e organizacional. Mas acima de tudo têm de ser genuínas.
Como é que lida com a pressão e mantém o equilíbrio?
Procuro arranjar alguns momentos em que tento desligar. O ideal é não levar trabalho para casa. Se por vezes levo, faço por ter um espaço de trabalho em casa isolado das restantes divisões, que não vejo quando não estou a trabalhar, para garantir que realmente consigo esse distanciamento.
Ser mãe ajudou-me imenso, pois tenho um espaço e um tempo para os meus filhos; é das poucas alturas em que consigo verdadeiramente desligar. Penso que completar a vida profissional com a familiar ou com interesses fora da vida profissional é muito importante – pode ser uma atividade física ou mesmo não fazer nada. É preciso arranjar momentos em que se tenta desligar, momentos de escape, em que nos obrigamos a pensar noutra coisa.
O equilíbrio que tentamos gerir entre a vida pessoal e profissional tem de ser uma opção assumida, não pode ser porque acontece ou por que as circunstâncias nos levam a isso. É porque é o que nós queremos fazer e o que nos faz feliz, portanto, nós é que temos de gerir o equilíbrio que melhor nos completa.
É possível ter uma carreira bem-sucedida e, ao mesmo tempo, ser feliz na vida pessoal?
Obviamente que depende das pessoas. No meu caso, é muito importante estar realizada a nível profissional para estar verdadeiramente feliz e realizada. Não é fácil, mas temos de encontrar as pessoas certas, que nos apoiam. O equilíbrio que tentamos gerir entre a vida pessoal e profissional tem de ser uma opção assumida, não pode ser porque acontece ou por que as circunstâncias nos levam a isso. É porque é o que nós queremos fazer e o que nos faz feliz, portanto, nós é que temos de gerir o equilíbrio que melhor nos completa.
Se pudesse mudar alguma coisa no seu percurso, o que é que faria de forma diferente?
Provavelmente nada. Acredito que tudo o que aconteceu no meu percurso contribuiu para aquilo que sou hoje, para a forma como trabalho hoje. O bom e o mau são aprendizagens.
O que gostaria que alguém lhe tivesse dito no início da sua carreira e só descobriu mais tarde? Quer partilhar algum atalho com as gerações mais jovens?
É importante estarem atentas às situações, fazendo a sua leitura ou ouvindo o que nos dizem, pois ficamos mais despertas e conseguimos perceber mais depressa se a situação está a mudar. Um tema verdadeiramente relevante, do qual só me apercebi quando passei para a vida industrial, é que as organizações nem sempre são meritocracias. Temos de estar preparadas para isso. Passou-se comigo e vai-se passar provavelmente com todas as pessoas que estão no mundo profissional: verem pessoas que não são exatamente as melhores serem preferidas. Mas a vida é mesmo assim. É preciso saber conviver com essa realidade, sem que isso nos leve a desistir, e continuar em frente, a dar o nosso melhor e estar empenhadas no trabalho que estamos a fazer.
Tem alguma referência a nível profissional, alguma pessoa que a tenha marcado especialmente?
Não há a referência, mas para ser completamente justa, ao longo da minha carreira, houve sempre alguém que me foi tocando. Seria injusta se não reconhecesse, desde logo, a minha professora primária, que me marcou muito, pois era alguém que me desafiava permanentemente. Percebendo que eu estava num ritmo diferente, muitas vezes passava-me trabalhos adicionais, punha-me um desafio e dizia: “vamos lá ver se consegues!” Tentar fazer coisas mais difíceis, foi-me estimulando.
Quando estive na consultoria, tive uma primeira team manager que era uma mentora, percebeu que eu vinha da área da matemática e apostou em fazer quase uma nova linha de soluções, com base na modelização estatística, modelos preditivos e depois o data mining e inteligência artificial. Soube reconhecer uma valência diferente, e ajudou-me a potenciar essa valência e a promovê-la dentro da organização. Mais recentemente, quando estive em telecomunicações, trabalhei com uma pessoa que era muito focada em resultados, na operação, preocupada com o detalhe, para garantir que todas as peças estão articuladas e me ensinou essa dinâmica e essa disciplina. Em suma, as pessoas com quem trabalhei que me foram ensinando nas áreas em que eram mais fortes e com quem fui tentando aprender as suas valências, e acabaram por ser determinantes no meu percurso.
Há alguma máxima de vida, ou alguma máxima de gestão, que use com frequência?
Tentar fazer, todos os dias, mais e melhor. Fazer isto não só nas grandes coisas, mas também no dia a dia: hoje fiz o melhor possível, como é que amanhã posso fazer mais e melhor? Em cada momento, desafiarmo-nos.
Que conselhos deixaria a uma jovem executiva?
Encontrarem o que as apaixone e serem felizes e realizadas com o que estão a fazer. É tudo muito mais fácil quando nós gostamos muito do que estamos a fazer; as coisas saem naturalmente. Finalmente, fazer o seu melhor todos os dias, pois o resto virá.
(Esta entrevista foi concedida em 2016 e faz parte do livro Lições de Liderança de CEO Portuguesas, de Isabel Canha e Maria Serina, publicado em novembro de 2016)