O que faz uma arquiteta no meio de um pomar?

Joana Rossa apercebeu-se da importância que a agricultura tem para a economia nacional e nem o rótulo deixado pelo curso de Arquitetura a fez desistir. Porque gosta de imaginar novas realidades e de as alcançar. Um pomar de romãs é o primeiro passo.

As romãs foram a primeira aposta de Joana Rossa.

A empreendedora frutícola Joana Rossa costuma dizer que foi a Arquitetura que a conduziu à Agricultura, duas disciplinas que normalmente andam afastadas mas neste caso foram um ponto de interseção. Joana licenciou-se em Arquitetura no Porto e começou o percurso profissional, em 2002, na Câmara Municipal de Idanha-a-Nova. Pouco tempo depois, o município pediu-lhe um projeto para um lagar de azeite de uma cooperativa agrícola desativada há 25 anos. “À semelhança de outros projetos encetei um sem número de estudos e de soluções que me fizessem aproximar da poética do ouro líquido. E foi tal a aproximação, que resultou numa grande paixão e no convite para presidir a direção da Cooperativa Agrícola dos Olivicultores do Ladoeiro, cargo que ocupo há já sete anos”, explica a emprendedora.

O encontro com a agricultura não fora delineado mas também não foi uma surpresa total, muito menos um desagradável encontro. A relação de Joana com o mundo rural já vem de longe. É filha de um agricultor e isso sempre a fez sentir um “profundo respeito” pelo trabalho na terra. “Contrariamente ao que possamos pensar, nem todos podem ser agricultores. É uma atividade de elevado risco e significativa incerteza, altamente exigente do ponto de vista físico e emocional. Quando se resolve optar pela agricultura devemos fazê-lo em consciência, assumir esta atividade como um projeto de vida, sentirmo-nos motivados e com vocação, pois, em face da sua complexidade, a agricultura não pode servir como alternativa a outras opções e projetos de futuro.”, esclarece.

Ainda é comum agrafarem-nos à licenciatura, mas a minha área é o que eu faço bem, aquilo em sou forte, e não aquela em que me formei.

Foi a combinação de várias motivações e de algumas caraterísticas pessoais que a levaram a olhar para a agricultura como um conjunto de oportunidades de mudança e de inovação. O grande desafio foi vencer o rótulo que o curso de Arquitetura lhe pôs. “Infelizmente ainda é muito comum agrafarem-nos à nossa licenciatura e não aceitarem qualquer desvio e é difícil passar a convição de que a minha área é efetivamente aquela que eu faço bem, a que me move, é aquilo em que eu sou verdadeiramente forte e não tem nada a ver com a área em que me formei”.

Joana Rossa

Joana divide-se entre a terra, a arquitetura e um MBA.

Joana também é coadministradora da empresa Hortas D’Idanha. “Eu tinha-me posicionado a montante e a jusante da produção agrícola. Havia um hiato de tempo, que corresponde ao tempo de produção dos bens agrícolas, que efetivamente eu não tinha ainda explorado.

Tornou-se então para mim uma necessidade premente passar pela experiência de produção, para que fosse possível perceber verdadeiramente quais as contingências do campo, dos agricultores, do sector agrícola no geral”.

A culpa da frutologia

Foi ao tomar conhecimento da Academia do Centro de Frutologia Compal, que forma empreendedores agrícolas e os prepara para uma carreira agora considerada de futuro, que Joana entrou a fundo no mundo agrícola. Concorreu à academia, foi selecionada a nível nacional, conjuntamente com outros 11 candidatos, frequentou um curso prático e, no final, foi uma das vencedoras de uma bolsa de 20 mil euros. Esta experiência levou-a a apostar num superfruto – a romã -, na variedade wonderful, uma fruta muito bem cotada nos dias de hoje, que para Joana é importante não só do ponto de vista nutricional como pela versatilidade dos seus subprodutos. O pomar de romãzeiras está atualmente no segundo ano de plantação mas, para além dele, Joana apostou também num olival e criou a empresa RuralMark, que é responsável pela produção agrícola e pela elaboração de projetos de investimentos agroflorestais e de ordenamento do território.

É preciso ter tempo para gerir o tempo porque quando se aposta na agricultura não é possível fazê-lo em part-time.

A intenção agora, conta a empreendedora, é ampliar o pomar com ameixeiras e marmeleiros, “cujas exigências produtivas se enquadram bem nas condições ‘edafoclimáticas’ do concelho de Idanha-a-Nova”, esclarece.

Até agora, a produção do pomar (20 toneladas de romãs e 1000 kg de azeitonas, que equivale a 100 litros de azeite) totaliza um volume de faturação de 30.500 euros.

Mas Joana tem mais planos ara o negócio e quer desenvolver, a partir das romãs, um produto inovador, de IV gama (exemplos: fruta já cortada, saladas já prontas), para um grupo de consumidores mais exigente, com argumentos comerciais de penetração, inicialmente no mercado nacional e, posteriormente, no Reino Unido.

Joana Rossa

O tempo cronológico tem sido mas desafiante para Joana do que o meteorológico.

A dificuldade do tempo

Seguramente que o tempo meteorológico lhe pode pregar partidas, mas foi o tempo cronológico que lhe causou maiores dificuldades ao lançar o negócio: “ter tempo para gerir o tempo”, como Joana sintetiza. É que quando se aposta na agricultura, não é possível fazê-lo em part-time. “E como o tempo é a coisa mais democrática do mundo e o dia tem 24 horas para todas as pessoas, foi fundamental estabelecer prioridades, ganhar a capacidade de delegar tarefas e não querer abraçar o mundo”, explica.

Não ha nada de que me arrependa de ter feito., Ninguém adquire experiência se não cometer erros.

Joana é uma empreendedora multifacetada. Além de presidir a direção da Cooperativa Agrícola dos Olivicultores do Ladoeiro e de ser CEO da empresa de produção agrícola RuralMark, é também arquiteta e frequenta um MBA em marketing na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Nada que ela não abrace com muita determinação, lembrando:Já dizia o sábio gato de Cheshire, em Alice no País das Maravilhas: ‘Quem não sabe para onde quer ir, qualquer caminho lhe serve’”. No meu caso, a capacidade de imaginar novas realidades e a necessidade desafiante de lá chegar, mobilizam-me”.

Oportunidades na terra

Porque a agricultura passou a ser um setor de oportunidades de empreendedorismo e trouxe iniciativas empresariais, Joana deixa dois conselhos a quem se quer aventurar por terras aráveis. “Tendo em conta que a maior parte das gestoras assume papéis multifacetados de profissionais, mães, chefes de família, o caminho para o sucesso nunca poderá ser uma viagem solitária. É fundamental que se delegue e que se organize o tempo eficazmente para conseguir o equilíbrio”, aconselha.

Idanha-a-Nova tem feito muitos esforços para captar jovens para a terra e as mulheres também podem ter aqui um papel de rejuvenescimento da agricultura e impulsionar este setor tão necessário ao país. No futuro, o setor deverá responder adequadamente aos desafios que se desenham num quadro de consolidação da globalização dos mercados, crescente procura de bens alimentares, preocupações ambientais ao nível de toda a cadeia e maior volatilidade de preços”, adianta ela, já consciente da importância que a agricultura e a agroindústria têm para a economia portuguesa.

Não há nada que verdadeiramente me arrependa de ter feito, confessa. “No caso do pomar de romãzeiras, não tenho dúvidas que a boa colheita vem da experiência e que ninguém adquire experiência se não cometer erros. É a chamada experiência do erro. Pelo que tento encarar os erros com a naturalidade e a humildade de quem tem uma enorme vontade de acertar”. Palavra de agricultora.

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