Quando se olha para o currículo de Patricia Tranvouëz percebe-se que coragem e ousadia são adjetivos que lhe assentam como uma luva. Diretora-geral da Kenzo Parfums desde 2010, nunca virou costas a desafios – nem mesmo quando, com apenas 23 anos, lançou uma linha de maquilhagem da L’Oréal na Indonésia, onde tinha acabado de chegar -, e o seu lema na carreira é “assumir riscos para trazer algo de novo aos mercados e não se limitar a seguir as regras”.
Na esfera pessoal esforça-se por ter uma vida equilibrada. O trabalho não a impede de seguir de perto o dia-a-dia dos três filhos e de arranjar tempo para o que mais gosta de fazer em família: viajar, jogar ténis, fazer kitesurf e até tocar piano! Conheça-a melhor nesta entrevista exclusiva que deu à Executiva.
Porque escolheu uma carreira na indústria da beleza?
Na verdade, eu não escolhi, foi mais uma questão de oportunidade. Conheci pessoas ótimas na L’Oréal, depois na Unilever e na Sephora que me transmitiram o desejo de trabalhar com marcas fantásticas. E depois juntei-me ‘à’ marca que sempre me apaixonara: Kenzo.
O que mais gosta neste negócio?
A criatividade e a gestão de equipas. E o facto de o perfume ser algo tão íntimo, que torna o negócio imprevisível, o que cria surpresas e desafios diários.
Depois da sua experiência numa marca jovem e dinâmica como a Sephora, o que mais a surpreendeu na Kenzo?
A Kenzo também é uma marca jovem e dinâmica! A diferença entre as duas companhias tem mais a ver com os mercados em que operam. A Sephora é uma multimarca com um só cliente (as lojas Sephora), enquanto a Kenzo tem dois canais, perfumaria e cosmética, com milhares de clientes, todos os retalhistas.
E a perfumaria é muito específica porque não estamos a responder a nenhuma necessidade. Estamos no verdadeiro negócio do luxo, onde a criação procura gerar emoções, experiência únicas e ligações íntimas.
Quais as principais alterações que fez na Kenzo?
Renovar toda a comunicação para modernizar a marca. Criar fragrâncias aspiracionais, como o Kenzo Jeu d’Amour ou o Flower By Kenzo L’Elixir. Transformar o espírito da companhia e criar a transformação digital.
Para ter um impacte real é preciso ser ousado e atrever-se a fazer as coisas de forma diferente.
Em que medida trabalhar no Grupo LVMH impactou a sua carreira e a sua vida?
O Grupo LVMH [Grupo Louis Vuitton Moët Hennessy que tem 70 marcas de luxo] ofereceu-me por duas vezes a oportunidade de ter empregos fantásticos (na Sephora e na Kenzo) onde posso expressar-me, desenvolver as minhas competências e evoluir na carreira. Gosto dos valores da LVMH, estão em sintonia com a minha persoalidade e são um motor para a minha motivação (inovação, criatividade, espírito empreendedor, valores humanos…)
Teve um forte impacte em todas as empresas onde trabalhou. Como o conseguiu?
Tenho três motores: trabalho, paixão e confiança nas pessoas com quem trabalho. Mas para ter um impacte real é preciso ser ousado e atrever-se a fazer as coisas de forma diferente. Assumir riscos para trazer algo de novo aos mercados, e não se limitar a seguir as regras.
Alguma vez se sentiu discriminada no trabalho? E como gere a diversidade nas suas equipas?
Tenho a sorte de poder dizer que nunca passei por isso. Mas é claro que é dificil fazer o meu trabalho quando tenho de chegar a casa às sete para tomar conta dos meus filhos, sabendo que há algumas reuniões a acontecerem depois dessa hora.
Não se trata tanto de discriminação, mas mais de adaptar as organizações à realidade da vida das mulheres e mães. Na Kenzo Parfums, por exemplo, procuro que não haja reuniões depois das seis. Não quero que os gestores estraguem a vida pessoal das equipas com emails ao final do dia.
Perco o sono se um dos meus filhos tiver um problema.
Como consegue equilibrar a carreira e a vida pessoal?
Faço uma rigorosa gestão de tempo e rodeio-me de boas equipas em quem confio: faço reuniões curtas, estou presente apenas naquelas em que posso acrescentar valor, confio nas minhas equipas e dou-lhes poder para tomarem decisões. Chego a casa a horas decentes para poder ver os trabalhos de casa e jantar com os meus filhos. Finalmente, procuro separar a vida profissional da privada: trabalhar na empresa e tentar não levar trabalho para casa.
Teve mentores que a tenham inspirado e ajudado ao longo da carreira?
Tenho tido a sorte de conhecer pessoas extraordinárias. Uma delas foi Jacques Levy, o anterior CEO da Sephora. Ele combinava uma grande visão, espírito empreendedor, extraordinárias qualidades humanas e fazia sempre aquela pergunta desafiante que nos leva a superar-nos com uma tensão positiva.
Qual o maior desafio profissional que enfrentou?
Tantos… Lançar a L’Oréal Make-UP na Indonésia quando tinha apenas 23 anos e tinha acabado de chegar aquele país (não havia intenet na altura :-)). Criar a linha de cuidados de cabelo Dove e lançá-la em 26 países em simultâneo. Transformar a Sephora numa marca internacional, fonte de inovação constante e capaz de crescer dois digitos anualmente. E, agora, conduzir a Kenzo a um nível superior!
TRUQUE PARA ATERRAR COM BOA CARA
Há muito que as viagens de avião não têm segredos para Patricia Tranvouëz, habituada a viajar pelo mundo em trabalho e em lazer. Com um percurso profissional todo feito no mundo da beleza não resistimos a perguntar-lhe qual o segredo para ter uma boa cara após um voo de longa distância. “Dormir toda a noite no avião (não comer, nem ver filmes). E aplicar Kenzoki para aterrar com uma pele radiosa.”
O que a faz perder o sono?
Se um dos meus filhos tiver um problema.
A sua vida mudou muito desde que se tornou CEO?
Nem por isso. Tenho de tomar mais decisões sozinha, mas de resto nada mudou.
Qual o segredo do sucesso da sua carreira?
Não é bem um segredo: trabalho, paixão, confiar nas pessoas, ter coragem e levar uma vida equilbrada.
Que conselho deixaria a uma jovem que está em início de carreira?
Mulher ou homem… para mim não há razão para dar conselhos diferentes à nova geração: arrisque, não seja um seguidor proponha e defenda as suas ideias, trabalhe e divirta-se, e tenha sempre presente de que nada é impossível.
O CV DE PATRICIA TRANVOUËZ
Licenciada na prestigiada escola de negócios francesa HEC, em 1992, Patricia Tranvouëz iniciou a carreira como assistente de gestora de produto na Colgate Palmolive. Dois anos depois entrou na L’Oréal Indonésia como gestora de produto. Em poucos meses aprendeu a língua e mostrou que o seu estilo de liderança – pensar constantemente fora da caixa, ser inovadora e empreendedora – era o ideal para lançar com sucesso uma linha de maquilhagem no difícil mercado indonésio.
Já era diretora de marketing quando a Lever-Fabergé lhe fez uma proposta irrecusável: dirigir a sua direção de marketing de produtos capilares para a Europa. Sob a sua batuta ficaram as várias marcas e, especialmente, o desenvolvimento e lançamento da linha de cuidados de cabelo Dove.
Em 2004 integrou o grupo de luxo LVMH como diretora de marca na Sephora, tornando-se depois diretora-geral da S+, a subsidiária que fundou para criar as marcas exclusivas que hoje se vendem nas lojas Sephora, como as linhas Rexaline ou Fred Farrugia, por exemplo. Desde maio de 2010 que é diretora-geral da KENZO, abraçando o desafio de levar a marca a um nível superior.