De acordo com os usos da época, em que se acreditava que os banhos faziam mal à saúde e que uma pele suja estava mais protegida, para além de preconceitos de ordem moral estabelecidos pela Igreja, consta que em mais de sete décadas de reinado, Luis XIV não tomou mais do que cinco banhos. Usava uma peruca de cabelo natural e de crina de cavalo, ajustada ao crânio coberto de pó de talco, possuía apenas um dente no maxilar de cima e os de baixo estavam apodrecidos. Tinha tanta consciência do mau cheiro que exalava, apesar dos perfumes que utilizava e de mudar de roupa várias vezes por dia, prática designada por “banhos secos” que ele próprio se apressava a abrir as janelas sempre que entrava num salão.
Nada disto impediu que ao longo da vida tivesse tido 16 amantes, seis filhos legítimos, 16 filhos bastardos enobrecidos e 30 não reconhecidos. Amante do fausto e do belo sexo, desfilaram na corte de Luis XIV, muitas mulheres, algumas que se tornaram famosas, como maitress-en-titre.
Maria Teresa, a legítima
Casou por razões de Estado com Maria Teresa, filha de Henrique IV de Espanha, embora a sua grande paixão da adolescência fosse uma sobrinha do cardeal Mazarino, Maria Mancini. Maria Teresa foi uma rainha discreta, sofredora, vocacionada para as obras de caridad, apoiando os doentes, pobres e outros desafortunados, e que tinha com a sogra uma grande cumplicidade. Dedicava, também, muito do seu tempo ao jogo, suportando com alguma resignação as amantes oficiais do rei, de entre as quais Louise de Vallière, logo um ano depois do seu casamento, que, voluntariamente, quis mais tarde expiar o seu pecado num convento abrindo o caminho para a odiosa Madame de Montespan.
Na grande corte de Versalhes, rodeada de luxo, não surpreende que, pouco antes de morrer, Maria Teresa tenha dito: “Desde que fui rainha tive apenas um dia feliz”. Por seu lado, Luís XIV declarou após a sua morte. “Esta é a primeira tristeza que ela me causa”.
Madame de Montespan
Françoise Athené , a futura Madame de Montespan, foi uma das mais famosas favoritas de Luis XIV . Era filha do Duque de Mortmart e de Diane de Granseigne. Em 1658 deixou o convento de Las Saintes, para onde tinha sido levada pela mãe para aí receber a educação devida à sua linhagem. Chegou à Corte através da raínha-mãe, tendo sido colocada como dama de companhia de Henriette, a cunhada do rei.
Em 1663 casou-se com Luis Henrique de Pardaillan, o Marquês de Montespan, de quem teve uma filha e um filho. Em 1666 conheceu o Rei e este, já enfadado com Louise de Valière, um ano depois tornou Montespan sua amante. Ao saber da situação, o marido desta provocou um enorme escândalo pelo que foi preso e depois exilado para os seus domínios.
Durante os 13 anos em que foi amante oficial teve sete filhos de Luis XIV. Depois da morte da cunhada do rei, em 1670, passou a dama de companhia da martirizada rainha. Ardilosa, arrogante e pérfida, Montespan não perdia a oportunidade de humilhar Maria Teresa o que provocava a desaprovação do rei. A rainha, enraivecida, desabafava com os amigos nos seguintes termos: ”Esta prostituta é a minha sentença de morte”.
Dizia que o rei tinha três amantes: ela, que detinha o título, Fontange, que desempenhava o cargo, e Françoise que possuía o coração.
Ainda Montespan detinha o título de sua amante oficial quando Luís XIV se envolveu com a bela, mas desinteressante, Maria Angélica de Fontange e apaixonou-se, no auge do seu poder, por Françoise d’Aubigné, então Marquesa de Maintenon, que fora escolhida pela própria Montespan para perceptora de seus filhos. Esta, não sabendo da nova paixão do rei, sendo, para mais, a marquesa uma mulher discreta, gentil e piedosa dizia, contudo, talvez com a intuição tão característica das mulheres, que ele tinha três amantes: ela, que detinha o título, Fontange, que desempenhava o cargo e Françoise que possuía o coração.
O rei desinteressou-se da sua amante que parece ter recorrido à bruxaria, sacrificando uma criança, para ganhar de novo os seus favores. Este facto levou a que passasse a ter um enorme desprezo por ela que, apenas se manteve no palácio, organizando festas e jantares sumptuosos, num mise en scène destinado a esconder o crime cometido e evitar o escândalo que colocaria em xeque o próprio Luís XIV. Montespan acaba por se retirar para Paris em 1691, tendo falecido em 1707.
Quem era então a dama por quem Luis XIV se apaixonara em exclusivo até ao fim dos seus dias?
Madame de Maintenon, a mulher secreta
Françoise d’Aubigné teve uma história de vida surpreendente e um tanto rocambolesca. Muito pobre, teria chegado a mendigar pelas ruas, mas acabaria por e tornar na última grande figura feminina do reinado de Luis XIV. Durante mais de 30 anos, foi a sua maior confidente, esposa secreta, rainha sem coroa.
Nasceu numa prisão, em virtude de seu pai ter sido preso por conspirar contra Richelieu.
Diz-se que Françoise teria nascido em 27 de Novembro de 1635, numa prisão, em virtude de seu pai, um hunguenot convicto, ter sido preso por conspirar contra Richelieu. Sua mãe, era filha do carcereiro. O pai foi libertado em 1639 e partiu com a família para a ilha de Martinica. Regressou depois a França, sozinho, deixando a mulher a cuidar dos filhos, a quem incutiu os rigorosos valores do protestantismo, apesar deles terem sido baptizados na igreja católica. Foram padrinhos de Françoise, a filha da condessa de Neuillant e o filho do Duque de La Rochefoucauld.
Em 1647 mãe e filha regressaram a França. Pouco tempo depois o marido falecia. A menina foi entregue aos cuidados de uma tia, irmã do pai, Madame de Vilette. Os tios eram ricos e Françoise teve um período feliz na sua vida, enquanto viveu com eles, no castelo de Mursay. Protestantes convictos, educaram a afilhada de acordo com a sua religião. Contudo, a madrinha de Françoise – que serviu Ana de Áustria e Maria Teresa – quando soube, ordenou que a menina entrasse para um convento onde fez a sua primeira comunhão.
Mais tarde a condessa de Neuillant levou-a para Paris para se ambientar em locais sofisticados, que lhe seriam muito úteis no futuro. Quando a mãe de Françoise morreu, tinha esta 16 anos, a madrinha “encaminhou-a” para casa de Paul Scarron, um poeta, dramaturgo, 25 anos mais velho, tolhido pelo reumatismo, com quem viveu um tempo e que posteriormente lhe propôs casamento. Françoise encontrou no poeta a sua oportunidade de ser livre. “Antes ele, que o convento”. Contraiu matrimónio em 1652, beneficiando do rico ambiente cultural da casa do marido onde teve acesso aos níveis mais altos da sociedade parisiense.
Ficou viúva oito anos depois, detentora de uma pensão que Ana de Áustria lhe concedera, que era aumentada anualmente, o que lhe permitiu manter-se nos círculos literários. Quando a rainha morreu, Luis XIV suspendeu-lhe a pensão. A sua vida ficou muito complicada. Pensou até vir para Portugal, como dama de companhia da nova rainha portuguesa, Marie Françoise de Nemours, quando travou amizade com Madame de Montespan, já então amante secreta do rei, de quem se encontrava grávida. Havia que manter o facto em segredo e, para tanto, encontrar uma pessoa de confiança.
Quando nasceu o primeiro filho da amante Montespan, foi colocado à guarda de Françoise.
Montespan incumbe Françoise dessa tarefa. Quando nasceu o primeiro filho de ambos, foi colocado discretamente à sua guarda, e assim sucedeu com os seis restantes. Quando nasceu o terceiro filho, os Scarron mudam-se para Paris. O rei, numa visita aos filhos, conhece a educadora. Tinha ela 36 anos e ele menos três. Françoise era, então, das poucas pessoas que conversavam com ele, nomeadamente, sobre assuntos da sua vida privada, relacionados com os meninos. Daí nasceu uma proximidade que crescia na proporção em que o rei se afastava de Montespan, que começa a aperceber-se do motivo da rejeição e a exercer toda a espécie de humilhações sobre a sua rival, como aliás, já tinha sucedido com a anterior.
O monarca reconhece os seus filhos ilegítimos em 1673 e fá-los mudar, juntamente com a preceptora, para a sua residência em Saint-Germain. Um ano após é oferecido a Madame Scarron o Chateau de Maintenon e em 1675 é-lhe conferido o título de Marquesa de Maintenon.
Em 1683 morreu Maria Teresa e o rei, então com 45 anos, casou secretamente com Madame de Maintenon, na noite de 9 para 10 de Outubro desse ano. Nunca mais se interessou por outra mulher. O casamento acabou em 1715, ano da morte de Luís XIV. Madame de Maintenon, vilipendiada por uns, enaltecida por outros, ganhou, contudo, a aura de mulher sensata e generosa, tendo criado uma instituição para raparigas nobres e pobres, em Saint-Cyr, na qual veio a falecer em 1719 quatro anos após a morte do rei.
Outros capítulos de “A deslumbrante história do luxo”
Capítulo 1. Introdução: tudo o que luz é luxo
Capítulo 2. Paleolítico: o luxo espiritual
Capítulo 3. Antiguidade: o luxo torna-se ostentação
Capítulo 4. Esbanjar para impressionar
Capítulo 5. Idade moderna, paixão por antiguidades
Capítulo 6. O luxo das amantes e do champanhe
Capítulo 7. O brilho da corte do rei Sol