Maria Emília Campos, 57 anos, é diretora comercial e CEO da Churchill’s, em conjunto com John Graham, o fundador e responsável pela produção desta empresa de vinhos do Porto e do Douro, criada em 1981. O espírito irrequieto e a energia desta mulher dinâmica sente-se ao primeiro contacto. Foi o que aconteceu desde o princípio de noite na Tasca da Esquina, em Lisboa, onde decorreu uma entrevista temperada por alguns petiscos, e vinhos da Quinta da Gricha, a única propriedade da empresa.
A trabalhar no sector do Vinho do Porto há mais de 30 anos, Maria Emília Campos sente que só conseguiu chegar ao cargo que ocupa por se ter juntado a uma empresa jovem, a dar os primeiros passos. “Nunca chegaria onde estou numa empresa que tivesse sido estabelecida há 300 anos”, defende.
Os primeiros contactos com o Vinho do Porto foram iniciados cedo, à mesa da casa dos pais, por ser uma bebida habitual da família. Acostumada a prová-lo e apreciá-lo desde cedo, foi ganhando uma paixão crescente pelo produto, não só pelas suas características e capacidade de proporcionar prazer, mas também porque “há, nele, muito da História de Portugal”, explica.
O reencontro com os vinhos
Encaminhada pelo pai, fez a área de gestão e contabilidade durante o ensino secundário. Mas interrompeu os estudos quando o terminou. Queria aprender línguas, porque era esse o caminho que pretendia seguir no ensino superior. E fê-lo durante um ano, antes de ir viver, para Paris, para trabalhar au pair, ou seja, como ama, para aperfeiçoar o francês.
A entrada na Churchill’s aconteceu por anúncio, em 1984, para uma vaga de empregada de escritório.
Mas uma apendicite trouxe-a de regresso de urgência ao Porto, a sua cidade, para ser operada. Era apenas uma vinda temporária, pois tinha estabelecido passar uns tempos na Grã-Bretanha, também a trabalhar como au pair e aperfeiçoar o inglês. Não foi porque conseguiu entrar para o curso de Línguas e Literaturas Modernas da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o seu objetivo.
Entretanto, como gostava de ter e ganhar o seu dinheiro, tinha começado a trabalhar em contabilidade numa empresa, “porque tinha alguma formação nessa área”. Com o tempo de frequência na universidade, começou a sentir-se desiludida com a opção escolhida. Foi nessa altura que surgiu o anúncio de emprego na Churchill’s, que estava a dar os primeiros passos. Apesar de ter ficado admirada, porque pensava que o negócio de Vinho do Porto apenas passava de pais para filhos, decidiu responder, e ficou.
Começou em part time como empregada de escritório, em 1984, numa altura em que a empresa fundada por John Graham dava os primeiros passos na exportação. “Ao fim de três meses chegámos à conclusão que era melhor começar a trabalhar a tempo inteiro”, diz Maria Emília Campos.
“As mulheres nunca chegam a lugares de topo nas empresas britânicas do Vinho do Porto”, constata Maria Emília.
A determinada altura deixou o curso de Letras, que detestava. Estava cada vez mais embrenhada na área de vinhos, e optou fazer especializações, cá e no estrangeiro, até porque a Churchill’s se dedicava essencialmente aos mercados externos. Foi provando cada vez mais vinhos portugueses e de outras origens e alicerçando conhecimentos. Também foi refinando preferências e hoje diz que gosta principalmente dos originários do chamado Velho Mundo, ou seja, do continente europeu.
Pausa no mercado
Com o tempo chegou a diretora-geral, algo só possível numa empresa jovem e pequena. “Noutra qualquer nunca teria chegado lá, até porque as mulheres nunca chegam a lugares de topo nas empresas britânicas do Vinho do Porto. Apenas representam determinadas funções”, explica. E diz que, naquela altura, como hoje, já sentia que tinha um jeito natural para desempenhar o cargo.
Em 2000 saiu da empresa por motivos pessoais e diz que foi a melhor decisão que tomou na vida. Depois de mais de 15 anos na Churchill’s precisava de alargar horizontes para lá da “bolha” do Vinho do Porto. Criou a sua própria empresa, a ME Selections, uma importadora de vinhos para o território nacional, e colocou as mãos na massa. “Era uma pequena empresa, com uma só pessoa”, conta. Ainda contratou colaboradores, mas sem grandes resultados.
Maria Emília impulsionou as vendas da empresa no mercado interno. As vendas passaram de 150 caixas para 10 mil.
Quando saiu, a Churchill’s estava em crescimento e tinham acabado de entrar novos sócios, numa empresa que tem, como filosofia, a produção e venda de produtos de nicho. A companhia tinha comprado, em 1999, a sua única propriedade, a Quinta da Gricha, situada na margem esquerda do rio Douro, na sub-região do Cima Corgo. Cinco anos mais tarde lançou os seus primeiros vinhos do Douro, que se juntaram ao portefólio de Portos da empresa.
Mas a sua presença no mercado nacional ainda era pequena em 2000, onde apenas eram comercializadas 150 caixas de 12 garrafas, que correspondiam a cerca de 1% das suas vendas totais. Segundo Maria Emília Campos, Portugal não era considerado um mercado, por si, como a Grã-Bretanha e outros destinos dos seus vinhos, mas uma parte integrante dos “outros mercados”, aqueles para os quais eram vendidos pequenos volumes. Por isso, quando saiu da empresa foi-lhe proposto que passasse a comercializar e distribuir os vinhos da empresa em território nacional. Dez anos depois, quando voltou, a Churchill’s vendia 10 mil caixas no mercado nacional.
Em 2010, o seu cargo ainda não tinha sido ocupado. Numa das assembleias gerais da empresa, onde participa por deter uma pequena quota na sociedade, foi-lhe pedido que apoiasse, de novo, a sua área comercial. No princípio, deu apenas uma “mãozinha”. Mas era necessário mais. Por isso, fechou a ME Selections e dedicou-se, de novo, à Churchill’s Port.
Crescimentos de dois dígitos
Quando chegou, a empresa facturava 1,35 milhões de euros. Em 2015 já superava os 2,1 milhões de euros. Para os próximos anos, Maria Emília Campos aponta para crescimentos de dois dígitos. Explica que o sucesso que tem tido se deve, em grande parte, à aprendizagem que teve durante os dez anos de trabalho junto do mercado nacional, que lhe deu as bases para as decisões que tomou e continua a tomar.
O centro de visitas que criou em 2011 é hoje um polo importante das vendas da empresa. Um dos visitantes tornou-se o agente da marca na Noruega.
A primeira iniciativa que teve, quando voltou para a Churchill’s, foi criar um centro de visitas. A decisão foi tomada em boa hora, pois a abertura do espaço, em 2011, coincidiu com a explosão do crescimento do enoturismo na região.
Situado no número cinco da Rua da Fonte Nova, na zona turística ribeirinha de Gaia, é um lugar convidativo para conhecer os seus vinhos. Inaugurado 30 anos após a fundação da empresa, fica num edifício velho, reabilitado, que albergava, para além das caves de envelhecimento e armazenagem de vinhos, os seus escritórios, que saíram para dar lugar à sala de enoturismo. Até essa data, apenas lá entravam as pessoas do meio. Mas “havia muita gente que ia bater à porta, para conhecer a empresa e provar os vinhos”. Por isso, “fazia sentido criar um espaço de enoturismo”, explica Maria Emília Campos, acrescentando que o espaço contribui para a imagem da empresa e é, hoje, um polo importante das suas vendas. “Um dos visitantes é, hoje, o nosso agente na Noruega”, exemplifica.
Quando voltou à empresa, que conhecia muito bem, sabia quais eram as suas virtudes e deficiências e tinha ideias firmes sobre a forma de resolver os seus problemas. Implementou uma estratégia muito definida para os mercados externos, que passou por fazer uma seleção dos importadores que tinham realmente capacidade para trabalhar com a Churchill’s, e estabelecer formas de apoiar o seu labor. “É um trabalho non stop”, afirma. Com a ajuda dos conhecimentos adquiridos durante os 10 anos de actividade da ME Selections junto do mercado nacional, a sua grande universidade, como gosta de dizer, percebe hoje melhor o que está ou não está bem nos binómios marca/mercado. Para solucionar problemas, diz que “não adianta fazer o mesmo que os outros”. É preciso, primeiro, manter um contacto próximo com cada um dos representantes externos da sua empresa e conhecer os mercados. Com base nisso é que se definem portefólios, estratégias de trabalho, promoções a realizar.
“É a experiência que tive cá fora, que me dá o conhecimento e a estrutura para apoiar os importadores com grande sucesso”, defende, explicando que a forma como os mercados estão a reagir ao trabalho que está a fazer, incluindo o brasileiro, mostram que o que está a ser feito é o correto. Este ano a distribuição em Portugal foi concedida à Vinalda, para ajudar a Churchill’s a ter implantação em todo o território nacional, hoje um dos principais mercados da empresa, em conjunto com Brasil, Estados Unidos e Grã-Bretanha.
O MEIO QUEIJO
A Churchill’s é a única casa britânica do sector de Vinho do Porto fundada nos últimos 50 anos, e a sua designação foi herdada do nome da mulher de John Graham, Carolina Churchill. Hoje produz cerca de 500 mil garrafas de vinho por ano, metade dos quais Portos, que vende em 22 países, incluindo destinos tão distantes como a Nova Zelândia. A empresa não comercializa vinhos na grande distribuição, o que ajudou as suas marcas a posicionarem-se com uma imagem de qualidade. “Apesar de existir sempre a tentação de vender volume, mantivemos a estratégia e hoje somos vistos como empresa topo de gama, o que gera apetite entre os clientes”, explica Maria Emília Campos. Os seus vinhos apenas podem ser comprados no canal Horeca (que abrange os estabelecimentos de hotelaria, restauração e cafetaria) e em lojas de especialidade, com uma única exceção, o Meio Queijo. Produzido com as sobras dos vinhos usados no lote do base de gama tinto da casa, o Douro Churchill’s Estates, por iniciativa de Maria Emília Campos, o Meio Queijo foi proposto em exclusividade ao El Corte Inglês em Portugal. “As pessoas começaram a comprar, provaram, e voltaram a comprar. Hoje já é exportado”, revela a diretora comercial da empresa.