No final do século XVIII e início do seguinte, a Revolução Francesa (1789-1799) e a Independência dos Estados Unidos, (1776) mudaram a visão do luxo de forma significativa. “O luxo passou a ser julgado favoravelmente como um incentivo, o que aumentou o bem-estar material de todos. Ele representava a visão realista de que os seres humanos são motivados pelos seus desejos, e que ter a liberdade de satisfazer esses desejos, dentro do Estado de Direito, era moralmente defensável”, escreveu Christopher Berry, professor emérito de teoria política da Faculdade de Direito, Negócios e Ciências Sociais da Universidade de Glasgow, na Escócia, e autor de The Idea of Luxury: A Conceptual and Historical Investigation. Os hábitos de consumo, relacionados com o luxo, até então reservados ao clero e aos nobres, levaram a que a burguesia mercantil passasse a produzir produtos a que acedeu uma parte deste grupo social.
A Convenção (1792-1795), maioritariamente, integrada pelos jacobinos, partido representado pela pequena e média burguesia, decretou em 1793 a execução de Luis XVI e a ruptura com os códigos do passado. A burguesia derrubou as barreiras de classe da indumentária não obstante a moda ter mantido o cariz aristocrático. A imagem masculina tornou-se bastante mais sóbria, com o abandono dos enfeites. Os jovens burgueses ricos eram objecto de troça quando procuravam imitar a aristocracia.
Eis-nos chegados ao século XIX, o século da Revolução Industrial tão bem caracterizado pelo escritor Charles Dickens, que introduziu no sistema fabril mulheres e crianças que deram um contributo assinalável ao desenvolvimento do pré-capitalismo, favorecido pela ideologia liberal introduzida por Adam Smith. Foi o século de ouro da burguesia, que chamou a si os poderes económico, político e social.
A burguesia organiza bailes para mostrar as casa apalaçadas e os vestidos importados de França.
A grande burguesia, que tinha o seu espaço privilegiado nas grandes cidades, quis equiparar o seu estilo de vida ao da nobreza, adoptando os valores e os modos da aristocracia. Vive no luxo e ostenta-o orgulhosamente, em casas apalaçadas, onde organiza bailes sumptuosos, oportunidade para as exibir e, também, os vestidos caros, importados de França. É adoptada uma etiqueta rigorosa. As boas maneiras, aprendidas em manuais de etiqueta, constituem um código de conduta, onde não pode haver transgressão. Frequenta universidades, ópera, teatro, passeios públicos, banhos e termas e pratica o mecenato e a filantropia.
Antigos nobres já não desdenham misturar-se com gente que não tem a cor azul no sangue. As mulheres são educadas para o casamento. Há uma clara distinção entre os géneros, no que respeita ao papel que cabe a cada um, na sociedade. Ao homem burguês compete a actividade pública no trabalho. À mulher a preservação do modelo aristocrático de vida, as suas obrigações na vida privada, de cuidar da família e da casa e, bem assim, organizar festas e banquetes frequentados por convidados ligados ao mundo dos negócios do marido.
Mantém-se o conflito entre os que consideram o luxo um insulto aos pobres e os que em nele a criação de postos de trabalho.
A modernidade impõe-se. Provoca a ruptura com o passado. O luxo tornou-se no que é actualmente, em razão da mudança ocorrida no século XIX. Jean-Noel Kapferer e Vincent Bastien, autores especialistas neste tema, anotam, contudo, que até ao fim do século o luxo mantinha-se reservado às elites, isolado da economia, num mundo semelhante a uma ilha, com regras próprias, exclusivo daqueles que beneficiavam dos seus prazeres. Ao invés, a maioria da população vivia numa economia de subsistência no meio rural ou, nas cidades e vilas, em extrema miséria, onde obviamente lhes estava vedada qualquer espécie de cultura.
Mantém-se, de igual modo, o tradicional (e permanente) conflito entre os que consideram o luxo um insulto aos mais pobres e os que vêem nele um pólo criador de inúmeros postos de trabalho pelo mundo inteiro.
A Alta-Costura
O século XIX é o século da Alta-Costura, a qual, pela primeira vez, se tornou na “indústria da criação”. “Na Alta-Costura, promotora da série limitada o luxo torna-se, pela primeira vez, uma indústria de criação. O costureiro, simples cidadão ignorado, passa a ser reconhecido como um artista sublime. Comanda as regras do jogo. Já não se submete a ordens. Livremente cria a sua obra e a apresenta ao comprador”, escreve Gilles Lipovetsky, em O Luxo Eterno: da Idade do Sagrado ao Tempo das Marcas.
A Alta-Costura assume no mundo da moda, a sua forma mais bela, rica e glamourosa, encontrando-se associada ao luxo, riqueza e elegância. Um território onírico, espectacular, onde lindas mulheres exibem roupas de marca, a preços exorbitantes justificados, desde logo, por se tratar de peças exclusivas, feitas à mão e utilizando materiais riquíssimos.
O inglês Charles Frédéric Worth, que viveu em França, é hoje considerado o pai da Alta-Costura.
Charles Frédéric Worth (1825-1895) um inglês que viveu em França desde os 21 anos é hoje considerado o pai da Alta-Costura por lhe ter dado impulso, com uma indústria do luxo voltada para a criação de modelos feitos à medida de cada cliente, substituindo o modelo dos cabides por modelos vivos. Anteriormente trabalhara em Londres como aprendiz, numa casa de comerciantes de tecidos e, já em França, depois de 12 anos como negociador de tecidos de seda, faz sociedade com um sueco e começa a trabalhar como costureiro. O seu talento de estilista chama a atenção da esposa de Napoleão III, a Imperatriz Eugénia, e a partir daí a sua fama espalhou-se pela alta sociedade de Paris. E não só. Toda a elite formada pela nobreza europeia e por actrizes americanas se vestiam na Casa Worth com sucursal em Londres.
Qualquer peça de luxo passa a estar associada a um nome ou casa comercial de grande prestígio.
A partir da segunda metade do século XIX, qualquer peça de luxo está associada a um nome ou casa comercial de grande prestígio. “Já não é somente a riqueza do material que constitui o luxo, mas a aura do nome e renome das grandes casas, o prestígio da marca, a magia da marca”, afirma Gilles Lipovetsky. Foi naquele século que se assistiu em França ao nascimento das Casas Hermès, Luis Vuitton, e Jeanne Lavin, que lança a sua marca de Casa de Costura mais velha e com actividade ininterrupta até aos dias de hoje.
O chique inglês faz também a sua aparição. Thomas Burberry, com 21 anos abre a sua loja e mais tarde (1880) concebe a célebre gabardina impermeável que se torna icónica em virtude dos desenhos geométricos desde 1912 até ao presente. Em 1892 aparece em Nova Iorque a primeira revista de moda, que só surge em França 34 anos depois.
O mais luxuoso sapateiro à face da Terra, Berluti, instala-se em Paris em 1895. Os filhos e netos seguiram-lhe os passos e herdaram dele, além do talento, o prestígio da marca. Personalidades como Kennedy, Onassis e Andy Warhol foram calçadas por ele, antes de venderem a casa à LVMH, no ano de 1979.
Outros capítulos de “A deslumbrante história do luxo”
Capítulo 1. Introdução: tudo o que luz é luxo
Capítulo 2. Paleolítico: o luxo espiritual
Capítulo 3. Antiguidade: o luxo torna-se ostentação
Capítulo 4. Esbanjar para impressionar
Capítulo 5. Idade moderna, paixão por antiguidades
Capítulo 6. O luxo das amantes e do champanhe
Capítulo 7. O brilho da corte do rei Sol
Capítulo 8. As mulheres e amantes de Luís XIV
Capítulo 9. As mulheres que brilharam na corte do Bem Amado
Capítulo 10. Maria Antonieta, Madame Déficit
Capítulo 11. D. João V, o Rei Sol Português