O novo luxo global

A globalização e o enriquecimento de países em desenvolvimento contribuíram para a democratização do luxo no final do século XX. Emerge um novo paradigma: o do “novo luxo global”.

Fila para comprar produos de luxo, na China

Segundo Gilles Lipovetsky, a partir do final dos anos 1980 assistimos ao desenvolvimento de grandes de marcas de luxo e à organização de grandes grupos. O luxo passou a ser reconhecido como setor económico e industrial. Não é estranho a este fenómeno o papel da publicidade.

LVMH, PPR e Richemont são os três maiores conglomerados.

O setor registou uma significativa mudança: de “uma lógica artesanal e familiar para uma lógica industrial e financeira.” Os principais players desta indústria são portentosas estruturas industriais e financeiras, grandes grupos com recursos colossais. LVMH (Louis Vuitton, Möet e Hennessey) PPR (Pinault, Printemps-Redoute) e Richemont são os três maiores conglomerados de dezenas de marcas premium, constelações em que brilham as marcas mais valiosas, distribuídas por vários sectores: bebidas, relógios e joalharia, roupa, perfumaria, e outras atividades. Gilles Lipovetsky (2005) afirma que os grandes grupos cotados em bolsa representam 65% do volume de negócios do setor do luxo. Com estes gigantes cabitam empresas familiares. Algumas acabam por trocar a sua independência por capacidade de internacionalização, sendo absorvidas pelos grandes impérios do luxo.

18 das 25 principais marcas de luxo são europeias

A Europa continua a ser o epicentro deste mercado. São europeias 18 das 25 principais marcas de luxo, que exportam 70% da produção. A crise parece não ter atingido o setor que vale 600 mil milhões de euros, só na Europa. O número de consumidores de luxo triplicou nos últimos 20 anos e estima-se que, em 2020, atinja os 400 milhões de pessoas em todo o mundo. O novo luxo tornou-se vital para a economia das sociedades, desde logo pelo valor potencial de postos de trabalho que envolve.

 

O luxo de massas e de marketing

Os processos de mecanização permitem a aparição de produtos similares que criam, de certo modo, a ilusão do luxo. É o sonho concretizado a preços acessíveis; um semi-luxo ou quase-luxo, que pode ser adquirido pela classe média em enormes, amplos e belos espaços, onde, também, muitos vagueiam, apenas para apreciar tanta variedade e beleza e, beneficiar, simultaneamente, de temperaturas mais agradáveis no Verão ou no Inverno.

A passagem para o século XXI apontou para uma nova tendência. Hoje o luxo é um fenómeno híbrido, situado entre o luxo sumptuoso, aristocrático e eterno, e a moda efémera. “À idade sublime-artística sucedeu o seu momento hiper-realista e financeiro, no qual criação e pesquisa de grande rentabilidade se tornaram inseparáveis”, escreve Gilles Lipovetsky.

O consumo do luxo decompõe-se em duas formas distintas, que se entrecruzam: o luxo exteriorizado, que visa a ostentação e a distinção social, e o luxo interiorizado, que se alicerça no prazer do gosto e do requinte. As atenções das empresas de estudo de mercado estão voltadas para o consumidor: o seu perfil, saber quem compra o quê e porquê, formas de os fidelizar (eventos especiais, serviços pós venda, personalização dos produtos, etc.)… tudo o que se relaciona com o consumidor é estudado exaustiva e cuidadosamente. Desta forma, os markteers conhecem bem a sua psicologia e traçam as suas estratégias de acordo com este conhecimento.

Malas contrafeitas, imitando a marca Chanel, à venda num mercado de rua em Kuala Lampur, na Malásia

Malas contrafeitas, imitando a marca Chanel, à venda num mercado de rua em Kuala Lampur, na Malásia

Várias griffes são destinadas a públicos muito diferenciados, associando trabalho de gestores e estilistas. O objectivo é o alargamento do setor a cada vez mais consumidores. Luxo excepcional, a que poucos acederão, e luxo intermediário e acessível a um cada vez maior número de pessoas. É, como refere Lipovetsky, “o tempo do luxo-marketing, centrado na procura e na lógica do mercado.” Estamos, agora, na fase de massificação, na época mais empresarial e financeira do luxo. É um fenómeno à escala mundial que cativa cada vez mais clientes em todos os cantos da terra, com novas estratégias de sedução. Avança para Oriente e as economias emergentes, principalmente, a chinesa e a russa, deslumbram-se com os seus produtos. O mercado asiático rendeu-se ao seu fascínio e os novos consumidores esbanjam a sua fortuna na aquisição de bens em que o nome e o prestígio das marcas são determinantes.

Pessoas comuns sentem que, também elas, têm o direito ao luxo, ainda que ocasional.

Segundo um estudo do BCG, a China será o maior mercado de luxo, se mantiver o seu ritmo de crescimento. No antigo império do meio, desde presidentes a secretárias, quadros de chefia a pescadores, a compra de malas Louis Vuitton é um objetivo que todos desejam alcançar, como se tratasse da conquista de um troféu. Pessoas comuns, mercê do sucesso do seu trabalho, sentem que, também elas, têm o direito ao luxo, ainda que ocasional. É o consumo de auto-realização, para obtenção de um status ainda que efémero, (uma vez que o produto não condiz com as suas possibilidades financeiras), pela obtenção de prazer pela conquista, de um objecto ou serviço.

Surge a ideia de que o luxo tem de ser sustentável.

Nesta nova idade do luxo, este caracteriza-se por ser individual, emocional, democrático e ético ou socialmente preocupado. Para além da ostentação, o consumidor actual está preocupado com novas questões, nomeadamente, as ambientais. O consumo desenfreado foi posto em causa pelo denominado consumeirism, termo oposto ao de consumismo, cujo fim é o de alertar as consciências sobre as consequências do mesmo. Surge a ideia de que o luxo tem de ser sustentável. E os mercados conformam-se a esta realidade, mantendo as características de charme e de qualidade dos produtos que oferece, adaptando e reinventando conceitos que levem ao êxito nesse segmento.

O mercado do luxo reparte-se por diferentes categorias, dos produtos de extremo luxo (alta-costura, joalharia, palácios) a produtos diferenciados (perfumes, cosméticos, bebidas, lazer, electrónica, gastronomia, desporto), passando pelo luxo intermediário: objetos elegantes, caros, de boa qualidade. Este último é o mercado do lucrativo prêt-à-porter, categoria que implica a necessidade de estratégias de marketing. A publicidade é indispensável. As novas categorias (automóveis, turismo e hotéis, tecnologia, bebidas alcoólicas e alimentação, móveis e decoração, spas, clubes, ginásios e tudo o que se relaciona com o bem-estar), impulsionadas pelo consumo dos mercados emergentes, aumentam a sua importância.

 

Marketing de luxo

As marcas reinventam formas de comunicação com os seus clientes. Investem fortemente no on line, nas páginas do Facebook e partilham notícias em tempo real com os de elite. No mercado do luxo, os vendedores agem como consultores. Para isso têm de possuir uma boa cultura geral, conhecer o produto, a história da marca e dedicar ao cliente, cujos gostos já conhecem minimamente, um atendimento personalizado, fazendo-o sentir-se como se fosse o único. A comunicação prolonga-se em convites para eventos distintos e reservados.

A personalização é indispensável, seja em monogramas gravados nos produtos ou no atendimento.

A este nível, a personalização é indispensável, seja ela em monogramas que constam dos produtos, seja no atendimento. É também uma forma de lidar com a contrafação, praticada por criminosos que se aproveitam do valor de uma marca, produzindo e vendendo objetos de aparência semelhante, que os consumidores menos abonados adquirem, com consequências devastadoras para os agentes económicos em geral e para os proprietários das marcas, em particular.

Outros capítulos de “A deslumbrante história do luxo”

Capítulo 1. Introdução: tudo o que luz é luxo
Capítulo 2. Paleolítico: o luxo espiritual
Capítulo 3. Antiguidade: o luxo torna-se ostentação
Capítulo 4. Esbanjar para impressionar
Capítulo 5. Idade moderna, paixão por antiguidades
Capítulo 6. O luxo das amantes e do champanhe
Capítulo 7. O brilho da corte do rei Sol
Capítulo 8. As mulheres e amantes de Luís XIV
Capítulo 9. As mulheres que brilharam na corte do Bem Amado
Capítulo 10. Maria Antonieta, Madame Déficit
Capítulo 11. D. João V, o Rei Sol Português
Capítulo 12. Alta costura e boas maneiras
Capítulo 13. Da Belle Époque a guerra mundial
Capítulo 14. Alta costura, o luxo superlativo
Capítulo 15. O novo luxo

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