Women Summit: lutas e desafios da igualdade em debate

O evento encheu o Palácio da Bolsa, no Porto, e lançou um olhar feminino sobre as conquistas e lutas que ainda há a travar em matéria de políticas sociais, economia, ciência e cultura.

A Executiva esteve na Women Summit, no Porto.

Em Dia Internacional da Mulher, o Palácio da Bolsa, no Porto, foi palco do Women Summit, a conferência que juntou 18 mulheres que se destacam na educação, negócios, ciência, jornalismo, política, artes plásticas e performativas ou tecnologias para refletirem sobre o panorama das suas áreas, o que mudou para melhor e os desafios que ainda esperam as mulheres no caminho para a igualdade. A Executiva também marcou presença neste evento organizado pela revista One World.

Quebrar o teto de vidro nos negócios

O primeiro painel, “Empreendedorismo e Negócios”, juntou a co-fundadora e diretora da Executiva, Isabel Canha; a presidente do clube de produtores do Continente (Sonae), Ondina Afonso; Sandra Correia, criadora da marca Pelcor e shareholder da Novacortiça; e Adriana Reis Pinto, criadora da marca Barriga de Freira.

Ondina Afonso salientou como as mulheres em cargos de topo têm que ser aquilo a que chamou “líderes 4.0”, aliando adaptabilidade, flexibilidade, tomada rápida de decisões e grande capacidade de comunicação. Mas os preconceitos ainda hoje subsistem, acredita. “A Sonae é um exemplo de empresa cotada em Bolsa com boas práticas de igualdade de género. Mas, ao longo do meu percurso, houve momentos em que senti o preconceito. Quando ia a uma reunião sozinha com homens, numa entidade que não nos conhecia, passava quase sempre por assistente ou secretária deles (com todo o mérito da função), nunca como diretora executiva ou professora.”

Ondina Afonso, Sandra Correia, Teresa Silveira, Adriana Reis Pinto e Isabel Canha.

Não foi o género mas a juventude que puseram à prova Sandra Correia. A CEO da Pelcor é um dos nomes de relevo numa indústria muito masculina, mas onde não sentiu que ser mulher fosse um entrave. “Cheguei à industria da cortiça com 24 anos, era uma miúda numa indústria onde os donos de empresa e administradores têm uma média etária de 70 anos. Olhavam para mim e não me ligavam. Mas fui para floresta, trabalhei nas máquinas dos meus empregados, quis mostrar que não era uma administrativa, mas uma mulher de campo. E foi a meter as mãos na massa que conheci a indústria e que consegui mostrar que o facto de ser mulher ou ser jovem não me impedia de ser igual a eles.”

Isabel Canha: “Faz muito sentido que este dia continue a existir, para homenagear aquelas mulheres que tiveram a coragem de lutar. Era importante que não perdêssemos essa memória e respeito.”

O que terão de diferente as mulheres que conseguem ultrapassar o ‘telhado de vidro’? A diretora da Executiva destacou a grande importância do apoio à família e de vencer estereótipos de papéis de género. “É muito difícil para uma mulher fazer uma carreira internacional, viajar frequentemente sem uma rede de apoio muito forte. Não é fácil ter que apresentar um relatório de consultoria ou preparar uma fusão milionária de empresas e ter a pressão de ir buscar os filhos à escola ou de estar preocupada com quem fica com eles quando tiver de viajar.” A sociedade está a mudar e hoje as empresas começam a perceber que a nova geração de homens e mulheres quer um maior equilíbrio entre vida familiar e carreira e já começa a adotar políticas conciliatórias neste sentido.

No final do painel, Isabel Canha falou da necessidade de continuarmos a lembrar as diferenças na condição feminina em todo o mundo. “Faz muito sentido que este dia continue a existir, para homenagear aquelas mulheres que tiveram a coragem de lutar. Era importante que não perdêssemos essa memória e respeito. Hoje, há muito a tendência de dizer ‘não sou feminista’, porque se conota muito o feminismo com atitudes radicais, mas acho que devemos ser. Somos metade da Humanidade e a realidade é que somos discriminadas — mais ou menos, consoante os percursos de vida e classes sociais, mas ainda somos.”

“Não podermos demitir-nos da denúncia”

O 2º painel centrou-se no tema “Política e sociedade”, sob a moderação da jornalista Catarina Carvalho. Guilhermina Rego, vice-presidente da Câmara Municipal do Porto, destacou as melhorias que os últimos anos trouxeram às mulheres a nível económico, político, de educação e saúde, áreas que colocam Portugal acima da média, segundo os dados de um relatório de 2016 do Fórum Económico Mundial, em que o nosso país aparece em 31º lugar entre 144 países. “Há um caminho a percorrer, ainda estamos muito aquém do que seria espectável nos domínios empresariais e políticos.”

 

Mariana Moura Santos, Rosário Gambôa, Catarina Carvalho, Guilhermina Rego e Carmen Amado Mendes.

Para Guilhermina Rego, que faz parte da equipa que formulou a proposta de Declaração Universal da Igualdade de Género, apresentada à UNESCO, apesar dos princípios legais fortes, nomeadamente a nível constitucional, comunitários e universais, “falta o escrupuloso cumprimento da lei” e diversidade cultural de países com mundividência diferentes deve ser respeitada, mas as metas de igualdade não podem ser esquecidas. “Não podemos passar ao lado de indicadores no âmbito da violência física e sexual, da estimativa de meio milhão de mulheres sofrerem mutilação genital feminina a nível da União Europeia e 140 milhões, a nível mundial. Ou uma em cada 9 mulheres serem obrigadas a casar aos 15 e serem mães aos 16.”

Rosário Gambôa, presidente do Instituto Politécnico do Porto, observou que esta é fundamentalmente uma questão política que passa pela conceção de homem e mulher que temos. “Vivemos num nicho, na Europa, em relação às condições de vida, mas temos que continuar a ter uma visão alargada sobre as condições de igualdade das mulheres no mundo. A realidade nacional melhorou muitíssimo, mas continuamos cheios de ambiguidades.” Pobreza e desigualdades no acesso à saúde continuam uma realidade da qual “mulheres e crianças são muitas vezes as primeiras vítimas.” Em Portugal ainda há ainda grandes assimetrias socioeconómicas, diz. “Mais terrível é individualmente as pessoas se demitirem da denúncia de situações incorretas a que assistem. Não há uma cultura de denúncia e combate.”

Mariana Moura Santos: “Cada dia morrem 12 mulheres na América Latina por ‘feminicídio’. Estamos a fazer com que as leis sejam revistas e os Governos tomem medidas contra estes delitos.”

O empowerment feminino através do jornalismo e da tecnologia, é a ferramenta de Mariana Moura Santos, através da plataforma que criou, Chicas Poderosas, “um misto de jornalismo e ativismo para os direitos das mulheres”, como a própria define. “Na América Latina quase não há mulheres no poder nas salas de redação dos meios de comunicação. Se temos uma audiência que é 50% masculina e feminina e uma liderança só masculina, estamos a atender aos pontos de vista de uma sociedade masculina, a deixar 50% do talento de lado.” A tecnologia continua a ser um meio maioritariamente masculino, que afasta as mulheres, e é preciso mudar esta realidade. “Se as mulheres não estiverem neste jogo vão perder grande parte do caminho.”

As Chicas Poderosas já conseguiram vitórias significativas. “Cada dia morrem 12 mulheres na América Latina por ‘feminicídio’, ou seja, homicídios por ódio à mulher. As histórias que estamos a fazer sobre este tema está a fazer com que as leis sejam revistas e os Governos tomem medidas contra estes delitos.”

Os modelos femininos na política, como Hillary Clinton, são importantes por inspirarem as mulheres a terem uma voz na política, sobretudo em países onde culturalmente não existe igualdade de género, acredita a professora de relações internacionais, Carmen Amado Mendes. Mas em países da América Latina, quando as mulheres chegam ao poder, continuam a ser vistas como “uma marioneta ou muito apoiada por um homem, familiar ou da mesma cor política. Não se julga a mulher individualmente mas pelo meio masculino que a rodeia.”

Escrever a história das artes no feminino

As desigualdades nas artes são mais subtis e fazem-se notar mais ao nível dos cargos de direção ou liderança de áreas culturais, como na direção de orquestras ou direção artística, afirmou a cantora lírica Carla Caramujo no debate sobre Arte e Cultura, moderado por Francisca Carneiro Fernandes, presidente do conselho de administração do Teatro Nacional de S. João. No entanto, é a maternidade que continua a pôr as mulheres à prova no que toca às artes performativas. “É bastante difícil competir com as mulheres que não são mães porque há uma ideia pré-concebida de que o artista tem que se dedicar de corpo e alma, a tempo inteiro, à sua profissão e uma artista que é mãe deixa de ter tanto tempo para ensaiar, muitas vezes fora de horas. Já senti várias vezes isso na pele e é uma luta constante fazer sentir que sou a mesma artista e com as mesmas qualificações.”

Francisca Carneiro Fernandes, Ana Aragão, Carla Caramujo e Cristina Rodrigues.

Carla Caramujo lembrou que, até ao séc. XIX as mulheres compositoras eram arredadas da música. “Basta lembrarmo-nos de Clara Schumann, que viveu na sombra do marido até este enlouquecer. Só quando se libertou de ter de cuidar do marido e para sustentar a família, a sua carreira desabrochou. Ela escrevia: ‘Como posso ousar escrever música quando nenhuma mulher antes de mim o fez?’ na verdade sabemos que muitas mulheres antes dela o fizeram, mas incógnitas ou catalogadas erradamente em nome de compositores masculinos.”

Ana Aragão: “Se olharmos para a História da Arte, apenas 3 a 5% das obras das coleções permanentes dos museus europeus são assinadas por mulheres.”

A artista plástica e ilustradora Ana Aragão lembrou que, se olharmos para a História da Arte, apenas 3 a 5% das obras das coleções permanentes dos museus europeus são assinadas por mulheres, como constatou um inquérito no National Museum for Women in the Arts, nos EUA. “A história das artes feita por mulheres ainda está para ser escrita e o caminho ainda tem que ser feito.”

Cristina Rodrigues, artista plástica e etnógrafa, concordou que “temos uma óbvia desvantagem histórica. Não era sequer natural, até certa altura, a mulher ser entendida como artista e a própria mulher que produzia arte não se entendia como tal. Até 2007, apenas três mulheres tinham a sua obra avaliada em mais de 1 milhão de dólares, enquanto homens eram mais de mil.”

O seu trabalho tem incidido essencialmente no universo feminino. “Não por escolha própria, mas porque elas foram mais permeáveis que os homens ao que eu queria fazer, são contadoras de histórias que permitem aceder mais facilmente a questões mais íntimas.” Em 2014, a artista expôs na Catedral de Manchester, a sua obra ‘Women of my country’, produzida em colaboração com imigrantes portuguesas na região de Manchester, onde também era docente, e que se traduziu em 200 mil visitas em apenas 3 meses. O seu trabalho de recolha etnográfica nas regiões raianas, em torno do adufe como instrumento feminino e da memória feminina, fê-la descobrir como estas mulheres “encontravam formas de comunicar e se expressar através da música e arte onde contavam as suas histórias e preocupações e formas de viver os obstáculos. A Mulher é a minha maior musa.”

“Mais mérito e menos barreiras” para a Mulher na Ciência

O último painel juntou profissionais de uma das áreas da sociedade onde as mulheres ainda estão em menor número, a Ciência e Tecnologia: a professora catedrática e investigadora na área da Ciência dos Materiais Avançados, Elvira Fortunato, juntou-se a Catarina Selada, diretora do City Lab – CeiiA, e à investigadora da Universidade do Minho para a área da malária, Isabel Veiga, num debate moderado por Joana Branco, co-fundadora da empresa de biotecnologia PreDIT, que partilhou números relevantes: dos 830 prémios Nobel atribuídos desde 1901, apenas cerca de 50 foram atribuídos a mulheres, sendo que 16 foram para a Paz, 14 para a Literatura e 18 na área das Ciências; 20 deles foram atribuídos nos últimos 15 anos.

Elvira Fortunato, Joana Branco, Catarina Selada e Isabel Veiga.

“A ciência é uma área um pouco diferente, em que o que conta sobretudo é o mérito científico e onde o facto de ser homem ou mulher é indiferente”, disse Elvira Fortunato. “Claro que há áreas onde a participação feminina é menor, como a engenharia eletrónica, mas em Ciência há menos barreiras e talvez mais liberdade.” Cargos de chefia nas artes ainda têm uma predominância masculina, à semelhança de outros sectores, mas a investigadora e professora acredita que “dentro de poucos anos isso irá mudar porque existem cada vez mais licenciadas e doutoradas e quem chega a esses cargos chega por mérito.”

Elvira Fortunato: “É importante que a sociedade introduza ferramentas que mudem o sentido da agulha. Por isso, em certos setores da sociedade sou hoje completamente favorável a que existam quotas.”

No CEiiA, que Catarina Selada dirige, a predominância de colaboradores ainda é masculina mas as coisas estão a mudar. A oradora, que é licenciada em Economia e especializada em gestão para a Ciência e Tecnologia, desenvolve um trabalho na área das cidades inteligentes. “Na instituição em que trabalho, o percurso que temos vindo a fazer é de promoção de políticas públicas de igualdade de género. Somos 270 pessoas, 70% dos quais engenheiros. Mas há 10 anos apenas 10% eram mulheres, que trabalhavam sobretudo em áreas de suporte ou administrativas, a maioria com licenciaturas em ciências sociais, economia e gestão. Atualmente existem 37% de mulheres, não apenas nas áreas administrativas, mas também nas técnicas, nomeadamente na mobilidade e aeronáutica. Nos cargos de liderança isso também é notório: num conselho de administração com 5 pessoas, 2 são mulheres; na comissão executiva, de 3 pessoas, 2 são mulheres, e na direção técnica há uma mulher. É um percurso que nos orgulha e é resultado de um esforço de luta. Na minha área, das cidades inteligentes e a forma como a tecnologia pode apoiar o desenvolvimento das cidades e a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, 90% são mulheres. Há até autores que ligam a grande regeneração das cidades americanas ao ativismo das mulheres.”

Para Isabel Veiga o papel da mulher na Ciência, em Portugal, está a mudar e em institutos mais recentes, como o seu, os cargos superiores começam a ser mais ocupados por mulheres — na sua escola 40% dos professores catedráticos são mulheres, revela. A jovem investigadora acredita que a predominância masculina em cargos seniores é uma questão geracional. “Esta discrepância vai ficar, certamente resolvida em poucos anos.” As diferenças salariais não são uma questão tão relevante como em outros sectores, uma vez que grande parte das bolsas e financiamentos são concedidos pelo governo e baseados no mérito dos projetos de investigação.

Ainda que acredite que a Ciência é um ramo menos permeável a desigualdades, Elvira Fortunato acredita hoje que outros setores precisam de ferramentas mais firmes. “Há uns anos era completamente contra as quotas, porque achava que funcionavam de forma negativa para as mulheres — se estava naquele lugar era por mérito e não porque a quota tinha que ser preenchida — mas é importante que a sociedade introduza ferramentas que mudem o sentido da agulha. Por isso, em certos setores da sociedade sou hoje completamente favorável a que existam quotas.”

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