Capítulo 6: O luxo das amantes e do champanhe

Mobiliário, roupas e jóias sumptuosas, obras de arte, propriedades, todo um conjunto de bens conferiam prestígio às classes superiores. As cortes da Renascença estão cada vez mais povoadas de mulheres. Rodeadas de luxo, as rainhas e as amantes ficaram célebres para a História

Diana de Poitiers, amante de Henrique II. Pintura de François Clouet

A França desempenhou um papel essencial no que respeita ao fausto e sumptuosidade. A corte do Papa d’Avignon foi a primeira corte moderna que fez gala do luxo supérfluo e a monarquia francesa sempre serviu, neste particular, de bússola às demais cortes europeias. Foi também assim no tempo de Luís XIII (1601-1643), monarca da Casa de Bourbon, de sua esposa Ana de Áustria e sob a influência de Richelieu, quando se iniciou o denominado luxo à francesa que se desenvolveria no reinado de Luís XIV, como o seria no século XVIII quando Paris se tornaria na capital mundial da moda.

Castelo de Amboise

O Castelo de Amboise, no Vale do Loire, foi o berço do Renascimento francês

Quarto de Henrique II, no Castelo de Amboise

Quarto de Henrique II, no Castelo de Amboise

Na época da Renascença, surgem os belos e magnificentes castelos para protecção dos reis. O berço do Renascimento francês foi o Castelo de Amboise, edificado em finais do século XV. Outros, também localizados no Vale do Loire, que é hoje Património Mundial da Humanidade, se lhe seguiram: Chambord, o maior de todos, Chenonceau, Azay-le-Rideau, Villandry, Blois, entre outros.

Mobiliário, roupas e jóias sumptuosas, obras de arte, propriedades, todo um conjunto de bens conferiam prestígio às classes superiores, em contraste com a penúria da maior camada da população. O luxo passa, também, a revelar-se em artigos utilitários, de mesa, porcelanas e cristais abrangendo, até, marcas de champagne que surgiram pela primeira vez nesta época.

É no século XVII que surge o luxo como sinónimo de excesso, quando os burgueses invadem a esfera da aristocracia, como nota Ellyette Roux, co-autora, com Gilles Lipovetsky, de O luxo Eterno. Da Idade do Sagrado ao Tempo das Marcas. A moda ganhou o sentido actual, de mudança constante, ajustada à função social do indivíduo.

O vestuário distinguia as classes. Era uma marca identitária e servia como moeda de troca e de riqueza. O guarda-roupa do Rei era transmitido aos seus sucessores, de geração em geração. Fazia parte da transferência do poder. As leis contra as “despesas extravagantes” eram uma forma de proteção da aparência aristocrática. A nobreza de toga e de espada equivaliam-se em luxo. Nesta época, o valor da roupa das mulheres era duas vezes mais elevado do que a dos homens.

 

As mulheres invadem a Corte

O sociólogo e economista alemão Werner Sombart, autor do livro Amor, Luxo e Capitalismo, para quem o luxo é pessoal e feminino, diz que Francisco I, de França, O Rei Cavaleiro (1494-1547), grande divulgador do Renascimento e iniciador da construção do Louvre e mecenas, foi o verdadeiro criador da corte, uma vez que criou as condições para que as mulheres ali assumissem um papel de grande preponderância.

Segundo este autor, as mulheres tiveram um papel muito assinalável no desenvolvimento do luxo, não só como consumidoras e beneficiárias de presentes, como também porque as principais fiandeiras e tecelãs eram do sexo feminino. As artes de fiar, tecer e bordar eram consideradas “prendas” femininas que abrangiam todas as classes.

As cortes da Renascença estão cada vez mais povoadas de mulheres, damas de companhia, ou amantes, algumas das quais exerceram um enorme poder político, até mesmo influenciando as decisões dos reis, ou, no extremo, substituindo-se a eles.

Todos os reis tiveram amantes. A partir da dinastia de Valois o seu papel foi ganhando destaque tendo sido institucionalizado, com a designação de maîtresse royale, rivalizando e sobrepondo-se, mesmo, ao das próprias rainhas.

Rodeadas de luxo, as rainhas e as amantes da corte francesa ficaram triste ou honrosamente célebres para a História. São histórias de vida tumultuosas, por isso mesmo interessantes, de jovens, aristocratas ou plebeias, normalmente, muito belas, (especialmente as amantes que eram escolhidas e não impostas por razões de Estado) astutas, inteligentes, calculistas, pérfidas ou ingénuas utilizadas como marionetas na política, num meio onde a intriga e o veneno imperavam.

 

Nossa Senhora com os Anjos vermelhos, de Jean Fouquet: o rosto da virgem é o de Agnés Sorel, amante do rei Carlos VII

O rosto de Nossa Senhora, de Jean Fouque, é o de Agnés de Sorel, amante do rei Carlos VII

A primeira amante oficial de um rei de França, Carlos VII, Agnés de Sorel (1422-1450), foi cumulada de riquezas. Era bela, culta, ousada, de requintadas maneiras, fruto da sua esmerada educação, pois, desde muito cedo, que frequentara o ambiente da corte, tendo sido encarregada da educadora do delfim de França, Henrique II, a cujo nascimento assistiu.

“A mais bela do reino” deu ao rei três filhas, por ele legitimadas. Este ofertou-lhe enormes feudos e valiosíssimas jóias. Teve, no entanto, uma vida breve, um destino trágico, envolto em mistério. Dizem uns que morreu de parto, quando tinha apenas 28 anos, ao dar à luz a quarta filha, que de resto, não sobreviveu. Outros, que fora envenenada. O Delfim, Luis XI foi, então, suspeito de ser o responsável pela sua morte, porquanto desaprovava vivamente a ligação entre ela e seu pai. Na autópsia ao cadáver levada a efeito em 2004-2005 concluiu-se que a mesma fora, de facto, envenenada, recaindo as suspeitas também na sua prima alemã, que lhe veio a suceder no leito real, três meses depois. As jóias e demais presentes que lhe haviam sido oferecidas pelo rei, voltaram à posse dele após a morte de Agnés, por sua vontade expressa.

Outra mulher que teve um lugar de destaque na corte francesa foi Diana de Poitiers (1499-1564). Bela, culta, inteligente, de família real, “alta e grave como uma catedral”, uma verdadeira lady, foi a amante respeitada por Henrique II, casado durante 12 anos com Catarina de Médicis, de quem teve 10 filhos. Durante o seu reinado, Catarina foi afastada dos negócios de Estado, tomando Diana o seu lugar. O belo Castelo de Chenonceau, tão desejado pela rainha, foi doado à amante do rei, o que demonstra bem o seu apreço por ela. Tal como fora profetizado por Nostradamus, o rei morreu violentamente aos 40 anos, trespassado por uma lança. Só após a morte do marido Catarina toma as rédeas do poder, tendo sido considerada a mulher mais poderosa de França no século XVI.

Henrique IV, o “Bom Rei Henrique”(1553-1610) assim chamado por restituir prosperidade à França, depois de 30 anos de guerra, teve o reinado mais promíscuo da História. Nada mais, nada menos que 26 amantes, sendo a mais célebre e seu verdadeiro amor Gabriele d’Estrées.

Outros capítulos de “A deslumbrante história do luxo”

Capítulo 1. Introdução: tudo o que luz é luxo
Capítulo 2. Paleolítico: o luxo espiritual
Capítulo 3. Antiguidade: o luxo torna-se ostentação
Capítulo 4. Esbanjar para impressionar
Capítulo 5. Idade moderna, paixão por antiguidades

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